Lançamento do livro "Retrato da Repressão Política no Campo - Brasil 1962-1985 - Camponeses torturados, mortos e desaparecidos", em Recife, reuniu pessoas que nunca deixaram de lado o engajamento na luta por avanços sociais como a reforma agrária e o respeito aos direitos humanos. Debate ilustra a situação de um País que ainda não garantiu à população o direito à memória e à verdade sobre os acontecimentos ocorridos durante a ditadura. O livro é uma publicação do Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural, do MDA, em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
Márcio Markman – Do Recife, Especial para Carta Maior
O que era para ser o lançamento de mais uma obra sobre as vítimas da ditadura militar no Brasil se transformou em um encontro de pessoas que nunca deixaram de lado o engajamento na luta por avanços sociais como a reforma agrária e o respeito aos direitos humanos. É como pode ser definido o evento que levou ao público pernambucano o livro Retrato da Repressão Política no Campo – Brasil 1962-1985 – Camponeses torturados, mortos e desaparecidos, uma publicação do Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural do Ministério do Desenvolvimento Agrário (NEAD/MDA), em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
O lançamento aconteceu nesta quinta-feira, no auditório de Pós-Graduação em História do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). A platéia formada basicamente por estudantes e familiares de antigos militantes da luta dos trabalhadores rurais pode acompanhar um debate que bem ilustra a situação de um País que ainda não garantiu à população o direito à memória e à verdade sobre os acontecimentos ocorridos durante a ditadura militar. Por quase três horas, a discussão enfocou o período e alguns dos personagens retratados no livro, mas ultrapassou a barreira do tempo e se estendeu até a realidade atual vivida pelos camponeses.
“É muito emocionante e uma grande honra lançar esse livro em Pernambuco. Utilizamos uma série de pesquisas de várias partes do País e também realizamos dezenas de entrevistas com pessoas que viveram essas histórias e, nesse sentido, Pernambuco foi extremamente importante”, comentou uma das autoras, a jornalista e antropóloga Marta Cioccari, que divide a autoria com Ana Carneiro.
Coube ao professor Moacir Palmeira, pesquisador do Museu Nacional (MN) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenador do projeto, contar como a ideia do livro foi concebida. “A Secretaria de Direitos Humanos já havia realizado uma série de iniciativas e percebemos que muito pouco se falava do campo. Fundamentalmente o que havia era o registro da Guerrilha do Araguaia. As lutas na cidade eram mais visíveis. A guerrilha urbana, a tortura do DOI CODI. E a gente constatou que a maior parte da repressão aconteceu, na verdade, nas zonas rurais. A ideia do livro é que era preciso revelar para o Brasil essa face oculta da ditadura militar”, revelou.
Depoimentos:
As cerca de 70 pessoas que participaram do encontro tiveram a oportunidade de acompanhar relatos de pessoas que vivenciaram o período de repressão no campo ou que, de alguma forma participaram da luta dos trabalhadores rurais. É o caso de Anacleto Julião, filho do líder das Ligas Camponesas, Francisco Julião. “Eu era muito novo quando comecei a entender o que se passava, principalmente através da minha mãe, Alexina. Porque meu pai estava sempre no mundo, dedicando a vida à luta pela reforma agrária. Tive influência da família e de centenas de camponeses que iam à nossa casa em busca de advogados, de socorro médico. Tudo isso que vivi me ensinou sobre solidariedade”, afirmou Anacleto.
Antropólogo, ele garante jamais ter se desviado dos princípios difundidos pelo pai e por figuras como Gregório Bezerra e Miguel Arraes. “Tenho uma nova tese de que todos eles estão no purgatório, que é um lugar de espera. E lá esperam a continuidade da luta, que nós continuemos a brigar pela reforma agrária, pelo socialismo e por uma sociedade que ainda é utópica, mas que vai deixando de ser a partir do momento em que as mudanças vão acontecendo”.
