Atualmente, quando há briga entre pai e mãe, juiz tende a dar a guarda do filho à mulher. Proposta se baseia no princípio de que o mais importante é garantir o bem-estar da criança por meio do convívio com os dois genitores
A aprovação pelo Senado, no fim de novembro, do projeto de lei que dispõe sobre a aplicação da guarda compartilhada de filhos de pais separados (PLC 117/2013) despertou uma série de debates sobre esse tipo de guarda, com muita repercussão nas redes sociais e no meio jurídico. A maior novidade do projeto aprovado é o compartilhamento como regra, mesmo que não haja acordo entre pai e mãe. O texto aguarda sanção.
A guarda compartilhada já é definida em lei no Brasil desde 2008, mas, apesar do crescimento no número de divórcios, ainda é posta em prática de forma tímida. Segundo dados do último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2000 a 2010 as separações aumentaram cerca de 20%. De acordo com as Estatísticas do Registro Civil, o Brasil registrou em 2011 a maior taxa de divórcios desde 1984, chegando a 351.153, um crescimento de 45,6% em relação ao ano anterior. Em 2013, foram concedidos 324.921 divórcios e em 86,3% deles a responsabilidade pelos filhos foi dada às mulheres, contra 6,8% cuja decisão foi pela guarda compartilhada. No estado com maior índice de guardas compartilhadas, o Pará, o índice chega a 11,4%.
Um dos motivos para a pequena adesão à guarda compartilhada é a incompreensão do seu significado ou a confusão com a guarda alternada, que, apesar de ser praticada, não consta como opção na lei. A advogada e professora de direito civil da Universidade de Brasília (UnB) Suzana Borges Viegas de Lima explica que a essência do conceito da guarda compartilhada é a participação de ambos os pais no processo de desenvolvimento e educação dos filhos. Não significa necessariamente uma divisão equitativa de tempo, mas uma divisão equilibrada, para que haja uma convivência saudável entre pais e filhos. Já a guarda alternada se caracteriza quando o filho menor reside alternadamente na casa do pai e da mãe, por períodos de tempo que podem ir de dias a meses. Enquanto o filho está na casa de um, o outro genitor passa a ter direito a visita e vice-versa, confundindo a modalidade com uma guarda unilateral com alternância no tempo. Na guarda unilateral, só o detentor da guarda tem o poder de decidir sobre a vida do filho, como escolher o colégio que ele vai frequentar.
Além da confusão conceitual, a mudança na lei em 2008 estabeleceu que a guarda compartilhada deveria ser concedida “sempre que possível”, o que deixou muito subjetiva a definição, quase sempre atrelada à ausência de litígio no casal.
— Com a expectativa da sanção do projeto que institui a guarda compartilhada como regra, haverá um reforço de sua implementação como melhor modalidade de guarda para atender o melhor interesse da criança — argumenta Suzana Borges.
O melhor interesse da criança é definido caso a caso e pode ser atendido com a guarda unilateral ou, em casos extremos, concedendo-se a guarda a um terceiro, como uma avó ou uma tia. No caso da guarda compartilhada, explica a professora, a criança poderá contar com ambos os pais não só no dia a dia, mas na tomada de decisões conjuntas que visam ao seu bem-estar.
Suzana Borges, da UnB: casais discutem patrimônio e pensão e esquecem filhos Foto: Reprodução |
— É preciso que as partes sejam esclarecidas sobre o significado da guarda compartilhada. Muita gente chega perante o juiz sem saber o que é e quais são seus benefícios. Ficam discutindo patrimônio e pensão e se esquecem dos filhos — diz Suzana.
A juíza de direito Ana Maria Louzada, titular da 1ª Vara de Família, Órfãos e Sucessões de Sobradinho (DF), acrescenta aos motivos para a pouca concessão da guarda compartilhada a divisão tradicional de papéis entre pais e mães.
— Ainda hoje predomina a concessão de guarda unilateral para as mães porque a grande maioria das mães quer essa guarda e a grande maioria dos pais não quer essa guarda. Quando o pai se interessa pela guarda, ela é normalmente deferida como guarda compartilhada — relata.
