terça-feira, novembro 01, 2011

Coluna: Manuel Correia de Andrade.

O século das mulheres
Publicado em 14.05.2006

O Chile acaba de eleger uma mulher, Michelle Bachelet, presidente da república por expressiva maioria de votos. E ela é o que podemos dizer, com todo o respeito que merece, uma mulher liberada, ela é socialista, agnóstica, médica, divorciada e desenvolve uma grande atividade política, disputando espaço nos cargos públicos e nos riscos que correm todos os políticos latino-americanos na disputa pelo poder. Convém lembrar que, neste ano de 2006, ela é a terceira mulher vitoriosa em países bem diferentes. Foi uma mulher quem venceu as eleições na República Federal da Alemanha, um dos países mais cultos e ricos do mundo, ganhou o cargo de chanceler e está governando o país, em contraste com o poderio alemão, também na pequena e esfomeada república da Libéria, o poder foi conquistado por uma mulher que venceu o seu competidor, um famoso ex-jogador de futebol. 

O Chile não é tão poderoso e rico como a Alemanha, nem tampouco um país pobre como a Libéria. É um dos países latino-americanos de médio porte, com equilibrada situação econômica, que atravessou, na segunda metade do século 20, uma das mais sanguinárias ditaduras militares do continente e que, tendo uma formação hispano-católica, tem uma estrutura sociopolítica conservadora. Basta que se diga que, só no século 20 o divórcio foi legalizado no país, o que nos leva a crer que ainda haja um forte resquício de preconceito contra as mulheres divorciadas, como a sua atual presidente. 

Formado por uma estreita faixa de terra, imprensado entre a Argentina e o Pacífico, o país tem o que o economista Aníbal Pinto chamou de uma “geografia difícil”. Com extensão média de cerca de 756.000 km² e uma população de 176 milhões de habitantes, é o menos extenso dos países andinos (Venezuela, Colômbia, Peru e Bolívia), mais populoso do que a Bolívia (8.800.000 habitantes) e menos que a Venezuela (26.200.000 habitantes), a Colômbia (45.500.000) e o Peru (26.500.000). 

Ocorre que, no continente, ele é o terceiro país mais industrializado, face ao Brasil e à Argentina, e apresenta condições de desenvolvimento mais elevadas do que a dos demais países andinos, fato que dificultou a sua integração na comunidade andina. O seu IDH era, em 2002, superior ao do Brasil – 0,84 contra 0,78 –, e quase idêntico ao da Argentina, de 0,85. Se o relacionarmos com os países andinos, Venezuela (0,78), Colômbia (0,77), Equador (0,74), Peru (0,75) e Bolívia (0,68), veremos que, apesar de suas condições geográficas desfavoráveis, é um país bem mais rico. 

Na verdade, o Chile se diversifica consideravelmente à proporção que se caminha do norte para o sul, na porção setentrional domina um clima tropical desértico, com solos ricos em minerais, como o salitre e o cobre. Tem um clima temperado de altitude no centro, onde domina uma pecuária leiteira e uma agricultura bastante diversificada, para, finalmente, ao sul, apresentar um clima frio onde sopram os ventos antárticos muito fortes, que dificultam as atividades econômicas ligadas à pecuária e à pesca. País montanhoso, localizado em grande parte sobre a Cordilheira dos Andes, dispõe de belas paisagens, majestosos vulcões e lagos de águas frias que congelam no inverno. Possuindo boas estradas que o cortam de norte a sul, oferece condições privilegiadas ao turismo e dispõe de ricos e pitorescos balneários. Apesar de sua distância da Europa e da América do Norte, exerce uma grande atração turística, que inclui ainda o Brasil e a Argentina. 

Do ponto de vista geopolítico, o Chile é enfraquecido pela vizinhança com a Argentina, com mais de 4 mil quilômetros de fronteira, e com uma certa rivalidade com este país, de vez que os argentinos, no século 19, lhe tomaram grande parte da Patagônia. Tem também uma certa rivalidade ao norte com o Peru e a Bolívia, que foram derrotados na segunda metade do século 19 e aos quais o Chile conquistou a província da Arica (ao Peru) e a de Antofagasta (à Bolívia). Com isso, ele privou este país do acesso ao mar, criando uma forte pendência, juridicamente ainda não resolvida. 

O país se encontra indeciso entre o mercado comum latino-americano, que o corteja, e uma aproximação maior com os Estados Unidos, seu grande parceiro comercial. 