O ex-presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Pernambuco (Fetape), Euclides Nascimento, relembrou o papel da organização sindical na luta pelos direitos dos camponeses. “Os trabalhadores viviam isolados, desorganizados e sem representatividade. O sindicato nasceu disso. Nós não falávamos em golpe militar, mas em revolução, que não éramos loucos. Mas brigamos contra os senhores de engenho e até contra coronéis que compravam terras e não queriam pagar as indenizações aos trabalhadores”, relatou.
Quem também fez parte da luta sindical foi José Francisco da Silva, ex-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais e da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). “Há trechos do livro em que se a gente não fechar direitinho a torneira do coração a lágrima cai. É um documento muito rico e que não pode ficar restrito a essa sala. Por que não fazer um lançamento no Senado e cobrar o reconhecimento a esses companheiros? Eles merecem muito mais”, indagou.
A diretora do CFCH, Socorro Ferraz, que coordenou a mesa de debates, trouxe a memória de quem militou durante anos na luta pelo direito dos trabalhadores do campo, através do Partido Comunista Brasileiro. “A repressão no campo sempre existiu. Quando a gente ia fazer o nosso trabalho no campo, ninguém sabia se ia voltar”, garantiu a diretora. Ela acredita que as histórias que fazem parte do livro devem ser analisadas pela recém-criada Comissão da Verdade, não apenas no que diz respeito aos casos de pessoas que foram torturadas, mortas e desaparecidas. “É muito importante que a gente lute para que a Comissão da Verdade também recupere como era a realidade dos camponeses, a vida miserável. Nós passávamos dias comendo caroço de jaca cozido. Essas histórias não são uma versão romanceada dos camponeses, é a mais pura verdade”, avaliza.
Para a diretora do CFCH, o encontro realizado na UFPE transcendeu o papel de evento de lançamento do livro. “É uma tarde realmente histórica. Esse é o verdadeiro papel da universidade, manter sempre viva a relação e intervir na Sociedade. Com críticas, denúncias e proposições”, destacou.
Reivindicações:
O contexto era propício e o clima do debate ultrapassou a barreira das lembranças sobre a época da ditadura militar. Apesar do perfil socialista de todos os participantes da mesa, uma série de reivindicações foram levantadas durante o evento. O ex-presidente da Fetape, Euclides Nascimento, chamou a atenção para o problema enfrentado pelas famílias de trabalhadores rurais que vivem nas áreas onde estão sendo instalados alguns dos principais empreendimentos estruturadores da região, casos da Ferrovia Transnordestina, da Transposição do Rio São Francisco e de algumas barragens dos sistemas de abastecimento de água. “Não se pode querer que uma obra de utilidade pública cause calamidade pública. As famílias que estão nas áreas desse projeto estão recebendo uma indenização, mas quem trabalha no campo precisa é de terra”, alertou.
O ex-presidente da Contag, José Francisco da Silva, entregou aos debatedores cópias da carta que a entidade enviou à presidenta Dilma Rousseff e da resposta por parte do Ministério do Desenvolvimento Agrário. “Vocês viram que, nas últimas eleições, pouco se falou sobre reforma agrária. Nosso pedido principal foi para que a reforma agrária no Brasil fosse destravada. Nós temos que pensar qual o projeto de desenvolvimento que nós queremos seguir, que se concentra nas zonas urbanas”, indagou.
A professora do Departamento de História da UFPE, Socorro Abreu, lembrou a importância dos casos relatados no livro a partir das perspectivas da recém-criada Comissão da Verdade. “Foram debatidas muitas questões sobre a situação no campo, mas temos que pensar no compromisso com os direitos humanos. Ainda não sabemos quem são as pessoas que vão fazer parte da Comissão, mas não pode ser um trabalho apenas para inglês ver, porque os organismos internacionais estão pressionando o Brasil. Se nós queremos uma sociedade menos violenta, não podemos esconder essa violência que aconteceu e que nunca foi esclarecida”, afirmou.