Para Ana Maria, a entrada em vigor da nova lei poderá incentivar os pais a tomar a dianteira e participar mais da vida dos filhos, não se comportando apenas como visitas.
— A gente não visita os filhos, a gente tem convivência com os filhos — pondera a magistrada.
Convivência familiar é, junto com o melhor interesse da criança, princípio subjacente à guarda compartilhada. Além de constar do texto constitucional, é também um direito assegurado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
— Quando falamos em guarda, em convivência, é sempre importante ter em mente o ponto de vista da criança, e não de um direito absoluto dos pais.
A participação dos pais é importante. Se eles estavam juntos no casamento, a criança tinha uma convivência rotineira com ambos os pais, não há razão para que essa criança seja privada de um dos pais, que ele seja excluído do projeto conjunto de parentalidade — pondera Suzana Borges.
No entendimento da psicóloga Ely Harasawa, gerente de Programas da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, a aprovação da guarda compartilhada reflete a preocupação da sociedade em garantir espaço para que o pai também possa exercer seu papel na criação e no desenvolvimento dos filhos.
— Mas é importante que a guarda compartilhada não se transforme em motivo para conflitos e disputas entre os pais que possam prejudicar os filhos. Quanto menor é a criança, mais ela precisa sentir-se segura e vivendo num ambiente de harmonia — pondera a profissional, que trabalha em defesa da primeira infância.
A juíza Ana Maria Louzada diz não considerar a guarda compartilhada uma novidade, pois ela está no Código Civil desde 2008 e isso significa que antes mesmo de 2008 ela deveria estar sendo aplicada. Ela reconhece, no entanto, que há promotores e juízes que têm resistência à guarda compartilhada principalmente quando não há consenso entre o pai e a mãe.
— Eu quero acreditar que esse projeto de lei que veio revitalizar essa paternidade torne isso mais comum nos tribunais e que os filhos tenham a devida assistência tanto do pai quanto da mãe. E essa assistência é muito mais do que manutenção econômica. É realmente participar da vida do filho, amparar — argumenta.
Para Suzana Borges, a lei aperfeiçoa a guarda compartilhada ao estabelecê-la como regra.
— Os juízes têm muito receio de atribuir a guarda compartilhada a casais que não estão se entendendo. Se nós dependermos só do consenso, várias famílias deixarão de ser beneficiadas pela guarda compartilhada — adverte Suzana.
Proposto em 2013, texto previne que filho vire disputa entre pais
O projeto que altera a guarda compartilhada, do deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), tramitou por três anos na Câmara até ser aprovado e enviado ao Senado em dezembro de 2013.
A proposta, que no Senado passou pelas Comissões de Direitos Humanos (CDH), de Constituição e Justiça (CCJ) e de Assuntos Sociais (CAS), regulamenta o tema, já previsto no Código Civil. O artigo 1.583 define a guarda compartilhada como “a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto”.
Jayme Campos, relator do projeto na Comissão de Assuntos Sociais Foto: Edilson Rodrigues |
O autor argumentou que a redação atual da lei induz os juízes a decretar a guarda compartilhada apenas nos casos em que haja boa relação entre os pais após o divórcio. No entanto, para o deputado, o uso seria mais necessário justamente nos casos de desacordo entre os pais. Para o relator do projeto na Comissão de Assuntos Sociais (CAS), Jayme Campos (DEM-MT), o texto previne que os filhos virem objeto de disputa entre os pais. E virem vítimas de manipulação emocional, violência física e até de morte.
Um dos objetivos da proposta foi evitar a alienação parental. A guarda unilateral concentra o poder parental em um dos genitores e, se há relação conflituosa no casal, pode haver abuso de poder, gerando o afastamento do genitor que não detém a guarda dos filhos, trazendo desgaste para a família e prejuízos emocionais e intelectuais para crianças e adolescentes.
