Este artigo procura tratar de dois aspectos que, no nosso entender, ajudam a compreender melhor alguns dos impasses políticos que impedem a concretização de uma reforma educacional progressista, a qual possa contribuir para o desenvolvimento soberano do nosso país. São eles: a relação público/privado na história da educação brasileira, particularmente na atualidade, e o papel do Estado na concretização de uma educação universal, pública, laica e gratuita.
O público e o privado na história da educação brasileira: as diferentes abordagens
O público e o privado na história da educação brasileira: as diferentes abordagens
As categorias público e privado em educação vêm sendo construídas como referencial de análise com diferentes abordagens, entre as quais cito quatro. A primeira abordagem seria aquela que trabalha a relação público-privado através da história mostrando como foram se constituindo as relações entre o público e o privado na educação brasileira, retomando o papel das instituições: a igreja, a família, o Estado e a iniciativa privada (CURRY, 2005).
Uma segunda abordagem procura combater a identificação entre “público” e “estatal”, identificação que trata o público como estatal e o privado como não estatal. Esta visão, segundo os autores que a questionam, é empobrecedora e decorrente da ideia de que caberia ao aparelho estatal, ao governo da sociedade, cuidar e administrar o bem comum. Seria, fundamental, portanto, considerar o público e o privado a partir de sua historicidade.
Severino (2005), ao analisar a história da educação brasileira, afirma que a dicotomia entre o público e o privado está presente em quatro momentos históricos e sociais distintos.
No primeiro momento – que corresponde dos primórdios da colonização aos anos 30 do século 20 – o público encontra-se subsumido pela atuação hegemônica da igreja. Tem-se neste período a ausência da afirmação da categoria do público como medida das políticas educacionais no país. Num segundo momento, marcado pelo avanço do capitalismo e pela formação de uma classe média, a dimensão pública afirma-se como uma alternativa positiva. Sob a inspiração do iluminismo político e do iluminismo clássico, este novo modelo de organização logo entraria em conflito com a tradição ideológica da igreja católica, que também se fez visível no âmbito educacional. É o período que se costuma caracterizar como o do embate entre católicos e liberais.
Num terceiro momento, o conteúdo da categoria público é novamente alterado com a instauração do regime militar, reduzindo-se a uma expressão burocrática do estatal, equacionando-se ao mercadológico, de modo que a sociedade civil deixa de ser a comunidade dos cidadãos para se tornar a comunidade dos produtores e dos consumidores. Já o quarto momento corresponde ao fim do regime militar, caracterizado pela seguinte situação: a dimensão pública esvazia-se, impondo a minimização do Estado na condução das políticas sociais, dependentes apenas das leis de mercado.
Uma terceira abordagem revela que a oposição entre público e privado é típica da época moderna e vem servindo para mascarar o exercício do poder do Estado por uma classe em seu próprio beneficio, jogando uma cortina de fumaça sobre as relações sociais, como se o Estado moderno fosse um bem comum e o exercício administrativo fosse um bem para todos (LOMBARDI, 2005).
E, por fim, destacamos uma quarta abordagem, segundo a qual o público no Brasil tem sido caudatário dos interesses privados, pois a coisa pública no campo da educação tem servido aos interesses das empresas particulares de ensino, ferindo sistematicamente o bem comum. Essa abordagem coloca em questão se no Brasil de fato existiria uma esfera de educação pública voltada para o atendimento da maioria da população (ALVES, 2005).
Como mostramos, existem várias possiblidades de análise. A que procuro defender neste artigo aproxima-se da primeira, da segunda e da quarta abordagens aqui apresentadas; no entanto, com algumas especificidades.
Apesar da categoria público/privado servir de referencial de análise da educação brasileira por vários vieses e através de pesquisas que trabalham vários aspectos da educação, um tem sido renegado ou muito pouco trabalhado, ou ainda trabalhado em cortes parciais, tendo como objeto, por exemplo, o estudo da expansão de apenas um nível da educação nacional, como a expansão da educação superior no Brasil após a década de 1980. Eu mesma tenho escrito vários trabalhos com este recorte. O aspecto a que me refiro diz respeito à atuação dos interesses privados concretizados pelo Estado brasileiro na construção de políticas educacionais que serviram e ainda servem para o fortalecimento e manutenção da educação privada em nosso país e também para o enfraquecimento da ação do Estado na ampliação da educação pública de qualidade e como fiscalizador, avaliador e regulador.
O Estado capitalista, como qualquer outro, representa os interesses da classe dominante – no caso brasileiro, os interesses da burguesia e, portanto, os interesses privados da classe.
O que intriga e precisa ser entendido na história da educação brasileira é que, se analisarmos o que aconteceu na constituição da industrialização e do desenvolvimento do capitalismo na Europa, nos EUA, nos países da América Latina e em outras partes do mundo, veremos que nestes locais a classe dominante entendeu que, para alcançar os seus interesses, procurou colocar no centro de suas preocupações a construção de uma rede pública mantida pelo Estado, universalizada e gratuita. Com o advento da implementação do projeto neoliberal no final do século 20, este sistema universal público em alguns
países foi quase totalmente desmantelado, como é o caso do Chile.
Aqui no Brasil, esta tarefa que em outros países se colocou como essencial na constituição da República, além de ser inconclusa, não tem sido, ainda, apesar de todo avanço, algo que o Estado brasileiro se dispõe a cumprir de modo inequívoco e consistente.
