segunda-feira, março 26, 2012

ANPUH - Comissão da Verdade: Entre a Memória e a História.


Recentemente foi aprovada pelo Congresso Nacional a formação da Comissão da Verdade que terá como função apurar as violações aos direitos humanos ocorridas em nosso país entre 1946 e 1988. A ela não cabe punir ou julgar culpados, mas lançar luz sobre uma série de crimes perpetrados por agentes governamentais, em especial no período da ditadura civil-militar iniciada com o golpe de 1964, esclarecendo suas circunstâncias, motivações, agentes, entre outros aspectos. Alguns, sobretudo aqueles setores identificados com os governos autoritários, a acusam de “revanchista”, por querer reacender conflitos que deveriam, em sua visão, ter sido esquecidos com a Lei da Anistia de 1979. Outros, em especial os militantes de direitos humanos e os familiares de mortos e desaparecidos políticos, denunciam seu caráter limitado e seus precários recursos (incluindo um número reduzido de membros e um tempo curto para as investigações). De qualquer forma, trata-se de uma iniciativa fundamental para que se possa encarar de frente uma série de situações traumáticas próprias desse passado recente que insiste em não passar, e que macula até hoje a nossa democracia.

A Comissão da Verdade assemelha-se a outras iniciativas ocorridas em países que passaram por traumas coletivos, em geral provocados por governos ditatoriais e autoritários, os quais pareciam impedir-lhes de seguir em frente com seus projetos de organização democrática. Isso aconteceu, através de modalidades e com resultados variados, na Alemanha após o nazismo, nos países do Leste europeu na sequência da débâcle do bloco comunista, na África do Sul depois do apartheid e em países do Cone Sul com o fim das ditaduras de Segurança Nacional. Em todos esses casos, muito se falou do dever de memória, ou seja, do dever de lembrar o horror para não repeti-lo, o que, em alguns casos, implicou também reparações materiais e simbólicas às vítimas, aos seus familiares ou mesmo a grupos sociais inteiros (como judeus e negros) que haviam sido submetidos a terríveis violências por parte do aparato estatal.
 
Porém, é preciso reconhecer que, se, por um lado, as reivindicações de cunho memorial são justificadas e importantes, elas não são suficientes. A memória é sempre ligada aos afetos, a identidades específicas, a sentimentos muitas vezes autocentrados do tipo: “você não passou por isso, então não pode entender e julgar o que ocorreu”. Por isso, é tão importante que as lembranças sejam compreendidas à luz da História, forma de conhecimento do passado ligada à razão, ao intelecto, ao distanciamento, à tentativa de pensar o que ocorreu de maneira global e articulada. Obviamente, o historiador nunca é neutro e imparcial, ele também é sujeito de seu tempo. Porém, ao longo de sua formação, desenvolve habilidades como a pesquisa em arquivos, a crítica documental, a interpretação de testemunhos e a coleta e análise de fontes orais que lhe permitem formular questões menos emocionais e mais balizadas por referências conceituais e metodológicas próprias de um conhecimento científico que tem por objetivo compreender, a partir da análise de fontes históricas, as tramas do passado (ainda que recente). Por esse motivo, a ANPUH – Associação Nacional de História, entidade que congrega aproximadamente quatro mil profissionais de História atuantes no ensino, na pesquisa e nas instituições voltadas à preservação do patrimônio, julga fundamental a participação de historiadores profissionais na Comissão da Verdade.

Os estudos históricos desenvolvidos no Brasil na atualidade são de altíssima qualidade e nossos historiadores são reconhecidos nas mais renomadas instituições de pesquisa do mundo. Muitos se dedicam ao campo que se convencionou chamar de “história do tempo presente”, que antes era visto, em razão de sua proximidade cronológica, como inadequado ao historiador. Tal concepção se alterou profundamente e hoje se sabe que a distância temporal não é garantia de distanciamento intelectual (afinal, histórias muito antigas ainda podem fomentar conflitos sangrentos, como acontece no Oriente Médio). Da mesma forma, os historiadores podem se voltar a processos bastante recentes, valendo-se de um distanciamento analítico possibilitado por procedimentos rigorosos de pesquisa. Por isso, certamente, diversos são os profissionais capacitados para compor a referida Comissão. Eles têm o dever e a capacidade de pensar os temas tratados em tão importante fórum não apenas pelas lentes afetivas da memória, mas também pela perspectiva racional da História. Por isso, sua presença é imprescindível nos trabalhos da Comissão da Verdade e nos debates por ela suscitados que, com certeza, mobilizarão a sociedade brasileira no próximo ano.