O projeto determinou que, em caso de disputa entre mãe e pai quanto à guarda, se os dois estiverem aptos a exercer o poder familiar, o juiz deverá conceder a guarda compartilhada. A guarda poderá ser concedida de forma unilateral se um dos pais declarar ao juiz que não a deseja. Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda a um terceiro, considerando o parentesco e as relações de afetividade.
Um dos pontos polêmicos do projeto aprovado é a possibilidade de o não detentor da guarda exigir prestação de contas do uso dos recursos pagos a título de pensão alimentícia. Para a juíza Ana Maria Louzada, a prerrogativa pode gerar uma enxurrada de ações que vai levar ao colapso das varas de família. O texto traz avanços quando determina que estabelecimentos, como escolas, que se negarem a dar informações a qualquer dos pais sobre os filhos sejam multados em R$ 200 a R$ 500 por dia pelo não atendimento da solicitação.
Outro ponto pouco compreendido é o da divisão equilibrada do tempo de convivência com a mãe e o pai, que pode ser confundido com uma divisão igualitária do tempo. Pelo texto aprovado, ficou estabelecido que, quando os pais residirem em cidades diferentes, a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender os interesses deles.
Questão também pode ser resolvida por meio da conciliação
A juíza Ana Maria Louzada diz que muitos homens não querem a guarda do filho Foto: Jefferson Rudy |
A disputa pela guarda de filhos é normalmente travada em meio a fatores emocionais fortes, decorrentes das frustrações com o fim da relação conjugal. Para Suzana Borges, que também é presidente da Comissão de Mediação do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), para facilitar a transição da guarda compartilhada de modalidade opcional para regra principal, a mediação (uma modalidade de resolução de conflitos) será imprescindível.
— A mediação deve ser considerada tão importante quanto a vara de família. É o tribunal multiportas. A mediação dá a oportunidade para que as partes se sentem frente a frente até para que digam não há acordo.
Segundo Suzana, os índices revelam que a tentativa é válida, porque, mesmo não havendo acordo no momento da mediação, logo em seguida, na audiência de conciliação, pode haver. Mas também há muito sucesso já na primeira tentativa.
— As partes acabam enxergando por si mesmas o que está em jogo ali e como a vida delas vai ser melhor depois de uma solução assim. Para fazer um filho, precisa haver pai e mãe, biologicamente falando. Então por que na separação você vai desagregar? A não ser que o pai seja um bandido, mas isso é exceção — argumenta.
Suzana explica que a mediação é uma política pública instituída pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Entre os processos de família, não são mediáveis apenas aqueles envolvendo violência doméstica, alienação parental e abuso de menores. A escolha é feita pelo juiz, mas o promotor também pode indicar e o advogado pode requerer.
A juíza Ana Maria Louzada relata que nem todos os tribunais oferecem o serviço de mediação, que já é oferecido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal:
— Naquelas questões em que os pais estão brigando muito, é fornecido o serviço de mediação para ver se conseguem exercitar o diálogo e construir uma disposição comum em decidir o melhor para o filho. O divórcio deixa mágoas e marcas que acabam atrapalhando o relacionamento entre ex-companheiros e deles com os filhos — explica Ana Maria.
Alguns tribunais oferecem as chamadas oficinas de parentalidade, em que psicólogos e assistentes sociais fazem entrevistas com as pessoas e discutem as formas de chegar a um bom termo na escolha dos melhores caminhos para os filhos.
— Ainda estamos começando essa iniciativa. Alguns pais se negam a participar, mas a participação tem que ser voluntária, tem que querer. Essas oficinas propiciam o diálogo, e o diálogo é o melhor caminho para tudo — sentencia a magistrada.
Enquete do DataSenado mostra que 80% apoiam novo modelo
De cada cinco internautas participantes de enquete do DataSenado sobre guarda compartilhada, quatro se manifestaram a favor da medida. A enquete, elaborada em parceria com a Agência Senado, convidou os internautas a se posicionar sobre a pergunta: “Você é a favor ou contra o projeto (PLC 117/2013) que propõe a aplicação da guarda compartilhada quando não houver consenso entre os pais?”. No total, 699 internautas opinaram, sendo que 80% votaram a favor e 20%, contra.
