sexta-feira, maio 31, 2013

Professores do Setor Privado Pode Deflagrar Greve na Próxima Quarta-feira.


O Sinpro Pernambuco convoca você que é professor da rede privada de ensino para assembleia da Campanha Salarial na próxima quarta, dia 05 de junho, às 08h, no Centro Social da Soledade (Recife) e nas subsede do sindicato em Caruaru, Petrolina e Limoeiro. Na ocasião será votada pela a deflagração, ou não, de greve.
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Dos Meandros da Ação Política.


Não somos anjos em voo vindos do céu,
mas pessoas comuns que amam de verdade. 
Pessoas que querem um mundo mais verdadeiro, 
pessoas que unidas o mudarão”.
(Gente, de A. Valsiglio/Cheope/Marati).

Em uma recente sessão ordinária ocorrida na Câmara de Vereadores de Passo Fundo, ocorreu uma discussão inusitada sobre como fazer política entre os Nobres Edis: por consciência ou por demagogia. Este tema nos oportuniza uma importante reflexão sobre a ação política, da qual todos e todas fazemos parte.

Muitos de nós gostaríamos que os políticos fossem anjos. Se assim fosse, estaríamos imunizados de todas as situações e oportunidades que não promovem o bem comum e a prática da bondade. Mas os políticos, assim como cada um de nós, não são anjos e sim humanos, também não perfeitos. A política não é um espaço para a ação de anjos, mas espaço de disputa dos mais diferentes interesses que estão em jogo na sociedade. A disputa destes interesses é legítima, desde que os mesmos estejam sempre bem explicitados, para que todos saibam o que move os políticos quando se propõem a representar os interesses da população.

As contradições no exercício do poder estão sempre presentes nos movimentos que operam a política. Os políticos posicionam-se a partir das conjunturas e contextos de cada momento, das articulações e negociações que são possíveis para aprovar os projetos que estão em pauta, das forças sociais que estão mobilizadas em cada momento histórico. É natural que joguem com seus interesses pessoais, mas é inaceitável, numa democracia, que estes se sobreponham aos interesses coletivos.

As agremiações partidárias (partidos) expressam e materializam os projetos de sociedade que estão em disputa nas cidades de nosso país. Estes projetos traduzem-se em propostas concretas de como governar, de como construir as políticas públicas, de como distribuir a renda, de como construir oportunidades de desenvolvimento das nossas cidades e da própria nação. Os interesses pessoais e a defesa de projetos coletivos andam "sempre juntos e misturados” e traduzem-se em diferentes conseqüências.É preciso, no entanto, sempre contemporizar as posições e atitudes pessoais dos políticos com os projetos queos mesmos representam, observadas as circunstâncias e as intencionalidades em que ambas acontecem.

Os nossos políticos não representam a si próprios, mas representam interesses em disputa na sociedade. Talvez fosse mesmo melhor sermos governados por anjos, seres sobrenaturais imunes a qualquer interesse mundano. Como não é possível, cabe a cada um e cada uma avaliar o projeto com o qual cada um dos nossos representantes está comprometido. O compromisso com a vida humana, com a sociedade, com o bem comum e com as virtudes é o bem maior que deve ser resguardado, pelos políticos e pela gente.

Por Nei Alberto Pies (professor e ativista de direitos humanos).
FONTE: Adital.
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quarta-feira, maio 29, 2013

Tortura: Historiadora pernambucana serviu de Cobaia.


A historiadora pernambucana Dulce Pandolfi e a cineasta Lúcia Murat emocionaram os integrantes da Comissão Estadual da Verdade e as pessoas que acompanharam seus depoimentos, ontem, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Dulce contou que seu corpo foi usado em uma aula de interrogatório que teve demonstração de choques elétricos e simulação de fuzilamento.

Dulce Pandolfi emocionou-se em diversos momentos e precisou fazer pausas. Atualmente pesquisadora da Fundação Getulio Vargas, ela tinha 21 anos e era membro da Aliança Nacional Libertadora (ANL) quando foi presa em 1970. Passou um ano e quatro meses em poder dos militares e disse que foi torturada psicológica e fisicamente durante três meses no quartel da Polícia do Exército, onde funcionava o Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi).

No quarto mês de prisão, Dulce ficou no Departamento de Ordem Política e Social (Dops) do Rio, e, nos seis meses seguintes, foi mantida em um presídio em Bangu (RJ), até ser transferida para o presídio Bom Pastor, no Recife.

FONTE: Agência Brasil / Blog do Magno Martins.
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terça-feira, maio 28, 2013

As Esquerdas e a Pauta Conservadora.



Acovardadas, nossas esquerdas permitem que a direita estabeleça a pauta nacional: ‘mensalão’, redução da menoridade penal, violência, fracasso da política...

"...e quando finalmente a esquerda chegou ao governo tinha perdido a batalha das ideias”. 
Perry Anderson.

A frase de Perry Anderson (editor da New Left Review), tomei-a de um texto de Emir Sader (‘Neoliberalismo x pósneoliberalisno na América Latina’), referia-se à França –à pobre França do Partido Socialista de François Hollande— mas, poderia referir-se à Espanha (a pobre Espanha do Partido Socialista Operário Espanhol), ou à Itália na qual a preeminência política do Partido Comunista Italiano, o PCI de Gramsci e Togliatti –‘o maior partido do Ocidente’– foi substituída pela era Berlusconi, o grotesco. Mas, e é o que nos interessa, a observação se aplica igualmente ao Brasil de hoje, após a queda da ditadura (1984) e a derrota eleitoral do neoliberalismo conservador (2002/2006/2010), derrota a qual, todavia, não se propagou para o campo da política.

Ao contrário, e apesar do agravante constituído pela tragédia europeia, é a visão neoliberal, reiteradamente desmentida pela realidade, que domina o debate, o noticiário e até mesmo ações de governo.

Em pleno 2013, a tese do candidato das oposições é retomar as privatizações de FHC. Qual é, agora, o objeto da sanha, se pouco nos sobrou: a Petrobras? O Banco do Brasil? A Caixa Econômica?

Nosso atraso ideológico vai beber água nas circunstâncias em que se deu a redemocratização.