O caráter dependente do Estado brasileiro explica em parte essa questão, mas não totalmente, porque países também dominados constituíram ao longo de sua história um sistema público de educação universal e de qualidade, mantendo a educação privada como uma opção democrática, como foi o caso da universalização da educação básica na Argentina.
As limitações e as especificidades da formação do capitalismo e da burguesia brasileiros e os muitos momentos de repressão, nada propícios a um debate efetivo sobre educação, também são aspectos que explicam apenas em parte as dificuldades em se constituir um sistema público universal e gratuito de educação, mas não explicam tudo.
Se analisarmos o desenvolvimento do sistema público de educação no Brasil até a atualidade veremos as enormes dificuldades em construir a relação entre um projeto nacional e um projeto de educação que lhe desse suporte.
No Brasil, a universalização da educação pública e gratuita de qualidade teve, no âmbito do Estado, sempre dificuldades para se desenvolver, tanto pelos interesses privados que o Estado representa – ou seja, uma burguesia que não assumiu um projeto público e universal de educação gratuita nos momentos em que se colocavam em prática projetos de desenvolvimento – quanto pela ação e força política que as instituições e interesses privados mantiveram durante a história da educação brasileira.
No Brasil os interesses privados, religiosos, empresariais e de segmentos estiveram de modo claro lutando contra a universalização da educação pública de qualidade, por interesses ideológicos e/ou comerciais.
A educação privada no Brasil nunca representou uma opção democrática, ou seja, nunca significou, como em outros países, uma alternativa a uma educação pública de qualidade. Ao contrário, na história da educação brasileira, o setor privado disputa com o projeto de fortalecimento da educação pública e gratuita. Foi o setor privado no Brasil quem construiu, em seu favor, a ideia de que o público não é o estatal e de que o público pode não ser gratuito. Aliás, muitos intelectuais e políticos ligados às instituições privadas de caráter confessional, com fins lucrativos ou não, criaram a categoria de comunitárias, exatamente para exemplificar a possibilidade de existência de algo mais democrático e público do que o estatal – claro que isto foi possível historicamente devido à ditadura militar e sua ação repressiva e centralizadora nas instituições públicas. Muitos dos argumentos para este tipo de ideia se deram pelo fato de que nas instituições estatais não havia liberdade e a comunidade não podia se expressar.
Se é verdade – como dizem os autores citados – que o público não necessariamente é o estatal, já que o estatal é de classe e, portanto, de interesses privados, somente teremos uma escola pública de fato quando não houver mais as classes. Não é disto que estamos tratando. Estamos tratando da relação do Estado na construção de um projeto social que na história do Brasil não se assentou no fortalecimento de uma rede pública, laica e gratuita. No Brasil, além dos interesses privados do Estado existe o setor privado que atua na educação e que sempre atuou politicamente no sentido de garantir os seus interesses, que representam – por várias razões – a contraposição ao caráter público e gratuito de educação e ao fortalecimento do papel do Estado na educação.
O debate sobre o papel do Estado e do setor privado na educação brasileira está presente ao longo da história republicana, incidindo de forma privilegiada tanto sobre os aspectos financeiros como doutrinários do ensino (BUFFA, 1979; CUNHA, 1981; CURY, 1985; HORTA, 1989).
O setor privado sempre atuou nos momentos decisivos da história da educação brasileira
O setor privado, que vem mudando as suas características e a sua atuação na história da educação brasileira, já se colocou, como na Velha República e durante os anos 1920 e 1930, explicitamente contra a expansão pública e gratuita da educação e atuou no sentido de impedir o fortalecimento do papel do Estado no oferecimento desse tipo de educação como um direito e como um bem público.
Esse setor atuou organizadamente na democrática Constituição de 1934, que pela primeira vez colocou a educação pública como direito e responsabilidade dos poderes públicos e designou os percentuais dos orçamentos estaduais, municipais e do Distrito Federal para a educação. Por outro lado, pela atuação forte do setor privado religioso, reconheceu a existência das instituições privadas na disputa com a expansão pública e colocou o ensino religioso como obrigatório nas instituições públicas.
O Estado Novo trouxe a conservadora Constituição de 1937, que retirou o papel do Estado na ampliação da educação pública e na formação de mão de obra, eliminou as designações orçamentarias. Entre 1937 e 1945, período de grande avanço industrial, o Estado brasileiro designou ao setor privado a responsabilidade pela formação da mão de obra, com investimento de verbas públicas. Neste período foram criados o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC).
A democrática Constituição de 1946 fortaleceu o papel do Estado na ampliação da educação pública e indicou a necessidade da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). O setor privado atuou no sentido de retirar da LBD o caráter público da educação e as exigências ao setor privado. Esse conflito de interesses ocasionou uma tramitação de 13 anos para a aprovação da Lei de Diretrizes.
Durante o regime militar, a rede pública teve uma tímida expansão e foram realizadas algumas reformas educacionais principalmente na educação média, que se acoplou à educação profissionalizante, e na educação superior, que teve uma expansão pública através da criação de algumas instituições federais, mas também uma ampliação da rede privada nunca vista antes, através da criação de universidades mercantis ou através de subsídios para instituições privadas confessionais.
Na Assembleia Nacional Constituinte de 1988, o setor privado lutou de forma agressiva contra a educação gratuita e sua universalização. Conseguiu colocar na Constituição o artigo 209 que legaliza a sua atuação, e formaliza e educação com fins lucrativos como uma mercadoria, mas não obteve todas as vitórias que pretendia, pois a Constituição de 1988 coloca de forma inequívoca a educação como um direito e dever do Estado (poder público), mantendo ao mesmo tempo uma rede pública e gratuita em todos os níveis de ensino.
