quinta-feira, janeiro 01, 2015

Dermeval Saviani: As implicações do Novo PNE para o Brasil


Historicamente a maioria dos estados e municípios sequer chega a elaborar seus planos na vigência do Plano Nacional de Educação. Assim, o último PNE passou todo o período em que vigorou entre 10 de janeiro de 2001 e 9 de janeiro de 2011 sem que estados e municípios aprovassem os respectivos planos de educação.

Nos artigos anteriores mostrei o significado da noção de Plano Nacional de Educação, sua trajetória no contexto brasileiro, o teor da proposta e o conteúdo das metas do plano aprovado, o financiamento da educação, a questão do magistério e as dificuldades e perspectivas em torno do Plano Nacional de Educação propiciando, assim, uma visão dos vários aspectos do atual PNE.

Mas, além dessa visão geral, é importante considerar que esse novo plano impõe exigências imediatas para as instâncias federativas. A União é incumbida, pelo artigo 13, de instituir, em lei específica, após 2 anos de sua publicação, o Sistema Nacional de Educação. Em relação aos Estados, Distrito Federal e Municípios a mesma lei os obriga a elaborar, no prazo de um ano, os respectivos planos de educação e, no prazo de dois anos, a aprovar leis específicas disciplinando a gestão democrática da educação pública. Isto significa que até o próximo dia 25 de junho de 2015 as Assembleias Legislativas dos estados, a Câmara Legislativa do Distrito Federal e as Câmaras Municipais devem aprovar respectivamente seus Planos Estaduais, o Plano Distrital e os Planos Municipais de Educação.

Como atender a essa exigência? Historicamente a maioria dos estados e municípios sequer chega a elaborar seus planos na vigência do Plano Nacional de Educação. Assim, o último PNE passou todo o período em que vigorou entre 10 de janeiro de 2001 e 9 de janeiro de 2011 sem que estados e municípios aprovassem os respectivos planos de educação.

De fato, se for adotada a mesma sistemática de que se serviu a União, o tempo necessário para se chegar à aprovação dos planos estaduais e municipais ultrapassará em muito o previsto na lei que aprovou o PNE. Mas não parece necessário seguir esse caminho.

O plano já aprovado pelo Congresso, por ser nacional obviamente deve ser observado não apenas pela União, mas por todos os estados e municípios. Assim, o que cada estado e cada município deve fazer é ajustar as metas aprovadas às respectivas situações específicas, compondo os próprios planos de educação.

Tomemos o caso de um município determinado, seja ele São Sepé no Rio Grande do Sul, São Vicente em São Paulo, Santarém no Pará ou qualquer outro. Penso que na elaboração do projeto do Plano Municipal de Educação devem ser consideradas as metas do PNE. Começando pela Meta 1, “Universalizar, até 2016, a educação infantil na pré-escola para as crianças de 4 e 5 anos de idade e ampliar a oferta de educação infantil em creches de forma a atender, no mínimo, 50% das crianças de até 3 anos até o final da vigência deste PNE”, cabe verificar qual é a situação do município diante dessa meta. Ou seja, trata-se de ver se a pré-escola já foi universalizada e, em caso contrário, identificar quanto falta para se atingir essa meta e o que é preciso fazer para atingi-la até 2016.

O mesmo procedimento será adotado em relação ao outro aspecto da Meta 1, ligado às creches, assim como em relação às outras 19 metas do Plano Nacional de Educação. Dessa forma será viável propor um cronograma no qual, até o final de 2014, seria elaborado o projeto que começaria a tramitar na Câmara Municipal no início da legislatura de 2015 tendo, pois, tempo suficiente para chegar à aprovação do PME dentro do prazo legal que se encerra em 25 de junho.

Os leitores que quiserem saber mais sobre os temas tratados nessa série de artigos poderão recorrer ao meu livro Sistema Nacional de Educação e Plano Nacional de Educação que traz um suplemento contendo o texto integral do novo Plano Nacional de Educação. Encerrando esta série, o último artigo versará sobre um tema que vai além do PNE, comportando a solução definitiva para o problema da educação em nosso país.