Refiro-me ao fato de a ditadura haver conseguido transformar a ruptura necessária em transação negociada, assumindo o papel de sujeito do processo, e assim contendo em suas rédeas a transição ‘lenta e gradual’, nos termos da equação do general Geisel, que compreendeu uma reforma política reacionária, que sobreviveu à própria Constituinte em dois aspectos essenciais: a ampliação das bancadas que representam os estados menos populosos, distorcendo mais ainda o princípio democrático que estabelece que a cada cidadão deve corresponder um voto, e a obrigatoriedade de remunerar os vereadores, transformando-os nos indivíduos mais bem remunerados na maior parte dos municípios do País.

Aquela reforma teve como fruto perene a entronização do ‘baixo clero’ como principal bancada da Câmara dos Deputados, permeando todas as legendas nela representadas. Até aqui.

A sociedade resistiu durante 20 anos à ditadura, o movimento das ‘diretas-já’--verdadeiro não plebiscitário à ditadura- terminou por implodir o Colégio eleitoral e derrotar o candidato do regime, mas os termos da ‘transição’ foram concertados entre generais e políticos autoimitidos no mandato de delegados da sociedade brasileira. O povo, em nome do qual tudo foi feito, teve de contentar-se com o papel que lhe reserva sempre uma História comandada pelos interesses da classe dominante: a plateia.

Por tramas do processo histórico, a esquerda não teve condições de conduzir o debate, e esse, paulatinamente, é dominado pelo pensamento neoliberal, ao qual aderem, primeiro, setores liberais que vinham da luta contra a ditadura, em seguida setores atrasados da própria esquerda, uns interessados em ocupar espaços na nova nomenclatura, outros, assustados com os ventos que sopravam do Leste, a partir da Queda do Muro de Berlim.

O Ocidente acenava com as vitórias de Thatcher, Reagan e, a seguir, Tony Blair. A desmontagem dos Partidos Comunistas em quase todo o mundo, e no Brasil a implosão do Partido Comunista Brasileiro (o ‘Partidão’) a que se seguiu a contrafação do PPS, foram um elemento a mais no arrefecimento da reflexão marxista.

Estavam criadas as condições propícias à ditadura do pensamento único. O imperialismo, dominante na política, dominante a cultura, na língua internacional, na linguagem tecnológica, na literatura, no cinema, na televisão, na globalização do american way of life, dominante do pensar, domina principalmente onde não precisa da força de suas tropas. Dominava e domina no plano ideológico, dominando corações e mentes.

Entre nós, de um lado a crise do movimento sindical e a astenia da Academia; de outro, o monopólio da informação e da opinião, professada por uma imprensa monopolizada ideologicamente. Todos os jornais, reproduzindo as mesmas opiniões, se julgam ‘algo mais que um jornal’. O reacionarismo, o antinacional e o antipopular, o primitivo, o antidesenvolvimentismo, a superveniência do que vem de fora, a alienação, a superstição, o atraso, o não-Brasil são a característica ideológica de uma imprensa militante, hoje o principal partido político brasileiro.

Falo da televisão, do rádio e da imprensa escrita.Falo de sua programação, de seu conteúdo, não apenas da desinformação dos noticiosos.

Não avanço o sinal mesmo quando afirmo que a grande imprensa brasileira é racista e de direita, à direita mesmo do empresariado nacional.

As palavras são do mais conspícuo representante do pensamento autoritário conservador brasileiro, o ministro Joaquim Barbosa, em recente conferencia na Costa Rica. Some-se a tudo isso a aliança entre a falsa fé religiosa (explorada mercantilmente no nível do charlatanismo) e a política partidária, uma se servindo da outra e ambas, a fé politizada e a política explorando a fé, alienando a população que subjuga ideologicamente para melhor explorar, construindo impérios econômicos e midiáticos e partidos políticos que vão disputar as entranhas do poder.

E as esquerdas, e os governos progressistas, como o avestruz da fábula que enterra a cabeça para não ver o perigo, fazem de conta de que nada veem, a se dizerem, empolgados por algumas vitórias eleitorais, que essa imprensa ‘não faz mais opinião’.

Não quero suprimi-la, nem mesmo diminuir sua força. Reclamo, apenas, o contraditório.

Mas essa imprensa é a única opinião a trafegar e é por seu intermédio que até os militantes dos partidos de esquerda se informam e muitos se formam. E eis como muitos setores da esquerda brasileira passam a incorporar valores da direita e a reproduzi-los, pensando em posar de ‘moderna’. Em nome da governabilidade, nossos governos são obrigados a compor com a direita, pois só caminhando à direita é que a esquerda soma votos.

E, por essas artes, entramos todos a falar em choque de gestão, em lucratividade (sim, até a previdência social deve dar lucro!), em ‘métodos científicos’ de administração, em eficiência do setor privado, em despolitização da administração pública, em gigantismo do Estado, em excesso fiscal, em baixar a maioridade legal para 16 anos, em mais jovens negros e pobres na cadeia a título de política de segurança.

Quem dorme com morcego acorda de cabeça para baixo, diz o povo.

Os partidos de esquerda fogem do debate ideológico, ensarilham suas teses, saem de campo, tudo em nome da conciliação.

Os Programas e Manifestos são reservados para as dissertações de mestrado. Nada de confronto, nada de enfrentamento, como se a paralisia pudesse ser instrumento de avanço, e assim terminam reforçando o statu quo. Qual seu papel pedagógico e doutrinário no Congresso, nas Assembleias e nos governos?

Silentes, acovardadas nossas esquerdas permitem que a direita, sucessivamente derrotada nas urnas, estabeleça a pauta nacional, e nela nos enredamos: ‘mensalão’, redução da menoridade penal, violência, fracasso da política, fracasso dos políticos... o eufemismo de ‘fracasso da democracia’.

No governo e fora dele, os partidos socialistas não falam mais em socialismo, governo e partidos de esquerda passam a operar a ‘conciliação de classes’ com a qual acenam para a grande imprensa e o sistema financeiro. Nos sindicatos, a ‘política de resultados’ substitui a luta política ideológica. O somatório de tudo isso –e assim se descortina o cenário da emergência do pensamento de direita– é uma Justiça reacionária e um Supremo afoito, tentando judicializar a política, e, ao arrepio da Constituição, assumindo funções legislativas, ademais de condicionar a vida interna de um Congresso acuado.

