Curiosamente os consumidores do Facebook encontraram um novo lugar para manter a mesma contradição de ser nada e ser alguém: a velha rua.
O povo foi para as ruas? Ele acordou? Isso irá mudar o cenário político atual? Para detalhar e mesmo contrapor alguns argumentos de textos de professores como Henrique Carneiro e Vladimir Safatle e outros teóricos, creio ser necessário nos valermos do instrumental marxista de análise da realidade, para compreender a onda relâmpago de protestos de junho de 2013.
Com os poucos dados científicos que temos e pela observação empírica, já está claro que o “povo” que protagonizou as manifestações pelo país foi o que se costuma chamar de “classe média”, pontuados por participações de outras mais elitistas e outras mais subalternas. Ao que parece, nem mesmo a “nova classe média” ou “classe C” – que possui renda familiar per capita entre R$ 300 a R$ 1000, e tem baixa escolaridade – engrossou as marchas ruidosas.
Podemos depreender isso da única análise parcial de perfil feita pelo Datafolha (FSP, dia 21/6/13) no protesto do dia 20/6/13 em São Paulo. Lá verificou-se que “78% dos manifestantes da Av. Paulista têm Ensino Superior, 20% Médio e 2% Fundamental”. Se considerarmos que no último censo do IBGE de 2010 a fatia da população com nível superior era de 7,9% podemos concluir que o protesto de São Paulo era elitizado e não representou a “massa” pobre e trabalhadora do país.
Embora com menos rigor científico, podemos concluir também que esse perfil foi o padrão em outros cantos do país, a partir da observação empírica. Todas as manifestações possuíam as mesmas características: eram movidas por espontaneísmo, tinham ausência de líderes, multiplicidade de pautas, pautas genéricas, cartazes individuais, e de maioria branca.
Tudo leva a crer que o “gigante que acordou” foi então uma fatia da classe média. Apenas uma fatia, pois como mostra a pesquisa Ibope publicada pela Revista Época (de 21/6/13): 6% da população afirmou ter ido a manifestações. Nesse sentido, podemos concluir que foi uma parte da classe média brasileira que se levantou. Apesar disso, foi o suficiente (principalmente para mídia conservadora e de oposição) para “impressionar”, ter aparência de totalidade, de “unanimidade”, frente a ausência de protestos dessa ordem em nossa história recente. (Contudo em nossos dias, com o tamanho da população do país, os protestos de massa precisam ser redimensionados para representarem uma totalidade. Se chegamos a 1,2 milhões de pessoas na última quinta, seriam necessários pelo menos 10 vezes mais para ser constituído por outras classes sociais proporcionalmente, pois estamos falando de um país continental.)
O despertar, entretanto, se justifica, para essa fatia social, pois de fato não há registros de tamanha manifestação pública desde a passeata por deus, pela família e pela propriedade da década de 60.
Mas por que uma parte da classe média foi para as ruas? Se considerarmos em termos materiais, nos últimos 10 anos, sua qualidade de vida e renda aumentaram, como mostra o PNAD do IBGE de 2010. Ou mesmo em pesquisas da FGV. E como também fica claro na pesquisa Ibope publicada pela Revista Época (de 21/6/13) que mostra que, mesmo entre as pessoas que apoiam os protestos, 69% está satisfeita com sua vida atual e 39% tem expectativas positivas de futuro. Por que, então, protestar?
A interpretação conservadora e de oposição justifica como sendo uma resposta (e tenta pautar as manifestações) à corrupção disseminada no país e aos desmandos da era petista. Seria o “basta”, a “chegada a um limite”, o fim da paciência com governo corrupto e incompetente. A corrente mais progressista, em geral, encontra problemas na crise da democracia representativa.
Ousamos propor uma nova análise.
É preciso levar em conta que não foi o “povo”, como uma totalidade em seus mais variados espectros sociais, que foi para as ruas. Mas uma fatia da classe média.
E quem é esse sujeito jovem de classe média que estreou nas ruas? Aparenta ser um sujeito forjado pelas novas estratégias de consumo do capitalismo contemporâneo.
