domingo, junho 09, 2013

"Até os Inimigos Respeitavam a Palavra de Prestes"


A segunda mulher de uma lenda. Tarefeira, Altamira Rodrigues Sobral - filha de um comunista de Poção, Agreste - ainda não era Maria Prestes. Em 1949, aos 17, é presa no Recife. Por ordem do Comitê Estadual do PCB atuava no setor de agitação e propaganda, dirigia a panfletagem e pichação em fábricas e universidades.

Solta, vai viver com um jornalista comunista, que cai e na cadeia delata militantes. A prisão muda o destino de "Mira". Vai para o Rio, onde vira segurança de Luiz Carlos Prestes. Por telefone, Maria Prestes falou ao JC sobre o livro Meu Companheiro, que lança sobre os 40 anos com o líder comunista.

JORNAL DO COMMERCIO - O livro é uma biografia ou um testemunho histórico dos 40 anos de vida com Luiz Carlos Prestes?

MARIA PRESTES - É uma biografia dos 40 anos que vivi com o Prestes. Está em português e espanhol. Ele já tinha sido lançado em 1992, mas como havia muita procura, decidi relançar. Acrescentei alguns documentos, algumas fotografias, e está revisado. Fala da minha infância, da minha juventude, da minha participação nos movimentos (políticos), junto com o partido (PCB). Eu sou filha de comunista. Participei das lutas (campanha nacionalista) pelo "Petróleo é nosso", da campanha pela paz, contra a bomba atômica, contra a carestia. No governo do Barbosa Lima (Sobrinho, 1948-1951), em Pernambuco, fui presa, tive a cabeça tosquiada. Depois de solta, o partido me retirou do Recife. Fui para São Paulo, onde meu pai estava muito doente. Depois que meu pai faleceu, fui designada segurança do Prestes. Minha vida começou assim, eu responsável por esse homem. Durante 40 anos, eu fiz a segurança dele. Foram dez anos de clandestinidade (1950-1959), dez anos de uma semilegalidade (1960-1969), mais dez anos de imigração (exílio na URSS, 1969) e o retorno ao Brasil (após anistia de 1979), até ele falecer, em 1990. Foi assim a minha vida com Prestes.

JC - O PCB procurou sempre, nos anos de clandestinidade, preservar a imagem de Prestes como um revolucionário solitário, homem dedicado integralmente à revolução comunista. Como era Prestes em pessoa? E o Prestes político?

MARIA PRESTES - Nesse livro, vocês vão conhecer o lado humano do Prestes. Porque o povo conhece, geralmente, o Prestes como o político, que foi perseguido durante 60 anos no Brasil, e dez anos de cadeia (1936-1945). Quando a sua primeira mulher, Olga (Benário), foi deportada para um campo de concentração (na Alemanha de Hitler, sendo morta em uma câmara de gás), ele ficou na prisão até 45, quando foi solto (fim do Estado Novo, de Getúlio Vargas). Foi candidato a senador (Constituinte de 1946), sendo o mais votado no Brasil. Como político, foi coerente com seus ideais e sempre defendeu suas ideias com muita perseverança. Ele sempre foi rigoroso nas suas decisões. A palavra de Prestes era respeitada até por seus inimigos. Defendeu com dignidade, muito caráter e firmeza as suas ideias. Como pai de família sempre foi um homem humano, carinhoso, dedicado, gostava muito de criança, ajudava muito nos afazeres de casa, gostava de cozinhar, gostava de plantar, sempre fazia um jardim com rosas, uma ‘hortazinha’ nas casa em que morávamos, gostava de trabalhar com a terra. Foi um homem dedicado nesses momentos que tinha para sobreviver clandestino.

JC - Qual era a visão de Prestes sobre o Brasil?

MARIA PRESTES - Depois de fazer a Coluna Prestes (1925-1927), ele migra para a Bolívia (1927), de lá vai para Buenos Aires (Argentina) e de lá vai para a União Soviética. Aí ele começa a estudar e a participar das ideias de socialismo e comunismo. Mas, ele nunca deixou de defender o social no Brasil, porque o sistema aqui é capitalista. Ele sempre aconselhou as pessoas a conhecer as leis e defender os seus direitos. Ele sempre teve este ponto de vista e sempre questionou nesses momentos (a pobreza, a exploração). Hoje, não se vê lideranças tão ativas. Sindicatos, ligas camponesas, associações de bairros, lutando em defesa dos seus direitos e das conquistas na Constituição. O brasileiro tem que conhecer e defender. Prestes era muito rigoroso nessas posições e decisões. Os deputados são eleitos para fazer benefícios para o povo, cumprir o que prometem, mas na realidade não é o que se vê hoje.