O próprio presidente do STF, de novo o inefável ministro Barbosa, aliás de forma coerente, agride a vida congressual e os partidos, sem os quais não haverá democracia alguma em nosso país. E sabe disso. E por saber é que fala essas coisas. Cumpre, assim, a tarefa que lhe cabe nesse festival de agressões ao processo democrático: embala os sonhos de uma classe média reacionária em busca de um novo redentor.

O debate das eleições de 2010, lamentavelmente ditado pela direita, concentrou-se, num primarismo digno da TFP, num sim e num não ao aborto. Qual a nossa proposta de debate para 2014?

Por Roberto Amaral.
FONTE: Carta Capital/Adital.
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Sinpro - Pernambuco Convoca Categoria Para Assembléia Geral dos Professores da Rede Privada.

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domingo, maio 26, 2013

Elogiando as Utopias & Cortejando o Absurdo - Johann Goethe.

 

"Nada é mais repugnante do que a maioria, pois ela compõe-se de uns poucos antecessores enérgicos; velhacos que se acomodam; de fracos, que se assimilam, e da massa que vai atrás de rastros, sem nem de longe saber o que quer".

"Só sabemos com exatidão quando sabemos pouco; à medida que vamos adquirindo conhecimentos, instala-se a dúvida".

“Ninguém é mais escravo do que aquele que falsamente se acredita livre”

"A maior necessidade de um Estado é a de governantes corajosos".

"Aprender a dominar é fácil, mas a governar é difícil".

"Nem todos os caminhos são para todos os caminhantes".

"A juventude é a embriaguez sem vinho".

"Onde há cobiças, é natural o errar".
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sábado, maio 25, 2013

Edgar Vasques: Rango.

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Coluna: Os Malvados.

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quinta-feira, maio 23, 2013

Antonio Cândido: 10 Livros Para Conhecer o Brasil.


Quando nos pedem para indicar um número muito limitado de livros importantes para conhecer o Brasil, oscilamos entre dois extremos possíveis: de um lado, tentar uma lista dos melhores, os que no consenso geral se situam acima dos demais; de outro lado, indicar os que nos agradam e, por isso, dependem sobretudo do nosso arbítrio e das nossas limitações. Ficarei mais perto da segunda hipótese. Como sabemos, o efeito de um livro sobre nós, mesmo no que se refere à simples informação, depende de muita coisa além do valor que ele possa ter. Depende do momento da vida em que o lemos, do grau do nosso conhecimento, da finalidade que temos pela frente. Para quem pouco leu e pouco sabe, um compêndio de ginásio pode ser a fonte reveladora. Para quem sabe muito, um livro importante não passa de chuva no molhado. Além disso, há as afinidades profundas, que nos fazem afinar com certo autor (e portanto aproveitá-lo ao máximo) e não com outro, independente da valia de ambos.

Por isso, é sempre complicado propor listas reduzidas de leituras fundamentais. Na elaboração da que vou sugerir (a pedido) adotei um critério simples: já que é impossível enumerar todos os livros importantes no caso, e já que as avaliações variam muito, indicarei alguns que abordam pontos a meu ver fundamentais, segundo o meu limitado ângulo de visão. Imagino que esses pontos fundamentais correspondem à curiosidade de um jovem que pretende adquirir boa informação a fim de poder fazer reflexões pertinentes, mas sabendo que se trata de amostra e que, portanto, muita coisa boa fica de fora.

São fundamentais tópicos como os seguintes: os europeus que fundaram o Brasil; os povos que encontraram aqui; os escravos importados sobre os quais recaiu o peso maior do trabalho; o tipo de sociedade que se organizou nos séculos de formação; a natureza da independência que nos separou da metrópole; o funcionamento do regime estabelecido pela independência; o isolamento de muitas populações, geralmente mestiças; o funcionamento da oligarquia republicana; a natureza da burguesia que domina o país. É claro que estes tópicos não esgotam a matéria, e basta enunciar um deles para ver surgirem ao seu lado muitos outros. Mas penso que, tomados no conjunto, servem para dar uma ideia básica.

Entre parênteses: desobedeço o limite de dez obras que me foi proposto para incluir de contrabando mais uma, porque acho indispensável uma introdução geral, que não se concentre em nenhum dos tópicos enumerados acima, mas abranja em síntese todos eles, ou quase. E como introdução geral não vejo nenhum melhor do que O Povo Brasileiro (1995), de Darcy Ribeiro, livro trepidante, cheio de ideias originais, que esclarece num estilo movimentado e atraente o objetivo expresso no subtítulo: “A formação e o sentido do Brasil”.

Quanto à caracterização do português, parece-me adequado o clássico Raízes do Brasil (1936), de Sérgio Buarque de Holanda, análise inspirada e profunda do que se poderia chamar a natureza do brasileiro e da sociedade brasileira a partir da herança portuguesa, indo desde o traçado das cidades e a atitude em face do trabalho até a organização política e o modo de ser. Nele, temos um estudo de transfusão social e cultural, mostrando como o colonizador esteve presente em nosso destino e não esquecendo a transformação que fez do Brasil contemporâneo uma realidade não mais luso-brasileira, mas, como diz ele, “americana”.

Em relação às populações autóctones, ponho de lado qualquer clássico para indicar uma obra recente que me parece exemplar como concepção e execução: História dos índios do Brasil (1992), organizada por Manuela Carneiro da Cunha e redigida por numerosos especialistas, que nos iniciam no passado remoto por meio da arqueologia, discriminam os grupos linguísticos, mostram o índio ao longo da sua história e em nossos dias, resultando uma introdução sólida e abrangente.