Na tramitação da LDB de 1996, este setor conseguiu muitas vitórias: reivindicou exigências diferentes para a educação pública e privada, não permitiu a regulamentação da gestão democrática, introduziu a concepção de universidade por área de saber e somente de ensino, instituindo na LDB cinco tipos de instituições de educação superior, o que ajudou sobremaneira a expansão privatista ocorrida depois de década de 1990, já sob orientação neoliberal.
O setor privado se fortalece e a educação pública se enfraquece após a década de 1990
Durante toda a década de 1990 até início de 2002 teremos no Brasil, com a implementação do projeto neoliberal, um fortalecimento dos interesses privatistas e um enfraquecimento dos interesses públicos.
Nesse período o ensino fundamental foi universalizado; no entanto, esta universalização se deu sem a devida qualidade; a expansão da educação média e profissional tecnológica estagnou; o sistema de educação superior público diminuiu; e a falta de recursos colocou em risco a qualidade das instituições públicas, as principais responsáveis pela formação de quadros para o desenvolvimento das ciências e da tecnologia no Brasil.
Por outro lado, a educação privada aumentou sua influência, tanto na educação básica, colocando-se como uma alternativa frente à baixa qualidade, e à dificuldade de absorção de demanda da educação pública e na educação superior no papel social de arcar com a expansão e democratização do acesso.
Terminamos a década de 1990 com 80% das matrículas na educação superior na rede privada, principalmente em instituições somente de ensino.
Temos um perverso déficit educacional em nosso país. De um lado, a universalização sem qualidade da educação fundamental e, de outro, índices de permanência e conclusão os mais baixos do mundo.
Atualmente apenas 50% das crianças que ingressam no ensino fundamental público do país terminam esse nível, e apenas 30% concluem o ensino médio. No nosso país, 20% das crianças possuem apenas de três a três anos e meio de escolaridade – o que equivale dizer que temos o nível escolar de países como Haiti e Tanzânia –; outros 20% possuem 4 anos de escolaridade – níveis como o de Nicarágua e Quênia; e, por fim, outros 20%, cinco ou seis anos de escolaridade, como na Argélia. Isto significa que, além das dificuldades com a inclusão, com o acesso e com a qualidade de nosso ensino, temos problemas muito sérios com relação ao nível de escolaridade total da nossa população.
Na educação superior, mesmo com as políticas de ampliação do acesso à educação pública, a partir da criação de novas instituições federais e estaduais e com a ampliação das vagas via Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) – levada a cabo pelo governo Lula e também pelo governo Dilma –, e com toda a expansão privada, atualmente, incluímos apenas 15% dos jovens na educação superior. E a desproporcionalidade entre o número de estudantes nas instituições públicas e privadas é enorme.
Em 2010, tínhamos 2.641 instituições privadas, 267 instituições públicas e 5 milhões e 800 mil matrículas, sendo 1,4 milhões nas públicas e 4,4 milhões nas privadas. Tivemos de 1980 a 2010 um incremento da rede pública de 22%, enquanto a rede privada cresceu no mesmo período 198% (dados do INEP, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais).
A expansão privatista ocorrida na educação superior brasileira, além de antidemocrática e de qualidade questionável, como mostram os ciclos avaliativos do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), foi a alavanca necessária para uma mudança de qualidade no modelo privatista, mudança que tem colocado em risco, desde 2005, a soberania do nosso país e também a formação superior dos nossos jovens. Trata-se do que está sendo chamado de financeirização e desnacionalização da educação superior, com a entrada de capital aberto através de fusões e aquisições, colocando ações de instituições e grupos na bolsa de valores através da oferta pública de ações, com acelerada formação de conglomerados econômicos no campo educacional.
Estes grupos implementam uma administração gerencial, fazem alterações significativas nos projetos políticos pedagógicos, racionalizam ao máximo os investimentos e os custos através da demissão de doutores e mestres, com o objetivo de tornar suas ações mais competitivas.
São grupos poderosos, na maioria internacionais, entre os quais, Anhanguera Educacional Participações S.A. (Anhanguera), Estácio Participações S.A. (Estácio Part.); Kroton Educacional S.A., Sistema Educacional Brasileiro S.A. (SEB), que investem na educação superior brasileira e cujo objetivo tem sido a valorização de suas ações em detrimento do papel social e educacional das instituições que adquirem. Os grupos que participam desse processo estão protagonizando transformações significativas no quadro de fusões e aquisições. Os dados são reveladores do movimento de efetiva consolidação de um modelo de oligopólio na educação superior privada: em 2011, esses conglomerados já dominavam 15% de todas as matrículas; e em alguns municípios, já representam a única opção.
O neoliberalismo fortaleceu a ideologia privatista
A demanda de acesso universal à educação escolar tinha como propósitos principais, após a Segunda Guerra, capacitar as crianças para que pudessem exercer plenamente os direitos políticos pela conquista do sufrágio universal, dando às camadas populares oportunidades culturais e profissionais que exigem escolarização. O Estado de bem-estar social proporcionou em grande parte dos países esta universalização.
O projeto neoliberal construiu uma crítica ao Estado de bem-estar social e esta crítica de cunho ideológico tornou-se forte e tem sido suporte dos embates educacionais desde então.