Nesse sentido, ele vem há cerca de 20 anos sendo levado e formado no ambiente veloz, fluído e mutável do capitalismo financeiro. Ele vem se constituindo pela individualização extrema do consumo e no rompimento total com laços sociais mais perenes. Ele é hiperindividualista. Já há análises exaustivas (como as de Lipovetsky) sobre o novo ser do capitalismo contemporâneo. Podemos dizer, contudo, que este foi o primeiro protesto, a primeira aparição pública dos filhos do atual capitalismo, iniciado pelo neoliberalismo.
Este ser foi criado sob os produtos da indústria contemporânea: a internet e as redes sociais. O Capitalismo que ao mesmo tempo em que o anulava completamente em sua subjetividade, lhe prometeu um retorno através do Facebook. Ao mesmo tempo em que esmagou-lhe no anonimato e na nulidade do mundo do trabalho, lhe acenou, pela esperança midiática, de um reconhecimento público.
São milhões de pessoas que vivem a total insignificância diária, mas almejam o reconhecimento através de frases de efeito, “memes” criativos e posts de impacto. Através da ilusão de importância e notoriedade que os produtos “redes-sociais” vendem a seus consumidores, estes mesmos produtos vão construindo uma realidade hiper-fragmentada, individualista e egocêntrica, facilitada, por sua vez, por toda uma gama de “gadgetes” também hiperindividualizados. Criam a ilusão, por sua vez, da possibilidade de construção de um novo e contraditório tecido social hiperindividualizado. Contudo, as pessoas tendem a não acreditar em mais ninguém que não sejam elas próprias.
Portanto não é este ou aquele governo que não dá voz ou responde aos anseios da população, mas o próprio Capital. Que trabalha na contradição entre massificar e individualizar o consumo ao paroxismo e obriga o sujeito a se resolver entre a insignificância absoluta e os desejos de notoriedade, ou seja, de ser alguém, em última instância de dar sentido a sua vida.
Somente a partir da compreensão sobre a mutação e o surgimento desse novo ser social é que podemos começar a entender a frustração e o descrédito com a política e a democracia.
Não se sustentam os discursos de que a “nossa” corrupção, os “nossos” governantes e a “nossa”classe política desmoralizou nossa democracia. Em verdade, e estatisticamente, não há diferença significativa entre o descrédito dos brasileiros e de populações de outros países europeus ou norte-americanos para com suas democracias.
Em nosso caso, entretanto, podemos considerar duas outras circunstâncias determinantes:
1) Há uma década, praticamente todos os tradicionais representantes e líderes da classe média brasileira foram duramente derrotados ou “mudaram de lado”. É o que se observa na diminuição em termos de voto e prestígio de partidos como PFL/DEM, PSDB, PPB/PP, e no apoio de outros líderes tradicionais, do PMDB, PL, etc., ao projeto petista.
Para quem é de esquerda isso pode não fazer sentido, pois afinal o governo Lula não apresentou rompimento significante com a ordem anterior, mas para essa fatia da classe média foi duro ver seus líderes serem derrotados ou traindo sua origem para continuar no poder. Isso, apesar da falta de dados mais concretos, pode sem dúvida ter contribuído com o descrédito, por parte dessa classe, na política e democracia tradicional.
2) Há também uma década existe uma emissão diuturna, por parte da mídia tradicional (Globo, Folha e Estadão, Veja, etc), de discursos sobre o alastramento da corrupção, que são repercutidos nas redes a exaustão. Dados comprovam contudo que não existiu esse alastramento, mas sim uma continuação dessa prática desde governos muito anteriores. Apesar de ser evidente a ligação desse tipo de corrupção com a história de nosso capitalismo (os corruptores), a mídia conservadora tenta todos os dias identificar essa característica em uma suposta fraqueza moral de seus inimigos políticos.
Essas duas características criaram, no seio da fatia da população que protagonizou as manifestações, um ódio irracional e de classe, acumulado por tudo o que se origina no projeto petista. Ódio que é personalizado em figuras como Arnaldo Jabor, Reinaldo Azevedo e Diogo Mainardi.
Pois bem, apesar da falta de mais dados, podemos considerar que foi a partir da autorização velada (ou mesmo desvelada, como fez Jabor) por parte da mídia tradicional à participação nas manifestações, que os protestos foram tomados por essa classe. Como já é sabido, contudo, foi a esquerda organizada que os iniciou, por uma causa justa, mas pontual: o transporte público.