JC - A despolitização de novas e futuras gerações reforça a preocupação em preservar a memória de Prestes?

MARIA PRESTES - Os países latinos estão culturalmente muito atrasados. Perguntar a um jovem na rua quem foi Getúlio Vargas, quem foi Juscelino (Kubitschek), quem foi Castelo Branco (general, primeiro presidente do Golpe de 64), poucos sabem responder. Perguntar a um jovem quem foi Antônio Callado e quem foi Graciliano Ramos (escritores comunistas), poucos sabem responder. Não sabem quem foram esses escritores quanto mais esses políticos históricos. A gente tem que incentivar os jovens a estudar e a conhecer a história do seu País, resgatar esses homens que lutaram e deram a vida para que hoje a gente esteja falando abertamente sobre democracia.

JC - Como foi a tarefa de manter em segurança, na clandestinidade, um homem público como Prestes sem que ele fosse descoberto?

MARIA PRESTES - Eu tinha 20 anos (quando foi indicada para cuidar de Prestes). Ele tinha 54. Fui indicada pelo PCB. Eu atuava no partido e os companheiros do comitê central resolveram me dar a tarefa porque confiaram em mim. Eu era uma pessoa (que servia) para receber a tarefa e cumprir, e eu cumpri. O Prestes ficou comigo dez anos, na clandestinidade, e nunca a polícia descobriu que era eu quem estava tomando conta dele. No partido, antigamente, existia disciplina. A gente discutia as coisas e ficava ali na direção. Levávamos as palavras de ordem para as bases, para as pessoas entenderem o porquê de a gente estar lutando. Isso, hoje, os partidos não têm. Todos os partidos, hoje, são iguais.

JC - Quais os momentos mais difíceis dessa convivência com Prestes?

MARIA PRESTES - Eu tinha que ser vigilante com a atuação (comportamento) dele dentro de casa. Não podia falar alto, não podia ir à janela, não podia andar na rua, não podia fazer determinadas coisas que chamassem a atenção, que os vizinhos escutassem e soubessem que tinha mais uma pessoa dentro de casa. Então, esses foram os momentos mais difíceis. Mas, o Prestes era um homem muito disciplinado, compreensivo, colaborava com o meu trabalho. Por isso é que passamos dez anos e nos demos muito bem. Quando ele me propôs casar com ele, tivemos uma família muito bonita. Meus filhos só foram saber quem era o pai quando eu imigrei para Moscou. Antes, aqui no Brasil, eles não souberam quem era o pai (Prestes era apresentado como um tio). Foram sete filhos. Tenho 25 netos e 12 bisnetos.

JC - Recentemente, o Senado Federal devolveu a Prestes o mandato cassado em 1947, quando o registro do PCB foi cassado. Qual a simbologia deste ato?

MARIA PRESTES - Foi no dia 22 (de maio). Eu fui a Brasília receber o diploma dele, porque foi revogada a cassação. O diploma de Prestes, a vida de Prestes e a eleição na qual foi vitoriosa (1946) pertencem ao povo brasileiro. Eu não reivindiquei nada, nem estou querendo indenização, eu quero resgatar o nome do Prestes, que pertence à história do Brasil. É o povo brasileiro que tem que fazer o julgamento do Prestes. Ele é um homem histórico, pertence à história do Brasil, fez a Coluna Prestes, teve a sua vida política como senador, como secretário do partido. A história do Brasil não pode negar o nome de Luiz Carlos Prestes. Um exemplo de perseverança nas ideias que defendeu. Justiça social, reforma agrária, educação, saúde e salário digno para os brasileiros viverem com dignidade com seus familiares.

JC - Como Prestes estaria vendo o governo da presidente Dilma (PT)?

MARIA PRESTES - Eu acho que o Brasil deu um passo muito grande com essa Comissão da Verdade, que está botando muita coisa da ditadura para fora. A presidente Dilma é uma mulher que merece ser considerada. No Brasil, vencemos o tabu das mulheres. Elas estão agora tomando o comando do Brasil. É difícil porque ela está numa gaiola arrodiada (sic) de leões e tigres. Os projetos não andam. Mas, é uma pessoa de boa índole, de boas intenções, tem tomado medidas muito boas, mas as coisas não são tão fáceis no Brasil".

