Quando as primeiras cabeças de gado chegaram à província da Bahia, no começo do século XVI, para alimentar os habitantes das povoações de origem europeia em formação, não se imaginava que aquele seria o início do surgimento do fenômeno que, muito tempo depois, Guimarães Rosa chamaria de “época do couro”. Por volta de 1550, o gado tomava conta da costa, e houve necessidade de criá-lo longe, deixando as lavouras livres para a plantação da cana-de-açúcar. E foi assim, no mugido da boiada e na ponta do ferrão, vestindo couro da cabeça aos pés, que vaqueiros desbravaram o Nordeste, fixando-se nos sertões e tornando habitável o interior, até então desconhecido.
Os vaqueiros representam um modo de ser e viver existente há mais de 400 anos, uma das características culturais das mais emblemáticas do sertão baiano. Hoje, a “civilização do couro” é reconhecida oficialmente pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac) como bem imaterial. O Ofício dos Vaqueiros passou a integrar o Livro do Registro Especial dos Saberes e Modo de Fazer, e a Bahia tornou-se o primeiro estado brasileiro a reconhecer um ofício, em maio último. Antes, apenas a esfera federal, via Ministério da Cultura, detinha este poder. Para o diretor geral do Ipac, Frederico Mendonça, a ação é importante para “sinalizar as referências culturais formadoras das sociedades baiana e brasileira, adotando medidas para sua preservação, de modo a contribuir para a estruturação das identidades e memórias sociais”.
Responsável pelo dossiê do Ipac que explica a importância histórico-cultural do Ofício dos Vaqueiros, o antropólogo Washington Queiroz ressalta que, no Brasil, a política de preservação do patrimônio sempre esteve voltada para o bem físico, sobretudo o arquitetônico. Esta visão impediu, por muito tempo, que a riqueza cultural sertaneja fosse vista, sempre relegada aos sertões. “A Bahia jamais incluiu os saberes e afazeres sertanejos dentro de seus repertórios identitários, tendo, inclusive, uma postura excludente e preconceituosa para com as manifestações do sertão, cujo território constitui esmagadoramente a maior parte do estado”, afirma.
Desde 1985, o antropólogo conduz uma pesquisa que deu origem à série de livros Histórias de Vaqueiros: Vivências e Mitologia. Os primeiros três volumes já saíram e mais dois estão no forno e serão lançados no segundo semestre. Para ele, o reconhecimento dessas vivências é simbólico, uma reparação sociocultural: “Trata-se de inclusão e pertencimento necessários para dialogar com certa tendência de uma Bahia que lida com o risco da monoculturalização e do não reconhecimento de sua diversidade”.
Fonte: Revista de História
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Quando as primeiras cabeças de gado chegaram à província da Bahia, no começo do século XVI, para alimentar os habitantes das povoações de origem europeia em formação, não se imaginava que aquele seria o início do surgimento do fenômeno que, muito tempo depois, Guimarães Rosa chamaria de “época do couro”. Por volta de 1550, o gado tomava conta da costa, e houve necessidade de criá-lo longe, deixando as lavouras livres para a plantação da cana-de-açúcar. E foi assim, no mugido da boiada e na ponta do ferrão, vestindo couro da cabeça aos pés, que vaqueiros desbravaram o Nordeste, fixando-se nos sertões e tornando habitável o interior, até então desconhecido.
Os vaqueiros representam um modo de ser e viver existente há mais de 400 anos, uma das características culturais das mais emblemáticas do sertão baiano. Hoje, a “civilização do couro” é reconhecida oficialmente pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac) como bem imaterial. O Ofício dos Vaqueiros passou a integrar o Livro do Registro Especial dos Saberes e Modo de Fazer, e a Bahia tornou-se o primeiro estado brasileiro a reconhecer um ofício, em maio último. Antes, apenas a esfera federal, via Ministério da Cultura, detinha este poder. Para o diretor geral do Ipac, Frederico Mendonça, a ação é importante para “sinalizar as referências culturais formadoras das sociedades baiana e brasileira, adotando medidas para sua preservação, de modo a contribuir para a estruturação das identidades e memórias sociais”.
Responsável pelo dossiê do Ipac que explica a importância histórico-cultural do Ofício dos Vaqueiros, o antropólogo Washington Queiroz ressalta que, no Brasil, a política de preservação do patrimônio sempre esteve voltada para o bem físico, sobretudo o arquitetônico. Esta visão impediu, por muito tempo, que a riqueza cultural sertaneja fosse vista, sempre relegada aos sertões. “A Bahia jamais incluiu os saberes e afazeres sertanejos dentro de seus repertórios identitários, tendo, inclusive, uma postura excludente e preconceituosa para com as manifestações do sertão, cujo território constitui esmagadoramente a maior parte do estado”, afirma.
Desde 1985, o antropólogo conduz uma pesquisa que deu origem à série de livros Histórias de Vaqueiros: Vivências e Mitologia. Os primeiros três volumes já saíram e mais dois estão no forno e serão lançados no segundo semestre. Para ele, o reconhecimento dessas vivências é simbólico, uma reparação sociocultural: “Trata-se de inclusão e pertencimento necessários para dialogar com certa tendência de uma Bahia que lida com o risco da monoculturalização e do não reconhecimento de sua diversidade”.
Fonte: Revista de História
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