Seria bom se houvesse obra semelhante sobre o negro, e espero que ela apareça quanto antes. Os estudos específicos sobre ele começaram pela etnografia e o folclore, o que é importante, mas limitado. Surgiram depois estudos de valor sobre a escravidão e seus vários aspectos, e só mais recentemente se vem destacando algo essencial: o estudo do negro como agente ativo do processo histórico, inclusive do ângulo da resistência e da rebeldia, ignorado quase sempre pela historiografia tradicional. Nesse tópico resisto à tentação de indicar o clássico O abolicionismo (1883), de Joaquim Nabuco, e deixo de lado alguns estudos contemporâneos, para ficar com a síntese penetrante e clara de Kátia de Queirós Mattoso, Ser escravo no Brasil (1982), publicado originariamente em francês. Feito para público estrangeiro, é uma excelente visão geral desprovida de aparato erudito, que começa pela raiz africana, passa à escravização e ao tráfico para terminar pelas reações do escravo, desde as tentativas de alforria até a fuga e a rebelião. Naturalmente valeria a pena acrescentar estudos mais especializados, como A escravidão africana no Brasil (1949), de Maurício Goulart ou A integração do negro na sociedade de classes (1964), de Florestan Fernandes, que estuda em profundidade a exclusão social e econômica do antigo escravo depois da abolição, o que constitui um dos maiores dramas da história brasileira e um fator permanente de desequilíbrio em nossa sociedade.

Esses três elementos formadores (português, índio, negro) aparecem inter-relacionados em obras que abordam o tópico seguinte, isto é, quais foram as características da sociedade que eles constituíram no Brasil, sob a liderança absoluta do português. A primeira que indicarei é Casa grande e senzala (1933), de Gilberto Freyre. O tempo passou (quase setenta anos), as críticas se acumularam, as pesquisas se renovaram e este livro continua vivíssimo, com os seus golpes de gênio e a sua escrita admirável – livre, sem vínculos acadêmicos, inspirada como a de um romance de alto voo. Verdadeiro acontecimento na história da cultura brasileira, ele veio revolucionar a visão predominante, completando a noção de raça (que vinha norteando até então os estudos sobre a nossa sociedade) pela de cultura; mostrando o papel do negro no tecido mais íntimo da vida familiar e do caráter do brasileiro; dissecando o relacionamento das três raças e dando ao fato da mestiçagem uma significação inédita. Cheio de pontos de vista originais, sugeriu entre outras coisas que o Brasil é uma espécie de prefiguração do mundo futuro, que será marcado pela fusão inevitável de raças e culturas.

Sobre o mesmo tópico (a sociedade colonial fundadora) é preciso ler também Formação do Brasil contemporâneo, Colônia (1942), de Caio Prado Júnior, que focaliza a realidade de um ângulo mais econômico do que cultural. É admirável, neste outro clássico, o estudo da expansão demográfica que foi configurando o perfil do território – estudo feito com percepção de geógrafo, que serve de base física para a análise das atividades econômicas (regidas pelo fornecimento de gêneros requeridos pela Europa), sobre as quais Caio Prado Júnior engasta a organização política e social, com articulação muito coerente, que privilegia a dimensão material.

Caracterizada a sociedade colonial, o tema imediato é a independência política, que leva a pensar em dois livros de Oliveira Lima: D. João VI no Brasil (1909) e O movimento da Independência (1922), sendo que o primeiro é das maiores obras da nossa historiografia. No entanto, prefiro indicar um outro, aparentemente fora do assunto: A América Latina, Males de origem (1905), de Manuel Bonfim. Nele a independência é de fato o eixo, porque, depois de analisar a brutalidade das classes dominantes, parasitas do trabalho escravo, mostra como elas promoveram a separação política para conservar as coisas como eram e prolongar o seu domínio. Daí (é a maior contribuição do livro) decorre o conservadorismo, marca da política e do pensamento brasileiro, que se multiplica insidiosamente de várias formas e impede a marcha da justiça social. Manuel Bonfim não tinha a envergadura de Oliveira Lima, monarquista e conservador, mas tinha pendores socialistas que lhe permitiram desmascarar o panorama da desigualdade e da opressão no Brasil (e em toda a América Latina).

Instalada a monarquia pelos conservadores, desdobra-se o período imperial, que faz pensar no grande clássico de Joaquim Nabuco: Um estadista do Império (1897). No entanto, este livro gira demais em torno de um só personagem, o pai do autor, de maneira que prefiro indicar outro que tem inclusive a vantagem de traçar o caminho que levou à mudança de regime: Do Império à República (1972), de Sérgio Buarque de Holanda, volume que faz parte da História geral da civilização brasileira, dirigida por ele. Abrangendo a fase 1868-1889, expõe o funcionamento da administração e da vida política, com os dilemas do poder e a natureza peculiar do parlamentarismo brasileiro, regido pela figura-chave de Pedro II.

A seguir, abre-se ante o leitor o período republicano, que tem sido estudado sob diversos aspectos, tornando mais difícil a escolha restrita. Mas penso que três livros são importantes no caso, inclusive como ponto de partida para alargar as leituras.

Um tópico de grande relevo é o isolamento geográfico e cultural que segregava boa parte das populações sertanejas, separando-as da civilização urbana ao ponto de se poder falar em “dois Brasis”, quase alheios um ao outro. As consequências podiam ser dramáticas, traduzindo-se em exclusão econômico-social, com agravamento da miséria, podendo gerar a violência e o conflito. O estudo dessa situação lamentável foi feito a propósito do extermínio do arraial de Canudos por Euclides da Cunha n’Os sertões (1902), livro que se impôs desde a publicação e revelou ao homem das cidades um Brasil desconhecido, que Euclides tornou presente à consciência do leitor graças à ênfase do seu estilo e à imaginação ardente com que acentuou os traços da realidade, lendo-a, por assim dizer, na craveira da tragédia. Misturando observação e indignação social, ele deu um exemplo duradouro de estudo que não evita as avaliações morais e abre caminho para as reivindicações políticas.

Da Proclamação da República até 1930 nas zonas adiantadas, e praticamente até hoje em algumas mais distantes, reinou a oligarquia dos proprietários rurais, assentada sobre a manipulação da política municipal de acordo com as diretrizes de um governo feito para atender aos seus interesses. A velha hipertrofia da ordem privada, de origem colonial, pesava sobre a esfera do interesse coletivo, definindo uma sociedade de privilégio e favor que tinha expressão nítida na atuação dos chefes políticos locais, os “coronéis”. Um livro que se recomenda por estudar esse estado de coisas (inclusive analisando o lado positivo da atuação dos líderes municipais, à luz do que era possível no estado do país) é Coronelismo, enxada e voto (1949), de Vitor Nunes Leal, análise e interpretação muito segura dos mecanismos políticos da chamada República Velha (1889-1930).