Para os ideólogos neoliberais, o Estado de bem-estar social é paternalista, dando assistência e reforçando comportamentos inadequados dos beneficiários, é ineficiente, porque o aparelho de prestação de serviços sociais, para manter o controle, precisa ser inchado com desperdício de recursos e é corporativista porque os profissionais dos serviços sociais do Estado têm interesse na ampliação dos aparelhos de assistência, controle e acompanhamento. Para os neoliberais, a crise fiscal do Estado, que afetou as economias capitalistas nos últimos 20 anos, seria o resultado destas mazelas.
Essa visão propõe reformar o ensino público nos termos desta crítica. O paternalismo seria o resultado da gratuidade do ensino: como o aluno e sua família não pagam, ele não tem incentivo para melhorar o aproveitamento. A gratuidade também torna o aluno passivo perante a má qualidade do ensino. Para evitar estes males, o ensino deveria então tornar-se pago ou ao menos competitivo. A reforma escolar chilena (que hoje vive um colapso) é exemplo da implementação dessa concepção. No Chile, o Estado concede bolsas aos estudantes, que têm a “liberdade” de escolher a sua escola. Espera-se que a competição entre as escolas públicas e privadas, por essas bolsas, leve ao aumento da qualidade do ensino.
Segundo esse ponto de vista, o ensino público não atende, por falta de estímulo, às necessidades e às demandas por trabalho. A proposta defende que a rede escolar esteja sujeita às regras de mercado, de modo que os diretores e os professores tenham interesse em formar ganhadores, porque esta seria a melhor forma para eles próprios ganharem o jogo concorrencial.
Cada escola seria julgada pelo mercado, em função da qualidade de seu produto, avaliada pelo maior ou menor êxito de seus alunos na vida econômica e social.
Esta concepção permeou o embate político-educacional durante a década de 1990, mas ainda perdura. Ela aparece nos debates sobre o montante de recursos em educação, sobre a ampliação das vagas públicas e gratuitas no novo Plano Nacional de Educação (PNE) atualmente em disputa.
A Universalização sem qualidade da educação fundamental tem servido para fortalecer este tipo de concepção.
Tanto na Conferência Nacional de Educação como na tramitação do Novo Plano Nacional de Educação no Congresso Nacional, o embate de fundo continua sendo, por um lado, a defesa dos interesses privados e, por outro, o fortalecimento da educação pública e gratuita, universal e de qualidade.
A educação privada reivindica, fazendo alusão ao artigo 209 da Constituição, a total liberdade de atuação, contra qualquer regulamentação por parte do poder público, contra qualquer exigência de gestão democrática. Luta para que o dinheiro e investimento público sejam utilizados para a manutenção das instituições privadas, principalmente de educação infantil, profissional e superior.
Estamos travando uma grande batalha na tramitação do novo PNE, para que ele de fato contemple metas que elevem a qualidade e universalização da educação pública e gratuita e coloque a educação no centro das prioridades governamentais. As metas colocadas no Novo PNE que foi recentemente aprovado na Câmara dos Deputados são audaciosas, rumo à universalização da educação básica, na ampliação das vagas públicas na educação tecnológica, superior, e de pós-graduação. E também avançam mesmo que timidamente em vários outros aspectos que se revestem de importância numa reforma educacional que coloque a educação como elemento estratégico no projeto de desenvolvimento nacional.
A luta pelo investimento de 10% do PIB em educação pública tem sido palco de enorme disputa. Ganhamos na Câmara dos Deputados. Mas no Senado o projeto já está sendo alterado, novamente seguindo interesses que não são de fortalecimento da educação pública gratuita e de qualidade, como é o caso, por exemplo, da retirada da palavra pública na meta dos 10% do PIB em educação.
As alterações que estão sendo feitas no Senado Federal são de fundo e colocam novamente, no cenário, forças antagônicas em disputa: por um lado, os que defendem que o Estado brasileiro coloque a educação pública no centro do projeto estratégico de desenvolvimento, designando inclusive royalties do petróleo para a educação; por outro, os que não querem que o Estado brasileiro fortaleça um projeto público de educação de qualidade.
Esta tem sido a batalha de toda a história da educação brasileira.
Referências bibliográficas
ALVES, Gilberto Luiz. “A inovação nas práticas educativas das escolas estatais e particulares: subsídios para a discussão da relação entre o público e o privado na educação brasileira”. In: LOMBARDI, Claudinei José; JACOMELI, Mara Regina &
SILVA, Tânia Mara T. (orgs.). O público e o privado na história da educação brasileira: concepções e práticas educativas. São Paulo: Autores Associados, UNISAL, p. 99-124, 2005.
BUFFA, E. Ideologias em conflito: escola pública e escola privada. São Paulo: Cortez, 1979.
CUNHA, L. A. “Escola particular x escola pública”. Revista ANDE. São Paulo, vol. 1, n. 2, p. 30-34, 1981.
CURY, Gilberto Luiz C. J. “O atual discurso dos protagonistas das redes de ensino”. In:
CUNHA, L. A. (org.). Escola pública, escola particular e a democratização do ensino. São Paulo: Cortez/Campinas: Autores Associados, 1985.
_____________. Educação e Contradição. Coleção Educação Contemporânea. São Paulo, Cortez/Campinas, Autores Associados, 1992.