A partir disso a frase que resumiu esse momento foi dita por alguém: “o Facebook foi para as ruas”. Todo o ódio destilado, já há tempos, em comentários anônimos nas redes sociais e em comentários de sites de notícias, foi para as ruas. Pôde-se ver a cara dessas criaturas.
Ódio multifacetado, disperso, múltiplo e hiperindividualista. Caracterizado pela multidão de cartolinas individuais, contraditórias, genéricas, egocêntricas, tal qual uma timeline da rede. Todos buscando uma foto, um segundo que fosse, de fuga do anonimato. Curiosamente os consumidores do Facebook encontraram um novo lugar para manter a mesma contradição de ser nada e ser alguém: a velha rua.
Numa catarse coletiva, proporcionada, por um lado, por anos acumulando um ódio de classe alimentado pela mídia opositora, e por outro lado pela inquietação advinda da angústia gerada pela insignificância (e promessas de significância) produzida pela Capital, toda essa fatia foi rebelar-se contra tudo e contra todos nas ruas. E foram protestar fundamentalmente contra a política, entendida como espaço público de discussão sobre o poder, nesse sentido, entidade anacrônica com o tipo de consumo engendrado pelo capital. E tudo sustentado materialmente pela estabilidade e segurança econômica e na manutenção da qualidade de vida que o Lulismo proporcionou. Esses fatores, além de outros mais pontuais, fomentaram essa catarse individual/coletiva de final de expediente ou happy-hour.
O cartaz erguido por uma manifestante anônima no protesto de segunda-feira, dia 17/7 (e exibido por um álbum da Folha Online), resume: “meu partido sou eu”. A nova lógica a ser compreendida pela democracia é essa, a de que ela possui cidadãos formados pelo Capital que não toleram mais nem um resquício de coletividade, representatividade ou qualquer forma de vida social que pressuponha a alteridade. Caminho iniciado pelo próprio Capital, objetivando uma nova etapa de acumulação, desde os fins de 1970: caminho esse que pretendia colonizar toda a vida pública. E, a política, compreendida nesses termos, não poderia estar fora deste projeto de dominação.
Por Guilherme Leite Cunha.
FONTE: Revista Fórum.
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Curiosamente os consumidores do Facebook encontraram um novo lugar para manter a mesma contradição de ser nada e ser alguém: a velha rua.
O povo foi para as ruas? Ele acordou? Isso irá mudar o cenário político atual? Para detalhar e mesmo contrapor alguns argumentos de textos de professores como Henrique Carneiro e Vladimir Safatle e outros teóricos, creio ser necessário nos valermos do instrumental marxista de análise da realidade, para compreender a onda relâmpago de protestos de junho de 2013.
Com os poucos dados científicos que temos e pela observação empírica, já está claro que o “povo” que protagonizou as manifestações pelo país foi o que se costuma chamar de “classe média”, pontuados por participações de outras mais elitistas e outras mais subalternas. Ao que parece, nem mesmo a “nova classe média” ou “classe C” – que possui renda familiar per capita entre R$ 300 a R$ 1000, e tem baixa escolaridade – engrossou as marchas ruidosas.
Podemos depreender isso da única análise parcial de perfil feita pelo Datafolha (FSP, dia 21/6/13) no protesto do dia 20/6/13 em São Paulo. Lá verificou-se que “78% dos manifestantes da Av. Paulista têm Ensino Superior, 20% Médio e 2% Fundamental”. Se considerarmos que no último censo do IBGE de 2010 a fatia da população com nível superior era de 7,9% podemos concluir que o protesto de São Paulo era elitizado e não representou a “massa” pobre e trabalhadora do país.
Embora com menos rigor científico, podemos concluir também que esse perfil foi o padrão em outros cantos do país, a partir da observação empírica. Todas as manifestações possuíam as mesmas características: eram movidas por espontaneísmo, tinham ausência de líderes, multiplicidade de pautas, pautas genéricas, cartazes individuais, e de maioria branca.