Por Ayrton Maciel. 
FONTE: Jornal do Commercio / Blog do Jamildo.
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A segunda mulher de uma lenda. Tarefeira, Altamira Rodrigues Sobral - filha de um comunista de Poção, Agreste - ainda não era Maria Prestes. Em 1949, aos 17, é presa no Recife. Por ordem do Comitê Estadual do PCB atuava no setor de agitação e propaganda, dirigia a panfletagem e pichação em fábricas e universidades.

Solta, vai viver com um jornalista comunista, que cai e na cadeia delata militantes. A prisão muda o destino de "Mira". Vai para o Rio, onde vira segurança de Luiz Carlos Prestes. Por telefone, Maria Prestes falou ao JC sobre o livro Meu Companheiro, que lança sobre os 40 anos com o líder comunista.

JORNAL DO COMMERCIO - O livro é uma biografia ou um testemunho histórico dos 40 anos de vida com Luiz Carlos Prestes?

MARIA PRESTES - É uma biografia dos 40 anos que vivi com o Prestes. Está em português e espanhol. Ele já tinha sido lançado em 1992, mas como havia muita procura, decidi relançar. Acrescentei alguns documentos, algumas fotografias, e está revisado. Fala da minha infância, da minha juventude, da minha participação nos movimentos (políticos), junto com o partido (PCB). Eu sou filha de comunista. Participei das lutas (campanha nacionalista) pelo "Petróleo é nosso", da campanha pela paz, contra a bomba atômica, contra a carestia. No governo do Barbosa Lima (Sobrinho, 1948-1951), em Pernambuco, fui presa, tive a cabeça tosquiada. Depois de solta, o partido me retirou do Recife. Fui para São Paulo, onde meu pai estava muito doente. Depois que meu pai faleceu, fui designada segurança do Prestes. Minha vida começou assim, eu responsável por esse homem. Durante 40 anos, eu fiz a segurança dele. Foram dez anos de clandestinidade (1950-1959), dez anos de uma semilegalidade (1960-1969), mais dez anos de imigração (exílio na URSS, 1969) e o retorno ao Brasil (após anistia de 1979), até ele falecer, em 1990. Foi assim a minha vida com Prestes.

JC - O PCB procurou sempre, nos anos de clandestinidade, preservar a imagem de Prestes como um revolucionário solitário, homem dedicado integralmente à revolução comunista. Como era Prestes em pessoa? E o Prestes político?

MARIA PRESTES - Nesse livro, vocês vão conhecer o lado humano do Prestes. Porque o povo conhece, geralmente, o Prestes como o político, que foi perseguido durante 60 anos no Brasil, e dez anos de cadeia (1936-1945). Quando a sua primeira mulher, Olga (Benário), foi deportada para um campo de concentração (na Alemanha de Hitler, sendo morta em uma câmara de gás), ele ficou na prisão até 45, quando foi solto (fim do Estado Novo, de Getúlio Vargas). Foi candidato a senador (Constituinte de 1946), sendo o mais votado no Brasil. Como político, foi coerente com seus ideais e sempre defendeu suas ideias com muita perseverança. Ele sempre foi rigoroso nas suas decisões. A palavra de Prestes era respeitada até por seus inimigos. Defendeu com dignidade, muito caráter e firmeza as suas ideias. Como pai de família sempre foi um homem humano, carinhoso, dedicado, gostava muito de criança, ajudava muito nos afazeres de casa, gostava de cozinhar, gostava de plantar, sempre fazia um jardim com rosas, uma ‘hortazinha’ nas casa em que morávamos, gostava de trabalhar com a terra. Foi um homem dedicado nesses momentos que tinha para sobreviver clandestino.

JC - Qual era a visão de Prestes sobre o Brasil?

MARIA PRESTES - Depois de fazer a Coluna Prestes (1925-1927), ele migra para a Bolívia (1927), de lá vai para Buenos Aires (Argentina) e de lá vai para a União Soviética. Aí ele começa a estudar e a participar das ideias de socialismo e comunismo. Mas, ele nunca deixou de defender o social no Brasil, porque o sistema aqui é capitalista. Ele sempre aconselhou as pessoas a conhecer as leis e defender os seus direitos. Ele sempre teve este ponto de vista e sempre questionou nesses momentos (a pobreza, a exploração). Hoje, não se vê lideranças tão ativas. Sindicatos, ligas camponesas, associações de bairros, lutando em defesa dos seus direitos e das conquistas na Constituição. O brasileiro tem que conhecer e defender. Prestes era muito rigoroso nessas posições e decisões. Os deputados são eleitos para fazer benefícios para o povo, cumprir o que prometem, mas na realidade não é o que se vê hoje.