_____________. “O público e o privado na história da educação brasileira: concepções e práticas educativas”. In: LOMBARDI, Claudinei José; JACOMELI, Mara Regina &
SILVA, Tânia Mara T. (orgs.). O público e o privado na história da educação brasileira: concepções e práticas educativas. São Paulo: Autores Associados, UNISAL, p.3-30, 2005.
LOMBARDI, José Claudinei. “Público e privado como categorias de análise da educação? Uma reflexão desde o marxismo”. IN: LOMBARDI, Claudinei José;
JACOMELI, Mara Regina & SILVA, Tânia Mara T. (orgs.). O público e o privado na história da educação brasileira: concepções e práticas educativas. São Paulo: Autores Associados, UNISAL, p. 59-98, 2005.
SEVERINO, Antônio Joaquim. “O público e o privado como categoria de análise em educação”. In: LOMBARDI, Claudinei José; JACOMELI, Mara Regina & SILVA, Tânia Mara T. (orgs.). O público e o privado na história da educação brasileira: concepções e práticas educativas. São Paulo: Autores Associados, UNISAL, p. 31-40, 2005.
Por Madalena Guasco Peixoto.
FONTE: Revista Princípios.
Por Madalena Guasco Peixoto.
FONTE: Revista Princípios.
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Este artigo procura tratar de dois aspectos que, no nosso entender, ajudam a compreender melhor alguns dos impasses políticos que impedem a concretização de uma reforma educacional progressista, a qual possa contribuir para o desenvolvimento soberano do nosso país. São eles: a relação público/privado na história da educação brasileira, particularmente na atualidade, e o papel do Estado na concretização de uma educação universal, pública, laica e gratuita.
O público e o privado na história da educação brasileira: as diferentes abordagens
O público e o privado na história da educação brasileira: as diferentes abordagens
As categorias público e privado em educação vêm sendo construídas como referencial de análise com diferentes abordagens, entre as quais cito quatro. A primeira abordagem seria aquela que trabalha a relação público-privado através da história mostrando como foram se constituindo as relações entre o público e o privado na educação brasileira, retomando o papel das instituições: a igreja, a família, o Estado e a iniciativa privada (CURRY, 2005).
Uma segunda abordagem procura combater a identificação entre “público” e “estatal”, identificação que trata o público como estatal e o privado como não estatal. Esta visão, segundo os autores que a questionam, é empobrecedora e decorrente da ideia de que caberia ao aparelho estatal, ao governo da sociedade, cuidar e administrar o bem comum. Seria, fundamental, portanto, considerar o público e o privado a partir de sua historicidade.
Severino (2005), ao analisar a história da educação brasileira, afirma que a dicotomia entre o público e o privado está presente em quatro momentos históricos e sociais distintos.
No primeiro momento – que corresponde dos primórdios da colonização aos anos 30 do século 20 – o público encontra-se subsumido pela atuação hegemônica da igreja. Tem-se neste período a ausência da afirmação da categoria do público como medida das políticas educacionais no país. Num segundo momento, marcado pelo avanço do capitalismo e pela formação de uma classe média, a dimensão pública afirma-se como uma alternativa positiva. Sob a inspiração do iluminismo político e do iluminismo clássico, este novo modelo de organização logo entraria em conflito com a tradição ideológica da igreja católica, que também se fez visível no âmbito educacional. É o período que se costuma caracterizar como o do embate entre católicos e liberais.
Num terceiro momento, o conteúdo da categoria público é novamente alterado com a instauração do regime militar, reduzindo-se a uma expressão burocrática do estatal, equacionando-se ao mercadológico, de modo que a sociedade civil deixa de ser a comunidade dos cidadãos para se tornar a comunidade dos produtores e dos consumidores. Já o quarto momento corresponde ao fim do regime militar, caracterizado pela seguinte situação: a dimensão pública esvazia-se, impondo a minimização do Estado na condução das políticas sociais, dependentes apenas das leis de mercado.
Uma terceira abordagem revela que a oposição entre público e privado é típica da época moderna e vem servindo para mascarar o exercício do poder do Estado por uma classe em seu próprio beneficio, jogando uma cortina de fumaça sobre as relações sociais, como se o Estado moderno fosse um bem comum e o exercício administrativo fosse um bem para todos (LOMBARDI, 2005).
E, por fim, destacamos uma quarta abordagem, segundo a qual o público no Brasil tem sido caudatário dos interesses privados, pois a coisa pública no campo da educação tem servido aos interesses das empresas particulares de ensino, ferindo sistematicamente o bem comum. Essa abordagem coloca em questão se no Brasil de fato existiria uma esfera de educação pública voltada para o atendimento da maioria da população (ALVES, 2005).
Como mostramos, existem várias possiblidades de análise. A que procuro defender neste artigo aproxima-se da primeira, da segunda e da quarta abordagens aqui apresentadas; no entanto, com algumas especificidades.
Apesar da categoria público/privado servir de referencial de análise da educação brasileira por vários vieses e através de pesquisas que trabalham vários aspectos da educação, um tem sido renegado ou muito pouco trabalhado, ou ainda trabalhado em cortes parciais, tendo como objeto, por exemplo, o estudo da expansão de apenas um nível da educação nacional, como a expansão da educação superior no Brasil após a década de 1980. Eu mesma tenho escrito vários trabalhos com este recorte. O aspecto a que me refiro diz respeito à atuação dos interesses privados concretizados pelo Estado brasileiro na construção de políticas educacionais que serviram e ainda servem para o fortalecimento e manutenção da educação privada em nosso país e também para o enfraquecimento da ação do Estado na ampliação da educação pública de qualidade e como fiscalizador, avaliador e regulador.
