Estudo mostra que população associa ganhos dos últimos 10 anos ao governo e ao PT, o que não leva a maior participação política. 22% se enxergam como classe média e 69% afirmam ser classe trabalhadora.
A ascensão econômica verificada nos últimos 10 anos de governo do Partido dos Trabalhadores (PT) é um fenômeno claro para toda a população, mas não significou mudanças de valores políticos e morais nem maior acesso a bens culturais. Essas são as conclusões da pesquisa Estratos sociais emergentes e cultura política, produzida por Gustavo Venturi e Vilma Bokany, do Núcleo de Pesquisas e Opinião Pública da Fundação Perseu Abramo (FPA). O estudo foi apresentado hoje (16) no segundo encontro de uma série de debates promovidos pela FPA em parceria com a Fundação Friedrich Ebert (FES).
Com a intenção de entender as mudanças na estrutura de classe do país em função da forte mobilidade da última década, a pesquisa entrevistou 3.307 pessoas em 148 municípios, em áreas urbanas e rurais, distribuídos em todas as regiões do Brasil. Um dado significativo é que 82% dos entrevistados registraram mobilidade socioeconômica ascendente, sem variação significativa entre os estratos sociais.
O professor de sociologia da USP e assessor da FPA Gustavo Venturi afirma que hoje pouco mais de 51% da população figura no que o estudo define como estratos médios de renda, com ganho mensal per capita entre R$ 355 e R$ 1.243. São pessoas cuja renda cresceu no período e que saíram dos estratos baixos (28% do total, com renda abaixo de R$ 354, muitos em situação de pobreza e miséria), mas que não têm o padrão de renda da classe média tradicional, que está incluída no que a pesquisa chama de estratos altos – acima de R$ 1.244, reunindo 13% dos entrevistados.
E essas pessoas sabem disso: quando perguntados a que classe social pertencem, 69% escolhem as opções Classe Trabalhadora e Povo, contra 22% que se afirmam classe média e apenas 2% se consideraram como membros da Classe Empresarial ou Elite.
A visão de que a vida melhorou é compartilhada em todos os estratos. “É esse fenômeno do governo Lula, que de alguma forma conseguiu agradar a todos. Isso talvez explique que tenhamos sucesso no combate à miséria e à pobreza, mas tenhamos avançado pouco na redução da desigualdade. Os extremos mais altos também se beneficiaram”, diz. “Essa é a questão que enfrentamos agora. Esse modelo de atender a todos é sustentável até quando? Se chegar a um limite, temos que começar a negociar quem vai perder, e os conflitos aparecem com mais força.”
“A mobilidade que já havia sido detectada em outros indicadores se confirma, está clara do ponto de vista de acesso a bens materiais e melhor qualidade de vida. Mas isso não trouxe ainda mudanças, seja no acesso a bens culturais ou imateriais, seja no plano de valores, atitudes frente a questões comportamentais polêmicas”, explica.
Em questões como apoio à adoção de crianças por casais homoafetivos, descriminalização do aborto e respeito a direitos humanos de presos e criminosos, por exemplo, a ascensão social não significou mudança de posicionamento. “Não há alteração nenhuma entre quem ascendeu e quem não. Você tem diferenças de um estrato econômico para outro, mas que se mostram ligadas ao grau de escolaridade. Ou seja, a mobilidade em si não alterou a visão de mundo das pessoas – vale para adesão à democracia, grau de associativismo, e outras correlatas”, completa.
Apenas duas opiniões variam entre as pessoas que afirmam ter ascendido no período e aqueles que dizem ter permanecido na mesma situação ou piorado. A primeira é a avaliação do governo, claramente mais bem visto por quem apresenta melhoras na condição econômica. A segunda é a referência política pelo PT, declarada por 26% dos entrevistados (PMDB e PSDB empatam em segundo lugar, com 5%). “As diferenças são verificáveis dentro de cada estrato”, afirma Gustavo.