A pesquisa, feita no período de 17 a 30 de novembro, ainda contou com um espaço dedicado às mensagens dos internautas, chamado de Comente o Projeto. Várias opiniões foram registradas. O internauta César Augusto Porfirio Leão apoia a aprovação do projeto: “A guarda compartilhada é o melhor para as crianças na medida em que permite o maior convívio entre os filhos e ambos os pais, sem que um seja considerado melhor do que o outro. A separação foi entre os cônjuges, e não entre os filhos e o pai ou a mãe. É irracional que as crianças sofram a ausência de um dos genitores, ainda mais quando esse genitor quer participar da vida dos filhos. Quem deve se adaptar, fazer concessões são os adultos. Tanto o pai quanto a mãe devem colocar o bem-estar e os interesses dos filhos acima das suas pendências e desavenças com o ex-cônjuge”.
Por outro lado, o internauta Alfredo de Assis Gonçalves Neto registrou manifestação contrária à medida: “A criança não pode ficar sem um lar fixo; não pode ser joguete dos pais. Um só deve ter a guarda, assegurado o direito de visita em maior ou menor extensão, conforme o caso. Guarda compartilhada exige decisões conjuntas. Quem resolverá o empate? A questão não está nesse modernismo, mas em deixar que cada caso seja apreciado conforme as suas peculiaridades”.
Os resultados da enquete representam a opinião das pessoas que votaram, não sendo possível extrapolá-los para toda a população brasileira.
Saiba mais
- Em 2013, a guarda foi dada à mãe em mais de 85% dos casos. Em só 7% foi compartilhada;
- Em novembro, Senado aprovou texto que torna regra a guarda compartilhada;
- Objetivo do projeto, que aguarda sanção, é atender, em primeiro lugar, interesse da criança;
- Juíza diz que guarda compartilhada mostra que filho não precisa só de suporte econômico;
Fonte: Jornal do Senado
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Atualmente, quando há briga entre pai e mãe, juiz tende a dar a guarda do filho à mulher. Proposta se baseia no princípio de que o mais importante é garantir o bem-estar da criança por meio do convívio com os dois genitores
A aprovação pelo Senado, no fim de novembro, do projeto de lei que dispõe sobre a aplicação da guarda compartilhada de filhos de pais separados (PLC 117/2013) despertou uma série de debates sobre esse tipo de guarda, com muita repercussão nas redes sociais e no meio jurídico. A maior novidade do projeto aprovado é o compartilhamento como regra, mesmo que não haja acordo entre pai e mãe. O texto aguarda sanção.
A guarda compartilhada já é definida em lei no Brasil desde 2008, mas, apesar do crescimento no número de divórcios, ainda é posta em prática de forma tímida. Segundo dados do último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2000 a 2010 as separações aumentaram cerca de 20%. De acordo com as Estatísticas do Registro Civil, o Brasil registrou em 2011 a maior taxa de divórcios desde 1984, chegando a 351.153, um crescimento de 45,6% em relação ao ano anterior. Em 2013, foram concedidos 324.921 divórcios e em 86,3% deles a responsabilidade pelos filhos foi dada às mulheres, contra 6,8% cuja decisão foi pela guarda compartilhada. No estado com maior índice de guardas compartilhadas, o Pará, o índice chega a 11,4%.
Um dos motivos para a pequena adesão à guarda compartilhada é a incompreensão do seu significado ou a confusão com a guarda alternada, que, apesar de ser praticada, não consta como opção na lei. A advogada e professora de direito civil da Universidade de Brasília (UnB) Suzana Borges Viegas de Lima explica que a essência do conceito da guarda compartilhada é a participação de ambos os pais no processo de desenvolvimento e educação dos filhos. Não significa necessariamente uma divisão equitativa de tempo, mas uma divisão equilibrada, para que haja uma convivência saudável entre pais e filhos. Já a guarda alternada se caracteriza quando o filho menor reside alternadamente na casa do pai e da mãe, por períodos de tempo que podem ir de dias a meses. Enquanto o filho está na casa de um, o outro genitor passa a ter direito a visita e vice-versa, confundindo a modalidade com uma guarda unilateral com alternância no tempo. Na guarda unilateral, só o detentor da guarda tem o poder de decidir sobre a vida do filho, como escolher o colégio que ele vai frequentar.