Tudo leva a crer que o “gigante que acordou” foi então uma fatia da classe média. Apenas uma fatia, pois como mostra a pesquisa Ibope publicada pela Revista Época (de 21/6/13): 6% da população afirmou ter ido a manifestações. Nesse sentido, podemos concluir que foi uma parte da classe média brasileira que se levantou. Apesar disso, foi o suficiente (principalmente para mídia conservadora e de oposição) para “impressionar”, ter aparência de totalidade, de “unanimidade”, frente a ausência de protestos dessa ordem em nossa história recente. (Contudo em nossos dias, com o tamanho da população do país, os protestos de massa precisam ser redimensionados para representarem uma totalidade. Se chegamos a 1,2 milhões de pessoas na última quinta, seriam necessários pelo menos 10 vezes mais para ser constituído por outras classes sociais proporcionalmente, pois estamos falando de um país continental.)
O despertar, entretanto, se justifica, para essa fatia social, pois de fato não há registros de tamanha manifestação pública desde a passeata por deus, pela família e pela propriedade da década de 60.
Mas por que uma parte da classe média foi para as ruas? Se considerarmos em termos materiais, nos últimos 10 anos, sua qualidade de vida e renda aumentaram, como mostra o PNAD do IBGE de 2010. Ou mesmo em pesquisas da FGV. E como também fica claro na pesquisa Ibope publicada pela Revista Época (de 21/6/13) que mostra que, mesmo entre as pessoas que apoiam os protestos, 69% está satisfeita com sua vida atual e 39% tem expectativas positivas de futuro. Por que, então, protestar?
A interpretação conservadora e de oposição justifica como sendo uma resposta (e tenta pautar as manifestações) à corrupção disseminada no país e aos desmandos da era petista. Seria o “basta”, a “chegada a um limite”, o fim da paciência com governo corrupto e incompetente. A corrente mais progressista, em geral, encontra problemas na crise da democracia representativa.
Ousamos propor uma nova análise.
É preciso levar em conta que não foi o “povo”, como uma totalidade em seus mais variados espectros sociais, que foi para as ruas. Mas uma fatia da classe média.
E quem é esse sujeito jovem de classe média que estreou nas ruas? Aparenta ser um sujeito forjado pelas novas estratégias de consumo do capitalismo contemporâneo.
Nesse sentido, ele vem há cerca de 20 anos sendo levado e formado no ambiente veloz, fluído e mutável do capitalismo financeiro. Ele vem se constituindo pela individualização extrema do consumo e no rompimento total com laços sociais mais perenes. Ele é hiperindividualista. Já há análises exaustivas (como as de Lipovetsky) sobre o novo ser do capitalismo contemporâneo. Podemos dizer, contudo, que este foi o primeiro protesto, a primeira aparição pública dos filhos do atual capitalismo, iniciado pelo neoliberalismo.
Este ser foi criado sob os produtos da indústria contemporânea: a internet e as redes sociais. O Capitalismo que ao mesmo tempo em que o anulava completamente em sua subjetividade, lhe prometeu um retorno através do Facebook. Ao mesmo tempo em que esmagou-lhe no anonimato e na nulidade do mundo do trabalho, lhe acenou, pela esperança midiática, de um reconhecimento público.
São milhões de pessoas que vivem a total insignificância diária, mas almejam o reconhecimento através de frases de efeito, “memes” criativos e posts de impacto. Através da ilusão de importância e notoriedade que os produtos “redes-sociais” vendem a seus consumidores, estes mesmos produtos vão construindo uma realidade hiper-fragmentada, individualista e egocêntrica, facilitada, por sua vez, por toda uma gama de “gadgetes” também hiperindividualizados. Criam a ilusão, por sua vez, da possibilidade de construção de um novo e contraditório tecido social hiperindividualizado. Contudo, as pessoas tendem a não acreditar em mais ninguém que não sejam elas próprias.
Portanto não é este ou aquele governo que não dá voz ou responde aos anseios da população, mas o próprio Capital. Que trabalha na contradição entre massificar e individualizar o consumo ao paroxismo e obriga o sujeito a se resolver entre a insignificância absoluta e os desejos de notoriedade, ou seja, de ser alguém, em última instância de dar sentido a sua vida.
Somente a partir da compreensão sobre a mutação e o surgimento desse novo ser social é que podemos começar a entender a frustração e o descrédito com a política e a democracia.
Não se sustentam os discursos de que a “nossa” corrupção, os “nossos” governantes e a “nossa”classe política desmoralizou nossa democracia. Em verdade, e estatisticamente, não há diferença significativa entre o descrédito dos brasileiros e de populações de outros países europeus ou norte-americanos para com suas democracias.