Essa visão, no entanto, não se traduz em uma maior valorização da política ou da organização coletiva como forma de melhorar de vida; “São duas coisas. A avaliação do governo não teria esse comportamento se não houvesse algum grau de consciência de que a ação do Estado contribuiu para essa mudança. Há um reconhecimento ao que há de visível nas ações dos governos do PT”, avalia Venturi.
No entanto, não se verifica uma mudança na visão das pessoas a respeito do associativismo: manteve-se um nível baixo em todos os estratos e sem diferenças entre aqueles que percebem uma melhoria na qualidade de vida.
A participação em mobilizações de rua e outras ações diretas e a atuação em associações ou coletivos ultrapassam 40% de apoio entre os entrevistados como formas de atuação política que poderiam ajudar a "melhorar as coisas no Brasil" – a participação em partidos atinge apenas 18% como alternativa.
No entanto, a efetiva participação em alguma organização ou movimentos (associação de moradores, grupo religioso com ações assistenciais ou políticas, entidade estudantil ou de classe) é muito baixa: o índice de participação atual mais alto é de 11% dos entrevistados, alcançado por grupos religiosos com atuação política/assistencial. Apenas 5% militam em seu sindicato profissional e 4% em algum partido político.
A baixa adesão à democracia também aparece quando 19% dos entrevistados dizem acreditar que uma ditadura pode ser uma forma de governo melhor em certas situações e 15% acreditam que tanto faz se governo é democracia ou ditadura. São 56% os que preferem sempre o regime democrático. Os números não encontram variação significativa dentro dos estratos entre as pessoas que ascenderam e as que não se moveram socialmente.
“É uma questão que não está bem resolvida. Se houvesse uma consciência clara da necessidade de ação coletiva para manter ou ampliar conquistas, esse índice teria mudado, mas não foi o que ocorreu. Não há nada tangível em relação a mudanças na cultura política”, afirma o pesquisador.
Por Nicolau Soares.
FONTE: Fundação Perseu Abramo / Rede Brasil Atual.
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Estudo mostra que população associa ganhos dos últimos 10 anos ao governo e ao PT, o que não leva a maior participação política. 22% se enxergam como classe média e 69% afirmam ser classe trabalhadora.
A ascensão econômica verificada nos últimos 10 anos de governo do Partido dos Trabalhadores (PT) é um fenômeno claro para toda a população, mas não significou mudanças de valores políticos e morais nem maior acesso a bens culturais. Essas são as conclusões da pesquisa Estratos sociais emergentes e cultura política, produzida por Gustavo Venturi e Vilma Bokany, do Núcleo de Pesquisas e Opinião Pública da Fundação Perseu Abramo (FPA). O estudo foi apresentado hoje (16) no segundo encontro de uma série de debates promovidos pela FPA em parceria com a Fundação Friedrich Ebert (FES).
Com a intenção de entender as mudanças na estrutura de classe do país em função da forte mobilidade da última década, a pesquisa entrevistou 3.307 pessoas em 148 municípios, em áreas urbanas e rurais, distribuídos em todas as regiões do Brasil. Um dado significativo é que 82% dos entrevistados registraram mobilidade socioeconômica ascendente, sem variação significativa entre os estratos sociais.
O professor de sociologia da USP e assessor da FPA Gustavo Venturi afirma que hoje pouco mais de 51% da população figura no que o estudo define como estratos médios de renda, com ganho mensal per capita entre R$ 355 e R$ 1.243. São pessoas cuja renda cresceu no período e que saíram dos estratos baixos (28% do total, com renda abaixo de R$ 354, muitos em situação de pobreza e miséria), mas que não têm o padrão de renda da classe média tradicional, que está incluída no que a pesquisa chama de estratos altos – acima de R$ 1.244, reunindo 13% dos entrevistados.
E essas pessoas sabem disso: quando perguntados a que classe social pertencem, 69% escolhem as opções Classe Trabalhadora e Povo, contra 22% que se afirmam classe média e apenas 2% se consideraram como membros da Classe Empresarial ou Elite.