Por Dermeval Saviani - professor e escritor.
Fonte: Portal da Fundação Maurício Grabois/ Portal Vermelho

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Roberto Amaral: Os tempos que virão pela frente não serão fáceis

Roberto Amaral é fundador e ex-presidente do PSB

Dilma foi diplomada e dia 1º de janeiro inicia seu segundo mandato, mas a presidenta não conta com um 'céu de brigadeiro'. 

As primeiras e mais graves nuvens negras se dissiparam. Vencidas todas as guerras e guerrinhas que compreenderam, até, o arreganho golpista, a presidente foi diplomada e dia 1º de janeiro inicia seu segundo mandato, que pode ser um segundo ciclo no ciclo petista-popular governante desde 2003. Mas não conta a presidente Dilma com um 'céu de bigadeiro'. Superada uma crise – interna ou exógena, política ou econômica, real ou engendrada-- outras virão e as que não chegarem naturalmente serão geradas ou agravadas, com ou sem base fatual, por uma oposição raivosa comandada por uma imprensa hostil, como jamais se viu neste país, senão nos idos que prepararam o 'Agosto de 1954'.

A oposição – partidária e mediática — derrotada nas eleições e derrotada no intento de deslegitimar o pronunciamento eleitoral, recusa-se a ensarilhar as armas, voltadas agora à tentativa de, fragilizando a presidente, dificultar politica e administrativamente seu governo, e, assim, impedir a continuidade programática. Ou seja, como não foi possível impedir nem sua eleição nem a posse (com que ameaçaram JK), tentará a direita impedir seu governo – tornando-o politicamente inviável (Jango) até o limite do golpe, se não for possível impor a presidente à agenda conservadora, em nome da 'governabilidade'.

O cerco está à vista.
Derrotada, e derrotada em pleito que espelhou alto nível de politização do eleitorado, a oposição não se deu por vencida, e vem tentando impor com nomes e modelos a política econômica do governo Dilma e o ponto de partida é a satanização de qualquer política que não seja a velha cartilha do FMI e dos 'chicagos boys' que tanto prejuízo já causaram a este país. A imposição da velha e fracassada política não precisa justificar-se (trata-se de um dogma dos jornalões e isto basta), embora o que prometem já tenha sido visto e vivido por brasileiros, chilenos e argentinos: desemprego, desaceleração econômica e recessão, objetivo, aliás, fácil de alcançar, se considerarmos o desempenho do PIB brasileiro nos últimos dois anos. Por isso e também por isso não se discute a política econômica, senão a partir do mágico 'ajuste fiscal', com o qual nos ameaça o conluio dos capitães da imprensa com os barões do sistema financeiro, parasita e predador. A Avenida Paulista já festeja a expectativa de aumento continuado de juros, e os jornalões dedicam-se à tarefa de bombardear qualquer discurso desenvolvimentista. Tudo é aceitável, menos a retomada do crescimento que ensejou nos últimos 12 anos o ingresso de mais de 40 milhões de brasileiros — a maioria negros e nordestinos, e todos pobres ou muito pobres— no mercado de consumo. Muitos, milhares, alcançaram, até, o ingresso na universidade, antes exclusividade das chamadas classes médias.

O terreno é promissor para o desastre prometido: crise politica e econômica europeia, crise asiática (recessão japonesa) e a realização da esperada queda do crescimento do PIB chinês, desaceleração da economia latino-americana, crise no Mercosul e entre os BRICS. E desarranjos em nossa economia, uns reais, outros maximizados pela oposição e todos tonitruados pelos jornalões e pela revistona, e pelos 'economistas' midiáticos do grande canal de tevê.

O caminho será esse senão reagirmos, e a forma mais eficiente de reação é o apoio popular ao governo Dilma.
Tenhamos consciência, todavia, de que a presidente terá de enfrentar esses desafios tendo como retaguarda uma base parlamentar inconfiável e um Congresso (em crise moral, diga-se de passagem) que só lhe tem proporcionado dissabores, dissabores que inevitavelmente crescerão se o governo, como sugerem os dados de hoje, não conseguir controlar a Presidência da Câmara dos Deputados.

