Seca, Fome e Poder.
Publicado em 07.01.2007
A recente divulgação feita pelo Pnud do Índice de Desenvolvimento Humano dos vários países do mundo dá margem a que se faça uma apreciação sobre a situação em que vivemos. Assim, a mídia procura mostrar que há uma forte coincidência entre o baixo IDH dos vários países do mundo com o fato de os mesmos se localizarem em áreas que são freqüentemente assolados pelas secas. E seca e fome são fatos muito sensíveis a nós, nordestinos, que vivemos em área de deficiência de chuvas e de intensa ocorrência de fome, ora endêmica, ora epidêmica, como já salientava, há décadas, o grande brasileiro Josué de Castro.
Os países que possuem o mais baixo IDH do mundo situam-se na África, sobretudo nas áreas próximas ou no próprio deserto do Saara, como Guiné Bissau (antiga colônia portuguesa) com 0,349, Mali e Niger (antigas colônias francesas), com respectivamente 0,338 e 0,371. A Etiópia, tradicional reino africano nas proximidades do mundo árabe, e que esteve, durante anos, sob a dominação colonial da Itália fascista, tem IDH de 0,371. Este é um país original, tradicionalmente cristão, copta, cercado de árabes muçulmanos e manteve no poder uma dinastia autóctone até as últimas décadas do século 20. No Golfo de Guiné, já em parte coberta pela floresta equatorial, encontramos Serra Leoa, com IDH de 0,338, Buquina Faso, com 0,342, Chade, com 0,368 e República Centro-Africana, com 0,353, todos antigas colônias francesas (exceto Serra Leoa). Grande pobreza é ainda encontrada no Burundi, na região montanhosa das nascentes dos formadores do Rio Congo, com IDH de 0,348, e em Moçambique, 0,390, nas margens do Oceano Índico.
Em uma primeira reflexão poderíamos perguntar se haveria relação direta entre a ocorrência de secas e o baixo IDH, mas logo vemos que tal idéia é falsa, vez que há países com grandes áreas desérticas, como a Austrália, formado em sua maior porção por deserto e áreas semi-áridas, e no entanto possui IDH elevadíssimo, de 0,940, situação comparável à de países ricos da Europa Central, Ocidental e Setentrional e, na América do Norte, ao Canadá e Estados Unidos, superiores a 0,900. Leve-se em conta ainda que os EUA têm grande porção do território em áreas desérticas e semi-desérticas.
Mesmo na América Latina, onde as condições de vida são bem mais precárias do que na Europa e na América do Norte, observamos que países com grandes áreas desérticas e semi-desérticas como o México, o Chile, o Peru, a Argentina e o Brasil, têm IDH superior a 0,700, indicando que, apesar de suas preocupações econômicas, têm situação bem melhor do que a dos países africanos culturalmente mencionados.
No que se refere ao Brasil, devemos salientar que, além de o País possuir grande extensão territorial no semi-árido, há um processo acentuado de desertificação, face ao uso desorganizado e predatório de seus solos, que já podem ser considerados núcleos de desertificação. São áreas no Piauí, como a de Gilbués, anteriormente produtora de diamantes, no Ceará, no litoral Norte, no Rio Grande do Norte, no Seridó, onde se faz uma pecuária melhorada e se cultivou durante muito tempo algodão-mocó, e no sub-médio São Francisco, em Pernambuco e na Bahia, onde se desenvolve moderna cultura irrigada.
Manuel Correia de Andrade, historiador e geógrafo, é da APL.
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Seca, Fome e Poder.
Publicado em 07.01.2007
A recente divulgação feita pelo Pnud do Índice de Desenvolvimento Humano dos vários países do mundo dá margem a que se faça uma apreciação sobre a situação em que vivemos. Assim, a mídia procura mostrar que há uma forte coincidência entre o baixo IDH dos vários países do mundo com o fato de os mesmos se localizarem em áreas que são freqüentemente assolados pelas secas. E seca e fome são fatos muito sensíveis a nós, nordestinos, que vivemos em área de deficiência de chuvas e de intensa ocorrência de fome, ora endêmica, ora epidêmica, como já salientava, há décadas, o grande brasileiro Josué de Castro.
Os países que possuem o mais baixo IDH do mundo situam-se na África, sobretudo nas áreas próximas ou no próprio deserto do Saara, como Guiné Bissau (antiga colônia portuguesa) com 0,349, Mali e Niger (antigas colônias francesas), com respectivamente 0,338 e 0,371. A Etiópia, tradicional reino africano nas proximidades do mundo árabe, e que esteve, durante anos, sob a dominação colonial da Itália fascista, tem IDH de 0,371. Este é um país original, tradicionalmente cristão, copta, cercado de árabes muçulmanos e manteve no poder uma dinastia autóctone até as últimas décadas do século 20. No Golfo de Guiné, já em parte coberta pela floresta equatorial, encontramos Serra Leoa, com IDH de 0,338, Buquina Faso, com 0,342, Chade, com 0,368 e República Centro-Africana, com 0,353, todos antigas colônias francesas (exceto Serra Leoa). Grande pobreza é ainda encontrada no Burundi, na região montanhosa das nascentes dos formadores do Rio Congo, com IDH de 0,348, e em Moçambique, 0,390, nas margens do Oceano Índico.
Em uma primeira reflexão poderíamos perguntar se haveria relação direta entre a ocorrência de secas e o baixo IDH, mas logo vemos que tal idéia é falsa, vez que há países com grandes áreas desérticas, como a Austrália, formado em sua maior porção por deserto e áreas semi-áridas, e no entanto possui IDH elevadíssimo, de 0,940, situação comparável à de países ricos da Europa Central, Ocidental e Setentrional e, na América do Norte, ao Canadá e Estados Unidos, superiores a 0,900. Leve-se em conta ainda que os EUA têm grande porção do território em áreas desérticas e semi-desérticas.
Mesmo na América Latina, onde as condições de vida são bem mais precárias do que na Europa e na América do Norte, observamos que países com grandes áreas desérticas e semi-desérticas como o México, o Chile, o Peru, a Argentina e o Brasil, têm IDH superior a 0,700, indicando que, apesar de suas preocupações econômicas, têm situação bem melhor do que a dos países africanos culturalmente mencionados.
No que se refere ao Brasil, devemos salientar que, além de o País possuir grande extensão territorial no semi-árido, há um processo acentuado de desertificação, face ao uso desorganizado e predatório de seus solos, que já podem ser considerados núcleos de desertificação. São áreas no Piauí, como a de Gilbués, anteriormente produtora de diamantes, no Ceará, no litoral Norte, no Rio Grande do Norte, no Seridó, onde se faz uma pecuária melhorada e se cultivou durante muito tempo algodão-mocó, e no sub-médio São Francisco, em Pernambuco e na Bahia, onde se desenvolve moderna cultura irrigada.
Manuel Correia de Andrade, historiador e geógrafo, é da APL.
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