terça-feira, dezembro 30, 2014

Repórter Brasil: 'Pelo amor de deus, não vá ao banheiro’

Na unidade da Contax no Recife, atendentes de telemarketing fazem questão de falar: assédios, doenças físicas e psicológicas, intervalos muito curtos para as refeições…

Armários reservados aos trabalhadores, onde eles guardam marmitas e bolsas.
Foto: Igor Ojeda

Recife (PE) - “Pelo amor de deus, pelo que você mais ama no mundo, não vá ao banheiro”, é o que Gislaine* já ouviu algumas vezes de sua supervisora em uma das unidades da Contax do Recife (PE), onde trabalha como atendente de telemarketing da operadora de celular Oi.

Em geral, o apelo acontece em dias de medição da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), uma vez ao mês. Mas as restrições às idas para satisfazer as necessidades fisiológicas são cotidianas. “Por duas vezes já fiz xixi nas calças, na rua, porque fiquei segurando durante o dia”, conta a jovem à Repórter Brasil.

Na Contax, os funcionários têm de cumprir pausas programadas: 20 minutos para as refeições e dois intervalos de 10 minutos cada. Fora desses horários, as pausas são consideradas pessoais e, por isso, o trabalhador pode perder parte de seu salário e até levar suspensões. “A gente é muito perseguida, monitorada, temos de trabalhar em cima de metas. Não pode ir no banheiro, é como se estivesse prejudicando a supervisora. A minha disse que eu só poderia ir se estivesse muito, muito, muito, apertada. ‘Você venha falar comigo e eu vejo se você pode ir’”.

Em maio de 2013, a Repórter Brasil acompanhou a fiscalização da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Pernambuco (SRTE/PE) nas unidades da Contax no Recife. Em outubro do mesmo ano, a ação se tornou nacional e culminou, em dezembro de 2014, na autuação de sete empresas de telecomunicações e do setor financeiro por inúmeras violações trabalhistas. O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) responsabilizou Oi, Vivo, Santander, Itaú, NET, Citibank e Bradesco por considerar ilícita a terceirização dos respectivos serviços de teleatendimento.

O site Santo Amaro, a maior unidade da empresa na capital pernambucana, chama a atenção pela imponência. Ocupa metade de um quarteirão no bairro de mesmo nome, na região central da cidade. Seja pelo lado de fora, seja pelo lado de dentro, o prédio lembra um shopping center. No interior, escadas rolantes quase sempre cheias de gente. Cerca de 15 mil trabalhadores se revezam pelos três turnos do dia. A unidade está aberta 24 horas por dia. As salas são separadas por divisórias de vidro e cada uma é reservada para uma só empresa. Os operadores de cada contratante nunca dividem o mesmo espaço. Dentro, um sem-fim de postos de atendimento enfileirados.

A circulação é intensa. Ao perceberem a presença dos auditores fiscais do Ministério do Trabalho, acompanhados de agentes da Polícia Federal, dezenas de pessoas, em sua grande maioria mulheres jovens, se aproximam. E começam a falar sem parar sobre os abusos sofridos. A sensação é de que têm muito o que dizer, mas precisam voltar da pausa programada a qualquer momento. Falam da impossibilidade de irem ao banheiro quando querem. Uma das jovens, com a barriga de grávida já bastante proeminente, reclama que sua condição exige diversas idas ao sanitário. Já se conformou em não ganhar a chamada remuneração variável por isso. Mesmo assim, sofre assédio de sua supervisora.

Outras criticam o estabelecimento de metas impossíveis de serem cumpridas, os poucos minutos que têm para almoçar ou jantar, os xingamentos e gritos que ouvem dos superiores, os problemas no ouvido, na coluna e nas articulações que adquiriram por conta do trabalho que fazem. Lembram que os médicos do trabalho contratados pela Contax são coniventes com a empresa e muitas vezes não fornecem atestado médico.

Filas para usar o microondas em uma unidade da Contax no Recife (PE)
Foto:  Igor Ojeda
Nas áreas de refeitório, aparelhos de microondas servem para os funcionários esquentarem suas marmitas, que estavam acondicionadas junto com bolsas e outros pertences pessoais em pequenos armários de ferro nos corredores. São muito poucos aparelhos para muita gente, formando filas de espera de cinco a dez minutos – para um intervalo para refeições de 20 minutos, é bom lembrar.

Gislaine sofre muito com essa realidade. “Não aguento mais, tenho crises de choro, vivo angustiada, com medo de ficar doida. Me sinto perseguida, ameaçada”, diz. “Quando estou em casa choro porque sei que no outro dia vou ter de ir trabalhar.” Além dos problemas psicológicos, a jovem padece de dores nas costas. Mas, quando se queixa, a supervisora a chama de mentirosa. “E a empresa ameaça os médicos. Fui tirar radiografia da coluna, pedi atestado mas o médico disse que não estava autorizado a fornecê-lo.”

Segundo Gislaine, as pressões contra ela aumentaram desde que souberam que ela queria ser demitida. “Quando eles sabem que a gente quer sair eles monitoram mais. Acho que estão me pressionando para eu mesma me demitir”, diz. A jovem atendente de telemarketing diz que um dos principais objetivos dos funcionários que trabalham na Contax é encontrar o que chamam de “degrau da rua”. Ou seja, ser demitido sem justa causa.