Fonte: Carta Maior
Lançamento do livro "Retrato da Repressão Política no Campo - Brasil 1962-1985 - Camponeses torturados, mortos e desaparecidos", em Recife, reuniu pessoas que nunca deixaram de lado o engajamento na luta por avanços sociais como a reforma agrária e o respeito aos direitos humanos. Debate ilustra a situação de um País que ainda não garantiu à população o direito à memória e à verdade sobre os acontecimentos ocorridos durante a ditadura. O livro é uma publicação do Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural, do MDA, em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
Márcio Markman – Do Recife, Especial para Carta Maior
O que era para ser o lançamento de mais uma obra sobre as vítimas da ditadura militar no Brasil se transformou em um encontro de pessoas que nunca deixaram de lado o engajamento na luta por avanços sociais como a reforma agrária e o respeito aos direitos humanos. É como pode ser definido o evento que levou ao público pernambucano o livro Retrato da Repressão Política no Campo – Brasil 1962-1985 – Camponeses torturados, mortos e desaparecidos, uma publicação do Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural do Ministério do Desenvolvimento Agrário (NEAD/MDA), em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
O lançamento aconteceu nesta quinta-feira, no auditório de Pós-Graduação em História do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). A platéia formada basicamente por estudantes e familiares de antigos militantes da luta dos trabalhadores rurais pode acompanhar um debate que bem ilustra a situação de um País que ainda não garantiu à população o direito à memória e à verdade sobre os acontecimentos ocorridos durante a ditadura militar. Por quase três horas, a discussão enfocou o período e alguns dos personagens retratados no livro, mas ultrapassou a barreira do tempo e se estendeu até a realidade atual vivida pelos camponeses.
“É muito emocionante e uma grande honra lançar esse livro em Pernambuco. Utilizamos uma série de pesquisas de várias partes do País e também realizamos dezenas de entrevistas com pessoas que viveram essas histórias e, nesse sentido, Pernambuco foi extremamente importante”, comentou uma das autoras, a jornalista e antropóloga Marta Cioccari, que divide a autoria com Ana Carneiro.
Coube ao professor Moacir Palmeira, pesquisador do Museu Nacional (MN) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenador do projeto, contar como a ideia do livro foi concebida. “A Secretaria de Direitos Humanos já havia realizado uma série de iniciativas e percebemos que muito pouco se falava do campo. Fundamentalmente o que havia era o registro da Guerrilha do Araguaia. As lutas na cidade eram mais visíveis. A guerrilha urbana, a tortura do DOI CODI. E a gente constatou que a maior parte da repressão aconteceu, na verdade, nas zonas rurais. A ideia do livro é que era preciso revelar para o Brasil essa face oculta da ditadura militar”, revelou.
Depoimentos:
As cerca de 70 pessoas que participaram do encontro tiveram a oportunidade de acompanhar relatos de pessoas que vivenciaram o período de repressão no campo ou que, de alguma forma participaram da luta dos trabalhadores rurais. É o caso de Anacleto Julião, filho do líder das Ligas Camponesas, Francisco Julião. “Eu era muito novo quando comecei a entender o que se passava, principalmente através da minha mãe, Alexina. Porque meu pai estava sempre no mundo, dedicando a vida à luta pela reforma agrária. Tive influência da família e de centenas de camponeses que iam à nossa casa em busca de advogados, de socorro médico. Tudo isso que vivi me ensinou sobre solidariedade”, afirmou Anacleto.
Antropólogo, ele garante jamais ter se desviado dos princípios difundidos pelo pai e por figuras como Gregório Bezerra e Miguel Arraes. “Tenho uma nova tese de que todos eles estão no purgatório, que é um lugar de espera. E lá esperam a continuidade da luta, que nós continuemos a brigar pela reforma agrária, pelo socialismo e por uma sociedade que ainda é utópica, mas que vai deixando de ser a partir do momento em que as mudanças vão acontecendo”.