JC - A despolitização de novas e futuras gerações reforça a preocupação em preservar a memória de Prestes?

MARIA PRESTES - Os países latinos estão culturalmente muito atrasados. Perguntar a um jovem na rua quem foi Getúlio Vargas, quem foi Juscelino (Kubitschek), quem foi Castelo Branco (general, primeiro presidente do Golpe de 64), poucos sabem responder. Perguntar a um jovem quem foi Antônio Callado e quem foi Graciliano Ramos (escritores comunistas), poucos sabem responder. Não sabem quem foram esses escritores quanto mais esses políticos históricos. A gente tem que incentivar os jovens a estudar e a conhecer a história do seu País, resgatar esses homens que lutaram e deram a vida para que hoje a gente esteja falando abertamente sobre democracia.

JC - Como foi a tarefa de manter em segurança, na clandestinidade, um homem público como Prestes sem que ele fosse descoberto?

MARIA PRESTES - Eu tinha 20 anos (quando foi indicada para cuidar de Prestes). Ele tinha 54. Fui indicada pelo PCB. Eu atuava no partido e os companheiros do comitê central resolveram me dar a tarefa porque confiaram em mim. Eu era uma pessoa (que servia) para receber a tarefa e cumprir, e eu cumpri. O Prestes ficou comigo dez anos, na clandestinidade, e nunca a polícia descobriu que era eu quem estava tomando conta dele. No partido, antigamente, existia disciplina. A gente discutia as coisas e ficava ali na direção. Levávamos as palavras de ordem para as bases, para as pessoas entenderem o porquê de a gente estar lutando. Isso, hoje, os partidos não têm. Todos os partidos, hoje, são iguais.

JC - Quais os momentos mais difíceis dessa convivência com Prestes?

MARIA PRESTES - Eu tinha que ser vigilante com a atuação (comportamento) dele dentro de casa. Não podia falar alto, não podia ir à janela, não podia andar na rua, não podia fazer determinadas coisas que chamassem a atenção, que os vizinhos escutassem e soubessem que tinha mais uma pessoa dentro de casa. Então, esses foram os momentos mais difíceis. Mas, o Prestes era um homem muito disciplinado, compreensivo, colaborava com o meu trabalho. Por isso é que passamos dez anos e nos demos muito bem. Quando ele me propôs casar com ele, tivemos uma família muito bonita. Meus filhos só foram saber quem era o pai quando eu imigrei para Moscou. Antes, aqui no Brasil, eles não souberam quem era o pai (Prestes era apresentado como um tio). Foram sete filhos. Tenho 25 netos e 12 bisnetos.

JC - Recentemente, o Senado Federal devolveu a Prestes o mandato cassado em 1947, quando o registro do PCB foi cassado. Qual a simbologia deste ato?

MARIA PRESTES - Foi no dia 22 (de maio). Eu fui a Brasília receber o diploma dele, porque foi revogada a cassação. O diploma de Prestes, a vida de Prestes e a eleição na qual foi vitoriosa (1946) pertencem ao povo brasileiro. Eu não reivindiquei nada, nem estou querendo indenização, eu quero resgatar o nome do Prestes, que pertence à história do Brasil. É o povo brasileiro que tem que fazer o julgamento do Prestes. Ele é um homem histórico, pertence à história do Brasil, fez a Coluna Prestes, teve a sua vida política como senador, como secretário do partido. A história do Brasil não pode negar o nome de Luiz Carlos Prestes. Um exemplo de perseverança nas ideias que defendeu. Justiça social, reforma agrária, educação, saúde e salário digno para os brasileiros viverem com dignidade com seus familiares.

JC - Como Prestes estaria vendo o governo da presidente Dilma (PT)?

MARIA PRESTES - Eu acho que o Brasil deu um passo muito grande com essa Comissão da Verdade, que está botando muita coisa da ditadura para fora. A presidente Dilma é uma mulher que merece ser considerada. No Brasil, vencemos o tabu das mulheres. Elas estão agora tomando o comando do Brasil. É difícil porque ela está numa gaiola arrodiada (sic) de leões e tigres. Os projetos não andam. Mas, é uma pessoa de boa índole, de boas intenções, tem tomado medidas muito boas, mas as coisas não são tão fáceis no Brasil".

Por Ayrton Maciel. 
FONTE: Jornal do Commercio / Blog do Jamildo.
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