A visão de que a vida melhorou é compartilhada em todos os estratos. “É esse fenômeno do governo Lula, que de alguma forma conseguiu agradar a todos. Isso talvez explique que tenhamos sucesso no combate à miséria e à pobreza, mas tenhamos avançado pouco na redução da desigualdade. Os extremos mais altos também se beneficiaram”, diz. “Essa é a questão que enfrentamos agora. Esse modelo de atender a todos é sustentável até quando? Se chegar a um limite, temos que começar a negociar quem vai perder, e os conflitos aparecem com mais força.”
“A mobilidade que já havia sido detectada em outros indicadores se confirma, está clara do ponto de vista de acesso a bens materiais e melhor qualidade de vida. Mas isso não trouxe ainda mudanças, seja no acesso a bens culturais ou imateriais, seja no plano de valores, atitudes frente a questões comportamentais polêmicas”, explica.
Em questões como apoio à adoção de crianças por casais homoafetivos, descriminalização do aborto e respeito a direitos humanos de presos e criminosos, por exemplo, a ascensão social não significou mudança de posicionamento. “Não há alteração nenhuma entre quem ascendeu e quem não. Você tem diferenças de um estrato econômico para outro, mas que se mostram ligadas ao grau de escolaridade. Ou seja, a mobilidade em si não alterou a visão de mundo das pessoas – vale para adesão à democracia, grau de associativismo, e outras correlatas”, completa.
Apenas duas opiniões variam entre as pessoas que afirmam ter ascendido no período e aqueles que dizem ter permanecido na mesma situação ou piorado. A primeira é a avaliação do governo, claramente mais bem visto por quem apresenta melhoras na condição econômica. A segunda é a referência política pelo PT, declarada por 26% dos entrevistados (PMDB e PSDB empatam em segundo lugar, com 5%). “As diferenças são verificáveis dentro de cada estrato”, afirma Gustavo.
Essa visão, no entanto, não se traduz em uma maior valorização da política ou da organização coletiva como forma de melhorar de vida; “São duas coisas. A avaliação do governo não teria esse comportamento se não houvesse algum grau de consciência de que a ação do Estado contribuiu para essa mudança. Há um reconhecimento ao que há de visível nas ações dos governos do PT”, avalia Venturi.
No entanto, não se verifica uma mudança na visão das pessoas a respeito do associativismo: manteve-se um nível baixo em todos os estratos e sem diferenças entre aqueles que percebem uma melhoria na qualidade de vida.
A participação em mobilizações de rua e outras ações diretas e a atuação em associações ou coletivos ultrapassam 40% de apoio entre os entrevistados como formas de atuação política que poderiam ajudar a "melhorar as coisas no Brasil" – a participação em partidos atinge apenas 18% como alternativa.
No entanto, a efetiva participação em alguma organização ou movimentos (associação de moradores, grupo religioso com ações assistenciais ou políticas, entidade estudantil ou de classe) é muito baixa: o índice de participação atual mais alto é de 11% dos entrevistados, alcançado por grupos religiosos com atuação política/assistencial. Apenas 5% militam em seu sindicato profissional e 4% em algum partido político.
A baixa adesão à democracia também aparece quando 19% dos entrevistados dizem acreditar que uma ditadura pode ser uma forma de governo melhor em certas situações e 15% acreditam que tanto faz se governo é democracia ou ditadura. São 56% os que preferem sempre o regime democrático. Os números não encontram variação significativa dentro dos estratos entre as pessoas que ascenderam e as que não se moveram socialmente.
“É uma questão que não está bem resolvida. Se houvesse uma consciência clara da necessidade de ação coletiva para manter ou ampliar conquistas, esse índice teria mudado, mas não foi o que ocorreu. Não há nada tangível em relação a mudanças na cultura política”, afirma o pesquisador.
Por Nicolau Soares.
FONTE: Fundação Perseu Abramo / Rede Brasil Atual.
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