Diante de dilemas como esses, de problemas políticos sérios a resolver, encontra-se uma mulher, a nova presidente desse país meridional que está em uma fase favorável de expansão econômica.
Manuel Correia de Andrade, historiador e geógrafo, é da APL. 
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O século das mulheres
Publicado em 14.05.2006

O Chile acaba de eleger uma mulher, Michelle Bachelet, presidente da república por expressiva maioria de votos. E ela é o que podemos dizer, com todo o respeito que merece, uma mulher liberada, ela é socialista, agnóstica, médica, divorciada e desenvolve uma grande atividade política, disputando espaço nos cargos públicos e nos riscos que correm todos os políticos latino-americanos na disputa pelo poder. Convém lembrar que, neste ano de 2006, ela é a terceira mulher vitoriosa em países bem diferentes. Foi uma mulher quem venceu as eleições na República Federal da Alemanha, um dos países mais cultos e ricos do mundo, ganhou o cargo de chanceler e está governando o país, em contraste com o poderio alemão, também na pequena e esfomeada república da Libéria, o poder foi conquistado por uma mulher que venceu o seu competidor, um famoso ex-jogador de futebol. 

O Chile não é tão poderoso e rico como a Alemanha, nem tampouco um país pobre como a Libéria. É um dos países latino-americanos de médio porte, com equilibrada situação econômica, que atravessou, na segunda metade do século 20, uma das mais sanguinárias ditaduras militares do continente e que, tendo uma formação hispano-católica, tem uma estrutura sociopolítica conservadora. Basta que se diga que, só no século 20 o divórcio foi legalizado no país, o que nos leva a crer que ainda haja um forte resquício de preconceito contra as mulheres divorciadas, como a sua atual presidente. 

Formado por uma estreita faixa de terra, imprensado entre a Argentina e o Pacífico, o país tem o que o economista Aníbal Pinto chamou de uma “geografia difícil”. Com extensão média de cerca de 756.000 km² e uma população de 176 milhões de habitantes, é o menos extenso dos países andinos (Venezuela, Colômbia, Peru e Bolívia), mais populoso do que a Bolívia (8.800.000 habitantes) e menos que a Venezuela (26.200.000 habitantes), a Colômbia (45.500.000) e o Peru (26.500.000). 

Ocorre que, no continente, ele é o terceiro país mais industrializado, face ao Brasil e à Argentina, e apresenta condições de desenvolvimento mais elevadas do que a dos demais países andinos, fato que dificultou a sua integração na comunidade andina. O seu IDH era, em 2002, superior ao do Brasil – 0,84 contra 0,78 –, e quase idêntico ao da Argentina, de 0,85. Se o relacionarmos com os países andinos, Venezuela (0,78), Colômbia (0,77), Equador (0,74), Peru (0,75) e Bolívia (0,68), veremos que, apesar de suas condições geográficas desfavoráveis, é um país bem mais rico. 

Na verdade, o Chile se diversifica consideravelmente à proporção que se caminha do norte para o sul, na porção setentrional domina um clima tropical desértico, com solos ricos em minerais, como o salitre e o cobre. Tem um clima temperado de altitude no centro, onde domina uma pecuária leiteira e uma agricultura bastante diversificada, para, finalmente, ao sul, apresentar um clima frio onde sopram os ventos antárticos muito fortes, que dificultam as atividades econômicas ligadas à pecuária e à pesca. País montanhoso, localizado em grande parte sobre a Cordilheira dos Andes, dispõe de belas paisagens, majestosos vulcões e lagos de águas frias que congelam no inverno. Possuindo boas estradas que o cortam de norte a sul, oferece condições privilegiadas ao turismo e dispõe de ricos e pitorescos balneários. Apesar de sua distância da Europa e da América do Norte, exerce uma grande atração turística, que inclui ainda o Brasil e a Argentina. 

Do ponto de vista geopolítico, o Chile é enfraquecido pela vizinhança com a Argentina, com mais de 4 mil quilômetros de fronteira, e com uma certa rivalidade com este país, de vez que os argentinos, no século 19, lhe tomaram grande parte da Patagônia. Tem também uma certa rivalidade ao norte com o Peru e a Bolívia, que foram derrotados na segunda metade do século 19 e aos quais o Chile conquistou a província da Arica (ao Peru) e a de Antofagasta (à Bolívia). Com isso, ele privou este país do acesso ao mar, criando uma forte pendência, juridicamente ainda não resolvida. 

O país se encontra indeciso entre o mercado comum latino-americano, que o corteja, e uma aproximação maior com os Estados Unidos, seu grande parceiro comercial. 

Diante de dilemas como esses, de problemas políticos sérios a resolver, encontra-se uma mulher, a nova presidente desse país meridional que está em uma fase favorável de expansão econômica.
Manuel Correia de Andrade, historiador e geógrafo, é da APL. 
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