Além da confusão conceitual, a mudança na lei em 2008 estabeleceu que a guarda compartilhada deveria ser concedida “sempre que possível”, o que deixou muito subjetiva a definição, quase sempre atrelada à ausência de litígio no casal.
— Com a expectativa da sanção do projeto que institui a guarda compartilhada como regra, haverá um reforço de sua implementação como melhor modalidade de guarda para atender o melhor interesse da criança — argumenta Suzana Borges.
O melhor interesse da criança é definido caso a caso e pode ser atendido com a guarda unilateral ou, em casos extremos, concedendo-se a guarda a um terceiro, como uma avó ou uma tia. No caso da guarda compartilhada, explica a professora, a criança poderá contar com ambos os pais não só no dia a dia, mas na tomada de decisões conjuntas que visam ao seu bem-estar.
Suzana Borges, da UnB: casais discutem patrimônio e pensão e esquecem filhos Foto: Reprodução |
— É preciso que as partes sejam esclarecidas sobre o significado da guarda compartilhada. Muita gente chega perante o juiz sem saber o que é e quais são seus benefícios. Ficam discutindo patrimônio e pensão e se esquecem dos filhos — diz Suzana.
A juíza de direito Ana Maria Louzada, titular da 1ª Vara de Família, Órfãos e Sucessões de Sobradinho (DF), acrescenta aos motivos para a pouca concessão da guarda compartilhada a divisão tradicional de papéis entre pais e mães.
— Ainda hoje predomina a concessão de guarda unilateral para as mães porque a grande maioria das mães quer essa guarda e a grande maioria dos pais não quer essa guarda. Quando o pai se interessa pela guarda, ela é normalmente deferida como guarda compartilhada — relata.
Para Ana Maria, a entrada em vigor da nova lei poderá incentivar os pais a tomar a dianteira e participar mais da vida dos filhos, não se comportando apenas como visitas.
— A gente não visita os filhos, a gente tem convivência com os filhos — pondera a magistrada.
Convivência familiar é, junto com o melhor interesse da criança, princípio subjacente à guarda compartilhada. Além de constar do texto constitucional, é também um direito assegurado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
— Quando falamos em guarda, em convivência, é sempre importante ter em mente o ponto de vista da criança, e não de um direito absoluto dos pais.
A participação dos pais é importante. Se eles estavam juntos no casamento, a criança tinha uma convivência rotineira com ambos os pais, não há razão para que essa criança seja privada de um dos pais, que ele seja excluído do projeto conjunto de parentalidade — pondera Suzana Borges.
No entendimento da psicóloga Ely Harasawa, gerente de Programas da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, a aprovação da guarda compartilhada reflete a preocupação da sociedade em garantir espaço para que o pai também possa exercer seu papel na criação e no desenvolvimento dos filhos.
— Mas é importante que a guarda compartilhada não se transforme em motivo para conflitos e disputas entre os pais que possam prejudicar os filhos. Quanto menor é a criança, mais ela precisa sentir-se segura e vivendo num ambiente de harmonia — pondera a profissional, que trabalha em defesa da primeira infância.
A juíza Ana Maria Louzada diz não considerar a guarda compartilhada uma novidade, pois ela está no Código Civil desde 2008 e isso significa que antes mesmo de 2008 ela deveria estar sendo aplicada. Ela reconhece, no entanto, que há promotores e juízes que têm resistência à guarda compartilhada principalmente quando não há consenso entre o pai e a mãe.
— Eu quero acreditar que esse projeto de lei que veio revitalizar essa paternidade torne isso mais comum nos tribunais e que os filhos tenham a devida assistência tanto do pai quanto da mãe. E essa assistência é muito mais do que manutenção econômica. É realmente participar da vida do filho, amparar — argumenta.