* Nome fictício para preservar a identidade da entrevistada
** Reportagem atualizada às 17hs de 23/12/2014 para acréscimo de informações

Por Igor Ojeda
Fonte: Repórter Brasil
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Na unidade da Contax no Recife, atendentes de telemarketing fazem questão de falar: assédios, doenças físicas e psicológicas, intervalos muito curtos para as refeições…

Armários reservados aos trabalhadores, onde eles guardam marmitas e bolsas.
Foto: Igor Ojeda

Recife (PE) - “Pelo amor de deus, pelo que você mais ama no mundo, não vá ao banheiro”, é o que Gislaine* já ouviu algumas vezes de sua supervisora em uma das unidades da Contax do Recife (PE), onde trabalha como atendente de telemarketing da operadora de celular Oi.

Em geral, o apelo acontece em dias de medição da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), uma vez ao mês. Mas as restrições às idas para satisfazer as necessidades fisiológicas são cotidianas. “Por duas vezes já fiz xixi nas calças, na rua, porque fiquei segurando durante o dia”, conta a jovem à Repórter Brasil.

Na Contax, os funcionários têm de cumprir pausas programadas: 20 minutos para as refeições e dois intervalos de 10 minutos cada. Fora desses horários, as pausas são consideradas pessoais e, por isso, o trabalhador pode perder parte de seu salário e até levar suspensões. “A gente é muito perseguida, monitorada, temos de trabalhar em cima de metas. Não pode ir no banheiro, é como se estivesse prejudicando a supervisora. A minha disse que eu só poderia ir se estivesse muito, muito, muito, apertada. ‘Você venha falar comigo e eu vejo se você pode ir’”.

Em maio de 2013, a Repórter Brasil acompanhou a fiscalização da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Pernambuco (SRTE/PE) nas unidades da Contax no Recife. Em outubro do mesmo ano, a ação se tornou nacional e culminou, em dezembro de 2014, na autuação de sete empresas de telecomunicações e do setor financeiro por inúmeras violações trabalhistas. O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) responsabilizou Oi, Vivo, Santander, Itaú, NET, Citibank e Bradesco por considerar ilícita a terceirização dos respectivos serviços de teleatendimento.

O site Santo Amaro, a maior unidade da empresa na capital pernambucana, chama a atenção pela imponência. Ocupa metade de um quarteirão no bairro de mesmo nome, na região central da cidade. Seja pelo lado de fora, seja pelo lado de dentro, o prédio lembra um shopping center. No interior, escadas rolantes quase sempre cheias de gente. Cerca de 15 mil trabalhadores se revezam pelos três turnos do dia. A unidade está aberta 24 horas por dia. As salas são separadas por divisórias de vidro e cada uma é reservada para uma só empresa. Os operadores de cada contratante nunca dividem o mesmo espaço. Dentro, um sem-fim de postos de atendimento enfileirados.

A circulação é intensa. Ao perceberem a presença dos auditores fiscais do Ministério do Trabalho, acompanhados de agentes da Polícia Federal, dezenas de pessoas, em sua grande maioria mulheres jovens, se aproximam. E começam a falar sem parar sobre os abusos sofridos. A sensação é de que têm muito o que dizer, mas precisam voltar da pausa programada a qualquer momento. Falam da impossibilidade de irem ao banheiro quando querem. Uma das jovens, com a barriga de grávida já bastante proeminente, reclama que sua condição exige diversas idas ao sanitário. Já se conformou em não ganhar a chamada remuneração variável por isso. Mesmo assim, sofre assédio de sua supervisora.

Outras criticam o estabelecimento de metas impossíveis de serem cumpridas, os poucos minutos que têm para almoçar ou jantar, os xingamentos e gritos que ouvem dos superiores, os problemas no ouvido, na coluna e nas articulações que adquiriram por conta do trabalho que fazem. Lembram que os médicos do trabalho contratados pela Contax são coniventes com a empresa e muitas vezes não fornecem atestado médico.

Filas para usar o microondas em uma unidade da Contax no Recife (PE)
Foto:  Igor Ojeda
Nas áreas de refeitório, aparelhos de microondas servem para os funcionários esquentarem suas marmitas, que estavam acondicionadas junto com bolsas e outros pertences pessoais em pequenos armários de ferro nos corredores. São muito poucos aparelhos para muita gente, formando filas de espera de cinco a dez minutos – para um intervalo para refeições de 20 minutos, é bom lembrar.

Gislaine sofre muito com essa realidade. “Não aguento mais, tenho crises de choro, vivo angustiada, com medo de ficar doida. Me sinto perseguida, ameaçada”, diz. “Quando estou em casa choro porque sei que no outro dia vou ter de ir trabalhar.” Além dos problemas psicológicos, a jovem padece de dores nas costas. Mas, quando se queixa, a supervisora a chama de mentirosa. “E a empresa ameaça os médicos. Fui tirar radiografia da coluna, pedi atestado mas o médico disse que não estava autorizado a fornecê-lo.”

Segundo Gislaine, as pressões contra ela aumentaram desde que souberam que ela queria ser demitida. “Quando eles sabem que a gente quer sair eles monitoram mais. Acho que estão me pressionando para eu mesma me demitir”, diz. A jovem atendente de telemarketing diz que um dos principais objetivos dos funcionários que trabalham na Contax é encontrar o que chamam de “degrau da rua”. Ou seja, ser demitido sem justa causa.

* Nome fictício para preservar a identidade da entrevistada
** Reportagem atualizada às 17hs de 23/12/2014 para acréscimo de informações

Por Igor Ojeda
Fonte: Repórter Brasil
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