Em nosso caso, entretanto, podemos considerar duas outras circunstâncias determinantes:
1) Há uma década, praticamente todos os tradicionais representantes e líderes da classe média brasileira foram duramente derrotados ou “mudaram de lado”. É o que se observa na diminuição em termos de voto e prestígio de partidos como PFL/DEM, PSDB, PPB/PP, e no apoio de outros líderes tradicionais, do PMDB, PL, etc., ao projeto petista.
Para quem é de esquerda isso pode não fazer sentido, pois afinal o governo Lula não apresentou rompimento significante com a ordem anterior, mas para essa fatia da classe média foi duro ver seus líderes serem derrotados ou traindo sua origem para continuar no poder. Isso, apesar da falta de dados mais concretos, pode sem dúvida ter contribuído com o descrédito, por parte dessa classe, na política e democracia tradicional.
2) Há também uma década existe uma emissão diuturna, por parte da mídia tradicional (Globo, Folha e Estadão, Veja, etc), de discursos sobre o alastramento da corrupção, que são repercutidos nas redes a exaustão. Dados comprovam contudo que não existiu esse alastramento, mas sim uma continuação dessa prática desde governos muito anteriores. Apesar de ser evidente a ligação desse tipo de corrupção com a história de nosso capitalismo (os corruptores), a mídia conservadora tenta todos os dias identificar essa característica em uma suposta fraqueza moral de seus inimigos políticos.
Essas duas características criaram, no seio da fatia da população que protagonizou as manifestações, um ódio irracional e de classe, acumulado por tudo o que se origina no projeto petista. Ódio que é personalizado em figuras como Arnaldo Jabor, Reinaldo Azevedo e Diogo Mainardi.
Pois bem, apesar da falta de mais dados, podemos considerar que foi a partir da autorização velada (ou mesmo desvelada, como fez Jabor) por parte da mídia tradicional à participação nas manifestações, que os protestos foram tomados por essa classe. Como já é sabido, contudo, foi a esquerda organizada que os iniciou, por uma causa justa, mas pontual: o transporte público.
A partir disso a frase que resumiu esse momento foi dita por alguém: “o Facebook foi para as ruas”. Todo o ódio destilado, já há tempos, em comentários anônimos nas redes sociais e em comentários de sites de notícias, foi para as ruas. Pôde-se ver a cara dessas criaturas.
Ódio multifacetado, disperso, múltiplo e hiperindividualista. Caracterizado pela multidão de cartolinas individuais, contraditórias, genéricas, egocêntricas, tal qual uma timeline da rede. Todos buscando uma foto, um segundo que fosse, de fuga do anonimato. Curiosamente os consumidores do Facebook encontraram um novo lugar para manter a mesma contradição de ser nada e ser alguém: a velha rua.
Numa catarse coletiva, proporcionada, por um lado, por anos acumulando um ódio de classe alimentado pela mídia opositora, e por outro lado pela inquietação advinda da angústia gerada pela insignificância (e promessas de significância) produzida pela Capital, toda essa fatia foi rebelar-se contra tudo e contra todos nas ruas. E foram protestar fundamentalmente contra a política, entendida como espaço público de discussão sobre o poder, nesse sentido, entidade anacrônica com o tipo de consumo engendrado pelo capital. E tudo sustentado materialmente pela estabilidade e segurança econômica e na manutenção da qualidade de vida que o Lulismo proporcionou. Esses fatores, além de outros mais pontuais, fomentaram essa catarse individual/coletiva de final de expediente ou happy-hour.
O cartaz erguido por uma manifestante anônima no protesto de segunda-feira, dia 17/7 (e exibido por um álbum da Folha Online), resume: “meu partido sou eu”. A nova lógica a ser compreendida pela democracia é essa, a de que ela possui cidadãos formados pelo Capital que não toleram mais nem um resquício de coletividade, representatividade ou qualquer forma de vida social que pressuponha a alteridade. Caminho iniciado pelo próprio Capital, objetivando uma nova etapa de acumulação, desde os fins de 1970: caminho esse que pretendia colonizar toda a vida pública. E, a política, compreendida nesses termos, não poderia estar fora deste projeto de dominação.
Por Guilherme Leite Cunha.
FONTE: Revista Fórum.
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