O Estado capitalista, como qualquer outro, representa os interesses da classe dominante – no caso brasileiro, os interesses da burguesia e, portanto, os interesses privados da classe.
O que intriga e precisa ser entendido na história da educação brasileira é que, se analisarmos o que aconteceu na constituição da industrialização e do desenvolvimento do capitalismo na Europa, nos EUA, nos países da América Latina e em outras partes do mundo, veremos que nestes locais a classe dominante entendeu que, para alcançar os seus interesses, procurou colocar no centro de suas preocupações a construção de uma rede pública mantida pelo Estado, universalizada e gratuita. Com o advento da implementação do projeto neoliberal no final do século 20, este sistema universal público em alguns
países foi quase totalmente desmantelado, como é o caso do Chile.
Aqui no Brasil, esta tarefa que em outros países se colocou como essencial na constituição da República, além de ser inconclusa, não tem sido, ainda, apesar de todo avanço, algo que o Estado brasileiro se dispõe a cumprir de modo inequívoco e consistente.
O caráter dependente do Estado brasileiro explica em parte essa questão, mas não totalmente, porque países também dominados constituíram ao longo de sua história um sistema público de educação universal e de qualidade, mantendo a educação privada como uma opção democrática, como foi o caso da universalização da educação básica na Argentina.
As limitações e as especificidades da formação do capitalismo e da burguesia brasileiros e os muitos momentos de repressão, nada propícios a um debate efetivo sobre educação, também são aspectos que explicam apenas em parte as dificuldades em se constituir um sistema público universal e gratuito de educação, mas não explicam tudo.
Se analisarmos o desenvolvimento do sistema público de educação no Brasil até a atualidade veremos as enormes dificuldades em construir a relação entre um projeto nacional e um projeto de educação que lhe desse suporte.
No Brasil, a universalização da educação pública e gratuita de qualidade teve, no âmbito do Estado, sempre dificuldades para se desenvolver, tanto pelos interesses privados que o Estado representa – ou seja, uma burguesia que não assumiu um projeto público e universal de educação gratuita nos momentos em que se colocavam em prática projetos de desenvolvimento – quanto pela ação e força política que as instituições e interesses privados mantiveram durante a história da educação brasileira.
No Brasil os interesses privados, religiosos, empresariais e de segmentos estiveram de modo claro lutando contra a universalização da educação pública de qualidade, por interesses ideológicos e/ou comerciais.
A educação privada no Brasil nunca representou uma opção democrática, ou seja, nunca significou, como em outros países, uma alternativa a uma educação pública de qualidade. Ao contrário, na história da educação brasileira, o setor privado disputa com o projeto de fortalecimento da educação pública e gratuita. Foi o setor privado no Brasil quem construiu, em seu favor, a ideia de que o público não é o estatal e de que o público pode não ser gratuito. Aliás, muitos intelectuais e políticos ligados às instituições privadas de caráter confessional, com fins lucrativos ou não, criaram a categoria de comunitárias, exatamente para exemplificar a possibilidade de existência de algo mais democrático e público do que o estatal – claro que isto foi possível historicamente devido à ditadura militar e sua ação repressiva e centralizadora nas instituições públicas. Muitos dos argumentos para este tipo de ideia se deram pelo fato de que nas instituições estatais não havia liberdade e a comunidade não podia se expressar.
Se é verdade – como dizem os autores citados – que o público não necessariamente é o estatal, já que o estatal é de classe e, portanto, de interesses privados, somente teremos uma escola pública de fato quando não houver mais as classes. Não é disto que estamos tratando. Estamos tratando da relação do Estado na construção de um projeto social que na história do Brasil não se assentou no fortalecimento de uma rede pública, laica e gratuita. No Brasil, além dos interesses privados do Estado existe o setor privado que atua na educação e que sempre atuou politicamente no sentido de garantir os seus interesses, que representam – por várias razões – a contraposição ao caráter público e gratuito de educação e ao fortalecimento do papel do Estado na educação.
O debate sobre o papel do Estado e do setor privado na educação brasileira está presente ao longo da história republicana, incidindo de forma privilegiada tanto sobre os aspectos financeiros como doutrinários do ensino (BUFFA, 1979; CUNHA, 1981; CURY, 1985; HORTA, 1989).
O setor privado sempre atuou nos momentos decisivos da história da educação brasileira
O setor privado, que vem mudando as suas características e a sua atuação na história da educação brasileira, já se colocou, como na Velha República e durante os anos 1920 e 1930, explicitamente contra a expansão pública e gratuita da educação e atuou no sentido de impedir o fortalecimento do papel do Estado no oferecimento desse tipo de educação como um direito e como um bem público.
Esse setor atuou organizadamente na democrática Constituição de 1934, que pela primeira vez colocou a educação pública como direito e responsabilidade dos poderes públicos e designou os percentuais dos orçamentos estaduais, municipais e do Distrito Federal para a educação. Por outro lado, pela atuação forte do setor privado religioso, reconheceu a existência das instituições privadas na disputa com a expansão pública e colocou o ensino religioso como obrigatório nas instituições públicas.
O Estado Novo trouxe a conservadora Constituição de 1937, que retirou o papel do Estado na ampliação da educação pública e na formação de mão de obra, eliminou as designações orçamentarias. Entre 1937 e 1945, período de grande avanço industrial, o Estado brasileiro designou ao setor privado a responsabilidade pela formação da mão de obra, com investimento de verbas públicas. Neste período foram criados o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC).