O ex-presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Pernambuco (Fetape), Euclides Nascimento, relembrou o papel da organização sindical na luta pelos direitos dos camponeses. “Os trabalhadores viviam isolados, desorganizados e sem representatividade. O sindicato nasceu disso. Nós não falávamos em golpe militar, mas em revolução, que não éramos loucos. Mas brigamos contra os senhores de engenho e até contra coronéis que compravam terras e não queriam pagar as indenizações aos trabalhadores”, relatou.
Quem também fez parte da luta sindical foi José Francisco da Silva, ex-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais e da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). “Há trechos do livro em que se a gente não fechar direitinho a torneira do coração a lágrima cai. É um documento muito rico e que não pode ficar restrito a essa sala. Por que não fazer um lançamento no Senado e cobrar o reconhecimento a esses companheiros? Eles merecem muito mais”, indagou.
A diretora do CFCH, Socorro Ferraz, que coordenou a mesa de debates, trouxe a memória de quem militou durante anos na luta pelo direito dos trabalhadores do campo, através do Partido Comunista Brasileiro. “A repressão no campo sempre existiu. Quando a gente ia fazer o nosso trabalho no campo, ninguém sabia se ia voltar”, garantiu a diretora. Ela acredita que as histórias que fazem parte do livro devem ser analisadas pela recém-criada Comissão da Verdade, não apenas no que diz respeito aos casos de pessoas que foram torturadas, mortas e desaparecidas. “É muito importante que a gente lute para que a Comissão da Verdade também recupere como era a realidade dos camponeses, a vida miserável. Nós passávamos dias comendo caroço de jaca cozido. Essas histórias não são uma versão romanceada dos camponeses, é a mais pura verdade”, avaliza.
Para a diretora do CFCH, o encontro realizado na UFPE transcendeu o papel de evento de lançamento do livro. “É uma tarde realmente histórica. Esse é o verdadeiro papel da universidade, manter sempre viva a relação e intervir na Sociedade. Com críticas, denúncias e proposições”, destacou.
Reivindicações:
O contexto era propício e o clima do debate ultrapassou a barreira das lembranças sobre a época da ditadura militar. Apesar do perfil socialista de todos os participantes da mesa, uma série de reivindicações foram levantadas durante o evento. O ex-presidente da Fetape, Euclides Nascimento, chamou a atenção para o problema enfrentado pelas famílias de trabalhadores rurais que vivem nas áreas onde estão sendo instalados alguns dos principais empreendimentos estruturadores da região, casos da Ferrovia Transnordestina, da Transposição do Rio São Francisco e de algumas barragens dos sistemas de abastecimento de água. “Não se pode querer que uma obra de utilidade pública cause calamidade pública. As famílias que estão nas áreas desse projeto estão recebendo uma indenização, mas quem trabalha no campo precisa é de terra”, alertou.
O ex-presidente da Contag, José Francisco da Silva, entregou aos debatedores cópias da carta que a entidade enviou à presidenta Dilma Rousseff e da resposta por parte do Ministério do Desenvolvimento Agrário. “Vocês viram que, nas últimas eleições, pouco se falou sobre reforma agrária. Nosso pedido principal foi para que a reforma agrária no Brasil fosse destravada. Nós temos que pensar qual o projeto de desenvolvimento que nós queremos seguir, que se concentra nas zonas urbanas”, indagou.
A professora do Departamento de História da UFPE, Socorro Abreu, lembrou a importância dos casos relatados no livro a partir das perspectivas da recém-criada Comissão da Verdade. “Foram debatidas muitas questões sobre a situação no campo, mas temos que pensar no compromisso com os direitos humanos. Ainda não sabemos quem são as pessoas que vão fazer parte da Comissão, mas não pode ser um trabalho apenas para inglês ver, porque os organismos internacionais estão pressionando o Brasil. Se nós queremos uma sociedade menos violenta, não podemos esconder essa violência que aconteceu e que nunca foi esclarecida”, afirmou.
Fonte: Carta Maior
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