Para Suzana Borges, a lei aperfeiçoa a guarda compartilhada ao estabelecê-la como regra.
— Os juízes têm muito receio de atribuir a guarda compartilhada a casais que não estão se entendendo. Se nós dependermos só do consenso, várias famílias deixarão de ser beneficiadas pela guarda compartilhada — adverte Suzana.
Proposto em 2013, texto previne que filho vire disputa entre pais
O projeto que altera a guarda compartilhada, do deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), tramitou por três anos na Câmara até ser aprovado e enviado ao Senado em dezembro de 2013.
A proposta, que no Senado passou pelas Comissões de Direitos Humanos (CDH), de Constituição e Justiça (CCJ) e de Assuntos Sociais (CAS), regulamenta o tema, já previsto no Código Civil. O artigo 1.583 define a guarda compartilhada como “a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto”.
Jayme Campos, relator do projeto na Comissão de Assuntos Sociais Foto: Edilson Rodrigues |
O autor argumentou que a redação atual da lei induz os juízes a decretar a guarda compartilhada apenas nos casos em que haja boa relação entre os pais após o divórcio. No entanto, para o deputado, o uso seria mais necessário justamente nos casos de desacordo entre os pais. Para o relator do projeto na Comissão de Assuntos Sociais (CAS), Jayme Campos (DEM-MT), o texto previne que os filhos virem objeto de disputa entre os pais. E virem vítimas de manipulação emocional, violência física e até de morte.
Um dos objetivos da proposta foi evitar a alienação parental. A guarda unilateral concentra o poder parental em um dos genitores e, se há relação conflituosa no casal, pode haver abuso de poder, gerando o afastamento do genitor que não detém a guarda dos filhos, trazendo desgaste para a família e prejuízos emocionais e intelectuais para crianças e adolescentes.
O projeto determinou que, em caso de disputa entre mãe e pai quanto à guarda, se os dois estiverem aptos a exercer o poder familiar, o juiz deverá conceder a guarda compartilhada. A guarda poderá ser concedida de forma unilateral se um dos pais declarar ao juiz que não a deseja. Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda a um terceiro, considerando o parentesco e as relações de afetividade.
Um dos pontos polêmicos do projeto aprovado é a possibilidade de o não detentor da guarda exigir prestação de contas do uso dos recursos pagos a título de pensão alimentícia. Para a juíza Ana Maria Louzada, a prerrogativa pode gerar uma enxurrada de ações que vai levar ao colapso das varas de família. O texto traz avanços quando determina que estabelecimentos, como escolas, que se negarem a dar informações a qualquer dos pais sobre os filhos sejam multados em R$ 200 a R$ 500 por dia pelo não atendimento da solicitação.
Outro ponto pouco compreendido é o da divisão equilibrada do tempo de convivência com a mãe e o pai, que pode ser confundido com uma divisão igualitária do tempo. Pelo texto aprovado, ficou estabelecido que, quando os pais residirem em cidades diferentes, a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender os interesses deles.
Questão também pode ser resolvida por meio da conciliação
A juíza Ana Maria Louzada diz que muitos homens não querem a guarda do filho Foto: Jefferson Rudy |
A disputa pela guarda de filhos é normalmente travada em meio a fatores emocionais fortes, decorrentes das frustrações com o fim da relação conjugal. Para Suzana Borges, que também é presidente da Comissão de Mediação do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), para facilitar a transição da guarda compartilhada de modalidade opcional para regra principal, a mediação (uma modalidade de resolução de conflitos) será imprescindível.
— A mediação deve ser considerada tão importante quanto a vara de família. É o tribunal multiportas. A mediação dá a oportunidade para que as partes se sentem frente a frente até para que digam não há acordo.
Segundo Suzana, os índices revelam que a tentativa é válida, porque, mesmo não havendo acordo no momento da mediação, logo em seguida, na audiência de conciliação, pode haver. Mas também há muito sucesso já na primeira tentativa.