O último tópico é decisivo para nós, hoje em dia, porque se refere à modernização do Brasil, mediante a transferência de liderança da oligarquia de base rural para a burguesia de base industrial, o que corresponde à industrialização e tem como eixo a Revolução de 1930. A partir desta viu-se o operariado assumir a iniciativa política em ritmo cada vez mais intenso (embora tutelado em grande parte pelo governo) e o empresário vir a primeiro plano, mas de modo especial, porque a sua ação se misturou à mentalidade e às práticas da oligarquia. A bibliografia a respeito é vasta e engloba o problema do populismo como mecanismo de ajustamento entre arcaísmo e modernidade. Mas já que é preciso fazer uma escolha, opto pelo livro fundamental de Florestan Fernandes, A revolução burguesa no Brasil (1974). É uma obra de escrita densa e raciocínio cerrado, construída sobre o cruzamento da dimensão histórica com os tipos sociais, para caracterizar uma nova modalidade de liderança econômica e política.

Chegando aqui, verifico que essas sugestões sofrem a limitação das minhas limitações. E verifico, sobretudo, a ausência grave de um tópico: o imigrante. De fato, dei atenção aos três elementos formadores (português, índio, negro), mas não mencionei esse grande elemento transformador, responsável em grande parte pela inflexão que Sérgio Buarque de Holanda denominou “americana” da nossa história contemporânea. Mas não conheço obra geral sobre o assunto, se é que existe, e não as há sobre todos os contingentes. Seria possível mencionar, quanto a dois deles, A aculturação dos alemães no Brasil (1946), de Emílio Willems; Italianos no Brasil (1959), de Franco Cenni, ou Do outro lado do Atlântico (1989), de Ângelo Trento – mas isso ultrapassaria o limite que me foi dado.

No fim de tudo, fica o remorso, não apenas por ter excluído entre os autores do passado Oliveira Viana, Alcântara Machado, Fernando de Azevedo, Nestor Duarte e outros, mas também por não ter podido mencionar gente mais nova, como Raimundo Faoro, Celso Furtado, Fernando Novais, José Murilo de Carvalho, Evaldo Cabral de Melo etc. etc. etc. etc.


Por Antonio Cândido. 
FONTE: Revista Teoria e Debate / Blog da Boitempo / Vermelho.
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O Público e o Privado na História da Educação Brasileira.


Este artigo procura tratar de dois aspectos que, no nosso entender, ajudam a compreender melhor alguns dos impasses políticos que impedem a concretização de uma reforma educacional progressista, a qual possa contribuir para o desenvolvimento soberano do nosso país. São eles: a relação público/privado na história da educação brasileira, particularmente na atualidade, e o papel do Estado na concretização de uma educação universal, pública, laica e gratuita.

  O público e o privado na história da educação brasileira: as diferentes abordagens

As categorias público e privado em educação vêm sendo construídas como referencial de análise com diferentes abordagens, entre as quais cito quatro. A primeira abordagem seria aquela que trabalha a relação público-privado através da história mostrando como foram se constituindo as relações entre o público e o privado na educação brasileira, retomando o papel das instituições: a igreja, a família, o Estado e a iniciativa privada (CURRY, 2005).

Uma segunda abordagem procura combater a identificação entre “público” e “estatal”, identificação que trata o público como estatal e o privado como não estatal. Esta visão, segundo os autores que a questionam, é empobrecedora e decorrente da ideia de que caberia ao aparelho estatal, ao governo da sociedade, cuidar e administrar o bem comum. Seria, fundamental, portanto, considerar o público e o privado a partir de sua historicidade.

Severino (2005), ao analisar a história da educação brasileira, afirma que a dicotomia entre o público e o privado está presente em quatro momentos históricos e sociais distintos.

No primeiro momento – que corresponde dos primórdios da colonização aos anos 30 do século 20 – o público encontra-se subsumido pela atuação hegemônica da igreja. Tem-se neste período a ausência da afirmação da categoria do público como medida das políticas educacionais no país. Num segundo momento, marcado pelo avanço do capitalismo e pela formação de uma classe média, a dimensão pública afirma-se como uma alternativa positiva. Sob a inspiração do iluminismo político e do iluminismo clássico, este novo modelo de organização logo entraria em conflito com a tradição ideológica da igreja católica, que também se fez visível no âmbito educacional. É o período que se costuma caracterizar como o do embate entre católicos e liberais.

Num terceiro momento, o conteúdo da categoria público é novamente alterado com a instauração do regime militar, reduzindo-se a uma expressão burocrática do estatal, equacionando-se ao mercadológico, de modo que a sociedade civil deixa de ser a comunidade dos cidadãos para se tornar a comunidade dos produtores e dos consumidores. Já o quarto momento corresponde ao fim do regime militar, caracterizado pela seguinte situação: a dimensão pública esvazia-se, impondo a minimização do Estado na condução das políticas sociais, dependentes apenas das leis de mercado.

Uma terceira abordagem revela que a oposição entre público e privado é típica da época moderna e vem servindo para mascarar o exercício do poder do Estado por uma classe em seu próprio beneficio, jogando uma cortina de fumaça sobre as relações sociais, como se o Estado moderno fosse um bem comum e o exercício administrativo fosse um bem para todos (LOMBARDI, 2005).

E, por fim, destacamos uma quarta abordagem, segundo a qual o público no Brasil tem sido caudatário dos interesses privados, pois a coisa pública no campo da educação tem servido aos interesses das empresas particulares de ensino, ferindo sistematicamente o bem comum. Essa abordagem coloca em questão se no Brasil de fato existiria uma esfera de educação pública voltada para o atendimento da maioria da população (ALVES, 2005). Como mostramos, existem várias possiblidades de análise. A que procuro defender neste artigo aproxima-se da primeira, da segunda e da quarta abordagens aqui apresentadas; no entanto, com algumas especificidades.