A democrática Constituição de 1946 fortaleceu o papel do Estado na ampliação da educação pública e indicou a necessidade da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). O setor privado atuou no sentido de retirar da LBD o caráter público da educação e as exigências ao setor privado. Esse conflito de interesses ocasionou uma tramitação de 13 anos para a aprovação da Lei de Diretrizes.
Durante o regime militar, a rede pública teve uma tímida expansão e foram realizadas algumas reformas educacionais principalmente na educação média, que se acoplou à educação profissionalizante, e na educação superior, que teve uma expansão pública através da criação de algumas instituições federais, mas também uma ampliação da rede privada nunca vista antes, através da criação de universidades mercantis ou através de subsídios para instituições privadas confessionais.
Na Assembleia Nacional Constituinte de 1988, o setor privado lutou de forma agressiva contra a educação gratuita e sua universalização. Conseguiu colocar na Constituição o artigo 209 que legaliza a sua atuação, e formaliza e educação com fins lucrativos como uma mercadoria, mas não obteve todas as vitórias que pretendia, pois a Constituição de 1988 coloca de forma inequívoca a educação como um direito e dever do Estado (poder público), mantendo ao mesmo tempo uma rede pública e gratuita em todos os níveis de ensino.
Na tramitação da LDB de 1996, este setor conseguiu muitas vitórias: reivindicou exigências diferentes para a educação pública e privada, não permitiu a regulamentação da gestão democrática, introduziu a concepção de universidade por área de saber e somente de ensino, instituindo na LDB cinco tipos de instituições de educação superior, o que ajudou sobremaneira a expansão privatista ocorrida depois de década de 1990, já sob orientação neoliberal.
O setor privado se fortalece e a educação pública se enfraquece após a década de 1990
Durante toda a década de 1990 até início de 2002 teremos no Brasil, com a implementação do projeto neoliberal, um fortalecimento dos interesses privatistas e um enfraquecimento dos interesses públicos.
Nesse período o ensino fundamental foi universalizado; no entanto, esta universalização se deu sem a devida qualidade; a expansão da educação média e profissional tecnológica estagnou; o sistema de educação superior público diminuiu; e a falta de recursos colocou em risco a qualidade das instituições públicas, as principais responsáveis pela formação de quadros para o desenvolvimento das ciências e da tecnologia no Brasil.
Por outro lado, a educação privada aumentou sua influência, tanto na educação básica, colocando-se como uma alternativa frente à baixa qualidade, e à dificuldade de absorção de demanda da educação pública e na educação superior no papel social de arcar com a expansão e democratização do acesso.
Terminamos a década de 1990 com 80% das matrículas na educação superior na rede privada, principalmente em instituições somente de ensino.
Temos um perverso déficit educacional em nosso país. De um lado, a universalização sem qualidade da educação fundamental e, de outro, índices de permanência e conclusão os mais baixos do mundo.
Atualmente apenas 50% das crianças que ingressam no ensino fundamental público do país terminam esse nível, e apenas 30% concluem o ensino médio. No nosso país, 20% das crianças possuem apenas de três a três anos e meio de escolaridade – o que equivale dizer que temos o nível escolar de países como Haiti e Tanzânia –; outros 20% possuem 4 anos de escolaridade – níveis como o de Nicarágua e Quênia; e, por fim, outros 20%, cinco ou seis anos de escolaridade, como na Argélia. Isto significa que, além das dificuldades com a inclusão, com o acesso e com a qualidade de nosso ensino, temos problemas muito sérios com relação ao nível de escolaridade total da nossa população.
Na educação superior, mesmo com as políticas de ampliação do acesso à educação pública, a partir da criação de novas instituições federais e estaduais e com a ampliação das vagas via Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) – levada a cabo pelo governo Lula e também pelo governo Dilma –, e com toda a expansão privada, atualmente, incluímos apenas 15% dos jovens na educação superior. E a desproporcionalidade entre o número de estudantes nas instituições públicas e privadas é enorme.
Em 2010, tínhamos 2.641 instituições privadas, 267 instituições públicas e 5 milhões e 800 mil matrículas, sendo 1,4 milhões nas públicas e 4,4 milhões nas privadas. Tivemos de 1980 a 2010 um incremento da rede pública de 22%, enquanto a rede privada cresceu no mesmo período 198% (dados do INEP, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais).
A expansão privatista ocorrida na educação superior brasileira, além de antidemocrática e de qualidade questionável, como mostram os ciclos avaliativos do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), foi a alavanca necessária para uma mudança de qualidade no modelo privatista, mudança que tem colocado em risco, desde 2005, a soberania do nosso país e também a formação superior dos nossos jovens. Trata-se do que está sendo chamado de financeirização e desnacionalização da educação superior, com a entrada de capital aberto através de fusões e aquisições, colocando ações de instituições e grupos na bolsa de valores através da oferta pública de ações, com acelerada formação de conglomerados econômicos no campo educacional.
Estes grupos implementam uma administração gerencial, fazem alterações significativas nos projetos políticos pedagógicos, racionalizam ao máximo os investimentos e os custos através da demissão de doutores e mestres, com o objetivo de tornar suas ações mais competitivas.