Diretoria da ANPUH – Associação Nacional de História.
Gestão 2011-2013.
FONTE: ANPUH.
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Recentemente foi aprovada pelo Congresso Nacional a formação da Comissão da Verdade que terá como função apurar as violações aos direitos humanos ocorridas em nosso país entre 1946 e 1988. A ela não cabe punir ou julgar culpados, mas lançar luz sobre uma série de crimes perpetrados por agentes governamentais, em especial no período da ditadura civil-militar iniciada com o golpe de 1964, esclarecendo suas circunstâncias, motivações, agentes, entre outros aspectos. Alguns, sobretudo aqueles setores identificados com os governos autoritários, a acusam de “revanchista”, por querer reacender conflitos que deveriam, em sua visão, ter sido esquecidos com a Lei da Anistia de 1979. Outros, em especial os militantes de direitos humanos e os familiares de mortos e desaparecidos políticos, denunciam seu caráter limitado e seus precários recursos (incluindo um número reduzido de membros e um tempo curto para as investigações). De qualquer forma, trata-se de uma iniciativa fundamental para que se possa encarar de frente uma série de situações traumáticas próprias desse passado recente que insiste em não passar, e que macula até hoje a nossa democracia.

A Comissão da Verdade assemelha-se a outras iniciativas ocorridas em países que passaram por traumas coletivos, em geral provocados por governos ditatoriais e autoritários, os quais pareciam impedir-lhes de seguir em frente com seus projetos de organização democrática. Isso aconteceu, através de modalidades e com resultados variados, na Alemanha após o nazismo, nos países do Leste europeu na sequência da débâcle do bloco comunista, na África do Sul depois do apartheid e em países do Cone Sul com o fim das ditaduras de Segurança Nacional. Em todos esses casos, muito se falou do dever de memória, ou seja, do dever de lembrar o horror para não repeti-lo, o que, em alguns casos, implicou também reparações materiais e simbólicas às vítimas, aos seus familiares ou mesmo a grupos sociais inteiros (como judeus e negros) que haviam sido submetidos a terríveis violências por parte do aparato estatal.
 
Porém, é preciso reconhecer que, se, por um lado, as reivindicações de cunho memorial são justificadas e importantes, elas não são suficientes. A memória é sempre ligada aos afetos, a identidades específicas, a sentimentos muitas vezes autocentrados do tipo: “você não passou por isso, então não pode entender e julgar o que ocorreu”. Por isso, é tão importante que as lembranças sejam compreendidas à luz da História, forma de conhecimento do passado ligada à razão, ao intelecto, ao distanciamento, à tentativa de pensar o que ocorreu de maneira global e articulada. Obviamente, o historiador nunca é neutro e imparcial, ele também é sujeito de seu tempo. Porém, ao longo de sua formação, desenvolve habilidades como a pesquisa em arquivos, a crítica documental, a interpretação de testemunhos e a coleta e análise de fontes orais que lhe permitem formular questões menos emocionais e mais balizadas por referências conceituais e metodológicas próprias de um conhecimento científico que tem por objetivo compreender, a partir da análise de fontes históricas, as tramas do passado (ainda que recente). Por esse motivo, a ANPUH – Associação Nacional de História, entidade que congrega aproximadamente quatro mil profissionais de História atuantes no ensino, na pesquisa e nas instituições voltadas à preservação do patrimônio, julga fundamental a participação de historiadores profissionais na Comissão da Verdade.

Os estudos históricos desenvolvidos no Brasil na atualidade são de altíssima qualidade e nossos historiadores são reconhecidos nas mais renomadas instituições de pesquisa do mundo. Muitos se dedicam ao campo que se convencionou chamar de “história do tempo presente”, que antes era visto, em razão de sua proximidade cronológica, como inadequado ao historiador. Tal concepção se alterou profundamente e hoje se sabe que a distância temporal não é garantia de distanciamento intelectual (afinal, histórias muito antigas ainda podem fomentar conflitos sangrentos, como acontece no Oriente Médio). Da mesma forma, os historiadores podem se voltar a processos bastante recentes, valendo-se de um distanciamento analítico possibilitado por procedimentos rigorosos de pesquisa. Por isso, certamente, diversos são os profissionais capacitados para compor a referida Comissão. Eles têm o dever e a capacidade de pensar os temas tratados em tão importante fórum não apenas pelas lentes afetivas da memória, mas também pela perspectiva racional da História. Por isso, sua presença é imprescindível nos trabalhos da Comissão da Verdade e nos debates por ela suscitados que, com certeza, mobilizarão a sociedade brasileira no próximo ano.

Diretoria da ANPUH – Associação Nacional de História.
Gestão 2011-2013.
FONTE: ANPUH.
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