Apesar da categoria público/privado servir de referencial de análise da educação brasileira por vários vieses e através de pesquisas que trabalham vários aspectos da educação, um tem sido renegado ou muito pouco trabalhado, ou ainda trabalhado em cortes parciais, tendo como objeto, por exemplo, o estudo da expansão de apenas um nível da educação nacional, como a expansão da educação superior no Brasil após a década de 1980. Eu mesma tenho escrito vários trabalhos com este recorte. O aspecto a que me refiro diz respeito à atuação dos interesses privados concretizados pelo Estado brasileiro na construção de políticas educacionais que serviram e ainda servem para o fortalecimento e manutenção da educação privada em nosso país e também para o enfraquecimento da ação do Estado na ampliação da educação pública de qualidade e como fiscalizador, avaliador e regulador. O Estado capitalista, como qualquer outro, representa os interesses da classe dominante – no caso brasileiro, os interesses da burguesia e, portanto, os interesses privados da classe.

O que intriga e precisa ser entendido na história da educação brasileira é que, se analisarmos o que aconteceu na constituição da industrialização e do desenvolvimento do capitalismo na Europa, nos EUA, nos países da América Latina e em outras partes do mundo, veremos que nestes locais a classe dominante entendeu que, para alcançar os seus interesses, procurou colocar no centro de suas preocupações a construção de uma rede pública mantida pelo Estado, universalizada e gratuita. Com o advento da implementação do projeto neoliberal no final do século 20, este sistema universal público em alguns países foi quase totalmente desmantelado, como é o caso do Chile.

Aqui no Brasil, esta tarefa que em outros países se colocou como essencial na constituição da República, além de ser inconclusa, não tem sido, ainda, apesar de todo avanço, algo que o Estado brasileiro se dispõe a cumprir de modo inequívoco e consistente. O caráter dependente do Estado brasileiro explica em parte essa questão, mas não totalmente, porque países também dominados constituíram ao longo de sua história um sistema público de educação universal e de qualidade, mantendo a educação privada como uma opção democrática, como foi o caso da universalização da educação básica na Argentina.

As limitações e as especificidades da formação do capitalismo e da burguesia brasileiros e os muitos momentos de repressão, nada propícios a um debate efetivo sobre educação, também são aspectos que explicam apenas em parte as dificuldades em se constituir um sistema público universal e gratuito de educação, mas não explicam tudo.

Se analisarmos o desenvolvimento do sistema público de educação no Brasil até a atualidade veremos as enormes dificuldades em construir a relação entre um projeto nacional e um projeto de educação que lhe desse suporte. No Brasil, a universalização da educação pública e gratuita de qualidade teve, no âmbito do Estado, sempre dificuldades para se desenvolver, tanto pelos interesses privados que o Estado representa – ou seja, uma burguesia que não assumiu um projeto público e universal de educação gratuita nos momentos em que se colocavam em prática projetos de desenvolvimento – quanto pela ação e força política que as instituições e interesses privados mantiveram durante a história da educação brasileira.

No Brasil os interesses privados, religiosos, empresariais e de segmentos estiveram de modo claro lutando contra a universalização da educação pública de qualidade, por interesses ideológicos e/ou comerciais. A educação privada no Brasil nunca representou uma opção democrática, ou seja, nunca significou, como em outros países, uma alternativa a uma educação pública de qualidade. Ao contrário, na história da educação brasileira, o setor privado disputa com o projeto de fortalecimento da educação pública e gratuita. Foi o setor privado no Brasil quem construiu, em seu favor, a ideia de que o público não é o estatal e de que o público pode não ser gratuito. Aliás, muitos intelectuais e políticos ligados às instituições privadas de caráter confessional, com fins lucrativos ou não, criaram a categoria de comunitárias, exatamente para exemplificar a possibilidade de existência de algo mais democrático e público do que o estatal – claro que isto foi possível historicamente devido à ditadura militar e sua ação repressiva e centralizadora nas instituições públicas. Muitos dos argumentos para este tipo de ideia se deram pelo fato de que nas instituições estatais não havia liberdade e a comunidade não podia se expressar.

Se é verdade – como dizem os autores citados – que o público não necessariamente é o estatal, já que o estatal é de classe e, portanto, de interesses privados, somente teremos uma escola pública de fato quando não houver mais as classes. Não é disto que estamos tratando. Estamos tratando da relação do Estado na construção de um projeto social que na história do Brasil não se assentou no fortalecimento de uma rede pública, laica e gratuita. No Brasil, além dos interesses privados do Estado existe o setor privado que atua na educação e que sempre atuou politicamente no sentido de garantir os seus interesses, que representam – por várias razões – a contraposição ao caráter público e gratuito de educação e ao fortalecimento do papel do Estado na educação.

O debate sobre o papel do Estado e do setor privado na educação brasileira está presente ao longo da história republicana, incidindo de forma privilegiada tanto sobre os aspectos financeiros como doutrinários do ensino (BUFFA, 1979; CUNHA, 1981; CURY, 1985; HORTA, 1989).

O setor privado sempre atuou nos momentos decisivos da história da educação brasileira

O setor privado, que vem mudando as suas características e a sua atuação na história da educação brasileira, já se colocou, como na Velha República e durante os anos 1920 e 1930, explicitamente contra a expansão pública e gratuita da educação e atuou no sentido de impedir o fortalecimento do papel do Estado no oferecimento desse tipo de educação como um direito e como um bem público.

Esse setor atuou organizadamente na democrática Constituição de 1934, que pela primeira vez colocou a educação pública como direito e responsabilidade dos poderes públicos e designou os percentuais dos orçamentos estaduais, municipais e do Distrito Federal para a educação. Por outro lado, pela atuação forte do setor privado religioso, reconheceu a existência das instituições privadas na disputa com a expansão pública e colocou o ensino religioso como obrigatório nas instituições públicas.

O Estado Novo trouxe a conservadora Constituição de 1937, que retirou o papel do Estado na ampliação da educação pública e na formação de mão de obra, eliminou as designações orçamentarias. Entre 1937 e 1945, período de grande avanço industrial, o Estado brasileiro designou ao setor privado a responsabilidade pela formação da mão de obra, com investimento de verbas públicas. Neste período foram criados o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC).