São grupos poderosos, na maioria internacionais, entre os quais, Anhanguera Educacional Participações S.A. (Anhanguera), Estácio Participações S.A. (Estácio Part.); Kroton Educacional S.A., Sistema Educacional Brasileiro S.A. (SEB), que investem na educação superior brasileira e cujo objetivo tem sido a valorização de suas ações em detrimento do papel social e educacional das instituições que adquirem. Os grupos que participam desse processo estão protagonizando transformações significativas no quadro de fusões e aquisições. Os dados são reveladores do movimento de efetiva consolidação de um modelo de oligopólio na educação superior privada: em 2011, esses conglomerados já dominavam 15% de todas as matrículas; e em alguns municípios, já representam a única opção.
O neoliberalismo fortaleceu a ideologia privatista
A demanda de acesso universal à educação escolar tinha como propósitos principais, após a Segunda Guerra, capacitar as crianças para que pudessem exercer plenamente os direitos políticos pela conquista do sufrágio universal, dando às camadas populares oportunidades culturais e profissionais que exigem escolarização. O Estado de bem-estar social proporcionou em grande parte dos países esta universalização.
O projeto neoliberal construiu uma crítica ao Estado de bem-estar social e esta crítica de cunho ideológico tornou-se forte e tem sido suporte dos embates educacionais desde então.
Para os ideólogos neoliberais, o Estado de bem-estar social é paternalista, dando assistência e reforçando comportamentos inadequados dos beneficiários, é ineficiente, porque o aparelho de prestação de serviços sociais, para manter o controle, precisa ser inchado com desperdício de recursos e é corporativista porque os profissionais dos serviços sociais do Estado têm interesse na ampliação dos aparelhos de assistência, controle e acompanhamento. Para os neoliberais, a crise fiscal do Estado, que afetou as economias capitalistas nos últimos 20 anos, seria o resultado destas mazelas.
Essa visão propõe reformar o ensino público nos termos desta crítica. O paternalismo seria o resultado da gratuidade do ensino: como o aluno e sua família não pagam, ele não tem incentivo para melhorar o aproveitamento. A gratuidade também torna o aluno passivo perante a má qualidade do ensino. Para evitar estes males, o ensino deveria então tornar-se pago ou ao menos competitivo. A reforma escolar chilena (que hoje vive um colapso) é exemplo da implementação dessa concepção. No Chile, o Estado concede bolsas aos estudantes, que têm a “liberdade” de escolher a sua escola. Espera-se que a competição entre as escolas públicas e privadas, por essas bolsas, leve ao aumento da qualidade do ensino.
Segundo esse ponto de vista, o ensino público não atende, por falta de estímulo, às necessidades e às demandas por trabalho. A proposta defende que a rede escolar esteja sujeita às regras de mercado, de modo que os diretores e os professores tenham interesse em formar ganhadores, porque esta seria a melhor forma para eles próprios ganharem o jogo concorrencial.
Cada escola seria julgada pelo mercado, em função da qualidade de seu produto, avaliada pelo maior ou menor êxito de seus alunos na vida econômica e social.
Esta concepção permeou o embate político-educacional durante a década de 1990, mas ainda perdura. Ela aparece nos debates sobre o montante de recursos em educação, sobre a ampliação das vagas públicas e gratuitas no novo Plano Nacional de Educação (PNE) atualmente em disputa.
A Universalização sem qualidade da educação fundamental tem servido para fortalecer este tipo de concepção.
Tanto na Conferência Nacional de Educação como na tramitação do Novo Plano Nacional de Educação no Congresso Nacional, o embate de fundo continua sendo, por um lado, a defesa dos interesses privados e, por outro, o fortalecimento da educação pública e gratuita, universal e de qualidade.
A educação privada reivindica, fazendo alusão ao artigo 209 da Constituição, a total liberdade de atuação, contra qualquer regulamentação por parte do poder público, contra qualquer exigência de gestão democrática. Luta para que o dinheiro e investimento público sejam utilizados para a manutenção das instituições privadas, principalmente de educação infantil, profissional e superior.
Estamos travando uma grande batalha na tramitação do novo PNE, para que ele de fato contemple metas que elevem a qualidade e universalização da educação pública e gratuita e coloque a educação no centro das prioridades governamentais. As metas colocadas no Novo PNE que foi recentemente aprovado na Câmara dos Deputados são audaciosas, rumo à universalização da educação básica, na ampliação das vagas públicas na educação tecnológica, superior, e de pós-graduação. E também avançam mesmo que timidamente em vários outros aspectos que se revestem de importância numa reforma educacional que coloque a educação como elemento estratégico no projeto de desenvolvimento nacional.
A luta pelo investimento de 10% do PIB em educação pública tem sido palco de enorme disputa. Ganhamos na Câmara dos Deputados. Mas no Senado o projeto já está sendo alterado, novamente seguindo interesses que não são de fortalecimento da educação pública gratuita e de qualidade, como é o caso, por exemplo, da retirada da palavra pública na meta dos 10% do PIB em educação.
As alterações que estão sendo feitas no Senado Federal são de fundo e colocam novamente, no cenário, forças antagônicas em disputa: por um lado, os que defendem que o Estado brasileiro coloque a educação pública no centro do projeto estratégico de desenvolvimento, designando inclusive royalties do petróleo para a educação; por outro, os que não querem que o Estado brasileiro fortaleça um projeto público de educação de qualidade.
Esta tem sido a batalha de toda a história da educação brasileira.
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Por Madalena Guasco Peixoto.
FONTE: Revista Princípios.
Por Madalena Guasco Peixoto.
FONTE: Revista Princípios.
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