Esse é o pano de fundo do quadro político que, pelo menos aparentemente, orientou a composição do Ministério, a saber, a necessidade de, olhando para 2018, considerar o desempenho do governo pari passu com a 'governabilidade', que se resume em atender aos partidos da base e assegurar maioria no Congresso. As negociações com o poder econômico e outros 'poderes' se dão por outras vias.

Mas o ambiente, lamentavelmente, é este: Congresso conservador, oposição raivosa, imprensa agressivamente hostil e fragilidade parlamentar, a partir da fragilidade de sua própria base partidária, comandada por um PT tímido na ação política e inibido na liderança dos movimentos sociais – sua origem e sua razão de ser.

Falta ao governo Dilma hoje, e poderá faltar ainda mais em função do enfrentamento da crise, o apoio das ruas, aquele que Lula foi buscar em 2005. Mas apoio que não cai do céu como chuva, pois muito depende do discurso presidencial, de suas primeiras e segundas medidas. O apoio e mobilização das massas depende da doação de uma militância ainda retraída, à espera do anúncio dos rumos do governo, e, dessa forma, inconscientemente, renunciando a influir na sua concepção, talvez certamente mais importante do que a ocupação dos gabinetes da Esplanada dos Ministérios, com Joaquim ou Manuel, representantes desta ou daquela corrente partidária. É preciso resolver o impasse, pois a inação só favorece à direita.

Tudo isso o próximo governo terá de enfrentar – em meio a uma ameaçadora instabilidade política que se anuncia para os primeiros meses de 2015--- comandando uma estrutura estatal paralítica, uma burocracia inoperante, uma ordem administrativa absolutamente caótica, a clamar aos céus por uma reforma do modo de operação do Estado.

Ao contrário do que supõem lideranças partidárias e boas cabeças pensantes do Planalto, a reforma política não é panaceia para todos os males de nosso tempo, e a simples prioridade que lhe temos dado é significativa do atraso do processo politico brasileiro que já reclamou reformas estruturais e infraestruturas, as chamadas 'reformas de base' (anos 60) que ainda não realizamos, e que precisamos realizar nos próximos quatro anos: reforma agrária beneficiando o pequeno produtor, reforma do ensino e da universidade incluindo reforma do ensino militar, reforma do Judiciário, reforma fiscal, implicando a taxação das grandes propriedades e das grandes fortunas, reformas que requerem governo forte, como a regulamentação das empresas de comunicação de massa, que, ademais, depende de ampla e efetiva mobilização nacional. Tudo o que a direita quer evitar, e pode evitar se a mobilização das massas não for o outro lado do fracasso dos partidos: fracasso como instituições políticas, como instrumento da organização popular, fracasso como projeto de país e de governo. Fracasso que contaminou o movimento sindical partidarizado.

Está na hora de pensar grande, e assim consideramos pensar o amanhã despojado de parti pris. Rever tudo, as organizações partidárias e a crise particular da esquerda socialista e dos partidos de esquerda e os ditos partidos progressistas, rever nossos programas, nossos objetivos, nossos projetos, e buscar alternativas que favoreçam a emergência das massas, e enfrentem as ameaças veladas ou não que se levantam, por enquanto como mera prospecção, ao processo democrático duramente reconquistado pelo povo brasileiro. É fundamental rever o caráter das atuais relações entre partidos de esquerda e os movimentos sociais.

Cabe à esquerda – e nos valemos da expressão grafada por Darcy Ribeiro — passar a limpo o país a partir de sua própria autocrítica, preparando-se para a mobilização de todas as forças populares em uma grande frente progressista que compreenda parlamentares (independentemente de filiação partidária) que com seus princípios se vejam comprometidos, movimentos sociais, sindicatos e centrais sindicais, lideranças sociais e comunitárias, com o objetivo de fazer frente à ascensão da direita, defender o avanço social, a soberania e a nacionalidade, o Estado e seu papel de indutor do desenvolvimento nacional e, como coroamento, o aprofundamento da democracia.

Por Roberto Amaral - cientista político, ex-ministro da Ciência e Tecnologia entre 2003 e 2004, fundador e ex-presidente do PSB.
Fonte: Carta Capital/Portal Vermelho
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