A democrática Constituição de 1946 fortaleceu o papel do Estado na ampliação da educação pública e indicou a necessidade da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). O setor privado atuou no sentido de retirar da LBD o caráter público da educação e as exigências ao setor privado. Esse conflito de interesses ocasionou uma tramitação de 13 anos para a aprovação da Lei de Diretrizes. Durante o regime militar, a rede pública teve uma tímida expansão e foram realizadas algumas reformas educacionais principalmente na educação média, que se acoplou à educação profissionalizante, e na educação superior, que teve uma expansão pública através da criação de algumas instituições federais, mas também uma ampliação da rede privada nunca vista antes, através da criação de universidades mercantis ou através de subsídios para instituições privadas confessionais.

Na Assembleia Nacional Constituinte de 1988, o setor privado lutou de forma agressiva contra a educação gratuita e sua universalização. Conseguiu colocar na Constituição o artigo 209 que legaliza a sua atuação, e formaliza e educação com fins lucrativos como uma mercadoria, mas não obteve todas as vitórias que pretendia, pois a Constituição de 1988 coloca de forma inequívoca a educação como um direito e dever do Estado (poder público), mantendo ao mesmo tempo uma rede pública e gratuita em todos os níveis de ensino.

Na tramitação da LDB de 1996, este setor conseguiu muitas vitórias: reivindicou exigências diferentes para a educação pública e privada, não permitiu a regulamentação da gestão democrática, introduziu a concepção de universidade por área de saber e somente de ensino, instituindo na LDB cinco tipos de instituições de educação superior, o que ajudou sobremaneira a expansão privatista ocorrida depois de década de 1990, já sob orientação neoliberal.

O setor privado se fortalece e a educação pública se enfraquece após a década de 1990

Durante toda a década de 1990 até início de 2002 teremos no Brasil, com a implementação do projeto neoliberal, um fortalecimento dos interesses privatistas e um enfraquecimento dos interesses públicos.

Nesse período o ensino fundamental foi universalizado; no entanto, esta universalização se deu sem a devida qualidade; a expansão da educação média e profissional tecnológica estagnou; o sistema de educação superior público diminuiu; e a falta de recursos colocou em risco a qualidade das instituições públicas, as principais responsáveis pela formação de quadros para o desenvolvimento das ciências e da tecnologia no Brasil.

Por outro lado, a educação privada aumentou sua influência, tanto na educação básica, colocando-se como uma alternativa frente à baixa qualidade, e à dificuldade de absorção de demanda da educação pública e na educação superior no papel social de arcar com a expansão e democratização do acesso. Terminamos a década de 1990 com 80% das matrículas na educação superior na rede privada, principalmente em instituições somente de ensino. Temos um perverso déficit educacional em nosso país. De um lado, a universalização sem qualidade da educação fundamental e, de outro, índices de permanência e conclusão os mais baixos do mundo.

Atualmente apenas 50% das crianças que ingressam no ensino fundamental público do país terminam esse nível, e apenas 30% concluem o ensino médio. No nosso país, 20% das crianças possuem apenas de três a três anos e meio de escolaridade – o que equivale dizer que temos o nível escolar de países como Haiti e Tanzânia –; outros 20% possuem 4 anos de escolaridade – níveis como o de Nicarágua e Quênia; e, por fim, outros 20%, cinco ou seis anos de escolaridade, como na Argélia. Isto significa que, além das dificuldades com a inclusão, com o acesso e com a qualidade de nosso ensino, temos problemas muito sérios com relação ao nível de escolaridade total da nossa população.

Na educação superior, mesmo com as políticas de ampliação do acesso à educação pública, a partir da criação de novas instituições federais e estaduais e com a ampliação das vagas via Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) – levada a cabo pelo governo Lula e também pelo governo Dilma –, e com toda a expansão privada, atualmente, incluímos apenas 15% dos jovens na educação superior. E a desproporcionalidade entre o número de estudantes nas instituições públicas e privadas é enorme.

Em 2010, tínhamos 2.641 instituições privadas, 267 instituições públicas e 5 milhões e 800 mil matrículas, sendo 1,4 milhões nas públicas e 4,4 milhões nas privadas. Tivemos de 1980 a 2010 um incremento da rede pública de 22%, enquanto a rede privada cresceu no mesmo período 198% (dados do INEP, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais).

A expansão privatista ocorrida na educação superior brasileira, além de antidemocrática e de qualidade questionável, como mostram os ciclos avaliativos do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), foi a alavanca necessária para uma mudança de qualidade no modelo privatista, mudança que tem colocado em risco, desde 2005, a soberania do nosso país e também a formação superior dos nossos jovens. Trata-se do que está sendo chamado de financeirização e desnacionalização da educação superior, com a entrada de capital aberto através de fusões e aquisições, colocando ações de instituições e grupos na bolsa de valores através da oferta pública de ações, com acelerada formação de conglomerados econômicos no campo educacional. Estes grupos implementam uma administração gerencial, fazem alterações significativas nos projetos políticos pedagógicos, racionalizam ao máximo os investimentos e os custos através da demissão de doutores e mestres, com o objetivo de tornar suas ações mais competitivas.

São grupos poderosos, na maioria internacionais, entre os quais, Anhanguera Educacional Participações S.A. (Anhanguera), Estácio Participações S.A. (Estácio Part.); Kroton Educacional S.A., Sistema Educacional Brasileiro S.A. (SEB), que investem na educação superior brasileira e cujo objetivo tem sido a valorização de suas ações em detrimento do papel social e educacional das instituições que adquirem. Os grupos que participam desse processo estão protagonizando transformações significativas no quadro de fusões e aquisições. Os dados são reveladores do movimento de efetiva consolidação de um modelo de oligopólio na educação superior privada: em 2011, esses conglomerados já dominavam 15% de todas as matrículas; e em alguns municípios, já representam a única opção.


O neoliberalismo fortaleceu a ideologia privatista 



A demanda de acesso universal à educação escolar tinha como propósitos principais, após a Segunda Guerra, capacitar as crianças para que pudessem exercer plenamente os direitos políticos pela conquista do sufrágio universal, dando às camadas populares oportunidades culturais e profissionais que exigem escolarização. O Estado de bem-estar social proporcionou em grande parte dos países esta universalização.