— As partes acabam enxergando por si mesmas o que está em jogo ali e como a vida delas vai ser melhor depois de uma solução assim. Para fazer um filho, precisa haver pai e mãe, biologicamente falando. Então por que na separação você vai desagregar? A não ser que o pai seja um bandido, mas isso é exceção — argumenta.
Suzana explica que a mediação é uma política pública instituída pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Entre os processos de família, não são mediáveis apenas aqueles envolvendo violência doméstica, alienação parental e abuso de menores. A escolha é feita pelo juiz, mas o promotor também pode indicar e o advogado pode requerer.
A juíza Ana Maria Louzada relata que nem todos os tribunais oferecem o serviço de mediação, que já é oferecido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal:
— Naquelas questões em que os pais estão brigando muito, é fornecido o serviço de mediação para ver se conseguem exercitar o diálogo e construir uma disposição comum em decidir o melhor para o filho. O divórcio deixa mágoas e marcas que acabam atrapalhando o relacionamento entre ex-companheiros e deles com os filhos — explica Ana Maria.
Alguns tribunais oferecem as chamadas oficinas de parentalidade, em que psicólogos e assistentes sociais fazem entrevistas com as pessoas e discutem as formas de chegar a um bom termo na escolha dos melhores caminhos para os filhos.
— Ainda estamos começando essa iniciativa. Alguns pais se negam a participar, mas a participação tem que ser voluntária, tem que querer. Essas oficinas propiciam o diálogo, e o diálogo é o melhor caminho para tudo — sentencia a magistrada.
Enquete do DataSenado mostra que 80% apoiam novo modelo
De cada cinco internautas participantes de enquete do DataSenado sobre guarda compartilhada, quatro se manifestaram a favor da medida. A enquete, elaborada em parceria com a Agência Senado, convidou os internautas a se posicionar sobre a pergunta: “Você é a favor ou contra o projeto (PLC 117/2013) que propõe a aplicação da guarda compartilhada quando não houver consenso entre os pais?”. No total, 699 internautas opinaram, sendo que 80% votaram a favor e 20%, contra.
A pesquisa, feita no período de 17 a 30 de novembro, ainda contou com um espaço dedicado às mensagens dos internautas, chamado de Comente o Projeto. Várias opiniões foram registradas. O internauta César Augusto Porfirio Leão apoia a aprovação do projeto: “A guarda compartilhada é o melhor para as crianças na medida em que permite o maior convívio entre os filhos e ambos os pais, sem que um seja considerado melhor do que o outro. A separação foi entre os cônjuges, e não entre os filhos e o pai ou a mãe. É irracional que as crianças sofram a ausência de um dos genitores, ainda mais quando esse genitor quer participar da vida dos filhos. Quem deve se adaptar, fazer concessões são os adultos. Tanto o pai quanto a mãe devem colocar o bem-estar e os interesses dos filhos acima das suas pendências e desavenças com o ex-cônjuge”.
Por outro lado, o internauta Alfredo de Assis Gonçalves Neto registrou manifestação contrária à medida: “A criança não pode ficar sem um lar fixo; não pode ser joguete dos pais. Um só deve ter a guarda, assegurado o direito de visita em maior ou menor extensão, conforme o caso. Guarda compartilhada exige decisões conjuntas. Quem resolverá o empate? A questão não está nesse modernismo, mas em deixar que cada caso seja apreciado conforme as suas peculiaridades”.
Os resultados da enquete representam a opinião das pessoas que votaram, não sendo possível extrapolá-los para toda a população brasileira.
Saiba mais
- Em 2013, a guarda foi dada à mãe em mais de 85% dos casos. Em só 7% foi compartilhada;
- Em novembro, Senado aprovou texto que torna regra a guarda compartilhada;
- Objetivo do projeto, que aguarda sanção, é atender, em primeiro lugar, interesse da criança;
- Juíza diz que guarda compartilhada mostra que filho não precisa só de suporte econômico;
Fonte: Jornal do Senado
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