O projeto neoliberal construiu uma crítica ao Estado de bem-estar social e esta crítica de cunho ideológico tornou-se forte e tem sido suporte dos embates educacionais desde então. Para os ideólogos neoliberais, o Estado de bem-estar social é paternalista, dando assistência e reforçando comportamentos inadequados dos beneficiários, é ineficiente, porque o aparelho de prestação de serviços sociais, para manter o controle, precisa ser inchado com desperdício de recursos e é corporativista porque os profissionais dos serviços sociais do Estado têm interesse na ampliação dos aparelhos de assistência, controle e acompanhamento. Para os neoliberais, a crise fiscal do Estado, que afetou as economias capitalistas nos últimos 20 anos, seria o resultado destas mazelas.

Essa visão propõe reformar o ensino público nos termos desta crítica. O paternalismo seria o resultado da gratuidade do ensino: como o aluno e sua família não pagam, ele não tem incentivo para melhorar o aproveitamento. A gratuidade também torna o aluno passivo perante a má qualidade do ensino. Para evitar estes males, o ensino deveria então tornar-se pago ou ao menos competitivo. A reforma escolar chilena (que hoje vive um colapso) é exemplo da implementação dessa concepção. No Chile, o Estado concede bolsas aos estudantes, que têm a “liberdade” de escolher a sua escola. Espera-se que a competição entre as escolas públicas e privadas, por essas bolsas, leve ao aumento da qualidade do ensino. Segundo esse ponto de vista, o ensino público não atende, por falta de estímulo, às necessidades e às demandas por trabalho. A proposta defende que a rede escolar esteja sujeita às regras de mercado, de modo que os diretores e os professores tenham interesse em formar ganhadores, porque esta seria a melhor forma para eles próprios ganharem o jogo concorrencial. Cada escola seria julgada pelo mercado, em função da qualidade de seu produto, avaliada pelo maior ou menor êxito de seus alunos na vida econômica e social.

Esta concepção permeou o embate político-educacional durante a década de 1990, mas ainda perdura. Ela aparece nos debates sobre o montante de recursos em educação, sobre a ampliação das vagas públicas e gratuitas no novo Plano Nacional de Educação (PNE) atualmente em disputa. A Universalização sem qualidade da educação fundamental tem servido para fortalecer este tipo de concepção. Tanto na Conferência Nacional de Educação como na tramitação do Novo Plano Nacional de Educação no Congresso Nacional, o embate de fundo continua sendo, por um lado, a defesa dos interesses privados e, por outro, o fortalecimento da educação pública e gratuita, universal e de qualidade. A educação privada reivindica, fazendo alusão ao artigo 209 da Constituição, a total liberdade de atuação, contra qualquer regulamentação por parte do poder público, contra qualquer exigência de gestão democrática. Luta para que o dinheiro e investimento público sejam utilizados para a manutenção das instituições privadas, principalmente de educação infantil, profissional e superior.

Estamos travando uma grande batalha na tramitação do novo PNE, para que ele de fato contemple metas que elevem a qualidade e universalização da educação pública e gratuita e coloque a educação no centro das prioridades governamentais. As metas colocadas no Novo PNE que foi recentemente aprovado na Câmara dos Deputados são audaciosas, rumo à universalização da educação básica, na ampliação das vagas públicas na educação tecnológica, superior, e de pós-graduação. E também avançam mesmo que timidamente em vários outros aspectos que se revestem de importância numa reforma educacional que coloque a educação como elemento estratégico no projeto de desenvolvimento nacional.

A luta pelo investimento de 10% do PIB em educação pública tem sido palco de enorme disputa. Ganhamos na Câmara dos Deputados. Mas no Senado o projeto já está sendo alterado, novamente seguindo interesses que não são de fortalecimento da educação pública gratuita e de qualidade, como é o caso, por exemplo, da retirada da palavra pública na meta dos 10% do PIB em educação.

As alterações que estão sendo feitas no Senado Federal são de fundo e colocam novamente, no cenário, forças antagônicas em disputa: por um lado, os que defendem que o Estado brasileiro coloque a educação pública no centro do projeto estratégico de desenvolvimento, designando inclusive royalties do petróleo para a educação; por outro, os que não querem que o Estado brasileiro fortaleça um projeto público de educação de qualidade. Esta tem sido a batalha de toda a história da educação brasileira.

Referências bibliográficas
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BUFFA, E. Ideologias em conflito: escola pública e escola privada. São Paulo: Cortez, 1979.
CUNHA, L. A. “Escola particular x escola pública”. Revista ANDE. São Paulo, vol. 1, n. 2, p. 30-34, 1981.
CURY, Gilberto Luiz C. J. “O atual discurso dos protagonistas das redes de ensino”. In: CUNHA, L. A. (org.). Escola pública, escola particular e a democratização do ensino. São Paulo: Cortez/Campinas: Autores Associados, 1985.
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_____________. “O público e o privado na história da educação brasileira: concepções e práticas educativas”. In: LOMBARDI, Claudinei José; JACOMELI, Mara Regina & SILVA, Tânia Mara T. (orgs.). O público e o privado na história da educação brasileira: concepções e práticas educativas. São Paulo: Autores Associados, UNISAL, p.3-30, 2005.
LOMBARDI, José Claudinei. “Público e privado como categorias de análise da educação? Uma reflexão desde o marxismo”. IN: LOMBARDI, Claudinei José; JACOMELI, Mara Regina & SILVA, Tânia Mara T. (orgs.). O público e o privado na história da educação brasileira: concepções e práticas educativas. São Paulo: Autores Associados, UNISAL, p. 59-98, 2005.
SEVERINO, Antônio Joaquim. “O público e o privado como categoria de análise em educação”. In: LOMBARDI, Claudinei José; JACOMELI, Mara Regina & SILVA, Tânia Mara T. (orgs.). O público e o privado na história da educação brasileira: concepções e práticas educativas. São Paulo: Autores Associados, UNISAL, p. 31-40, 2005.

Por Madalena Guasco Peixoto.
FONTE: Revista Princípios.

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