quinta-feira, novembro 29, 2012

Um Historiador Vale Tanto Quanto um Médico ou um Advogado, Não é?

O Senado brasileiro vem de aprovar lei regulamentando a profissão de Historiador. A partir de agora, algumas tarefas específicas passarão a ser privilégio profissional de quem tiver formação acadêmica na área. Não é a primeira carreira de nível superior que merece essa regulamentação. Mesmo no campo das Ciências Humanas, Sociólogos e Geógrafos já desfrutam há alguns anos de condição similar. 


Participo do debate sobre a questão, na área de História, ao menos desde os anos 80 do século XX. Lembro de colegas que sustentavam a falta de necessidade de regulamentação em nosso espaço profissional, considerando que importantes historiadores brasileiros do século XX (Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Hollanda e Caio Prado Jr.) não tinham formação em curso superior de História. Esse argumento apresentava duas graves fragilidades: 1) quando os três fizeram cursos superiores, não havia bacharelado em História no Brasil; 2) Freyre, Buarque de Hollanda e Prado Jr. tiveram condições pessoais ou familiares para requintadas formações humanísticas fora do Brasil - respectivamente, Estados Unidos, Alemanha e Grã-Bretanha.

A situação é muito diferente para um jovem brasileiro de classe média ou menos que, nos dias de hoje, estuda História e se lança num mercado de trabalho fortemente regulamentado noutras áreas. Permanecer nesse mercado fora de suas regras dominantes é assistir à consolidação dos direitos alheios sem garantia de direitos próprios.

Regulamentar uma profissão é definir exclusividades de exercício, sim. Isso não se confunde com impedir o direito ao pensamento. A História, como tema, sempre será objeto de livre acesso para jornalistas, ficcionistas, advogados, médicos, cidadãos em geral... O desempenho profissional na área, diferentemente, dependerá de uma comprovada capacidade técnica e teórica, obtida em formação acadêmica - como ocorre em relação a médicos, engenheiros, dentistas...

Há quem legitime a regulamentação de algumas carreiras (Medicina e Direito, particularmente) e reivindique a liberdade de prática profissional para as demais: Medicina lida com vidas humanas, Direito zela pelas garantias individuais e coletivas diante da Lei. Quer dizer que falar sobre o tempo humano (fazer, memória) não possui igual magnitude? Quer dizer que pesquisar e ensinar o Holocausto Nazista ou a Ditadura brasileira de 1964/1984 não é tão minucioso quanto interpretar uma lei ou fazer uma cirurgia? Não vejo hierarquia entre essas práticas. Respeito muito os colegas profissionais de outras áreas regulamentadas. Tenho muito respeito por mim mesmo e pelos demais colegas de minha área profissional.

Enquanto houver regulamentação de algumas profissões, não vejo legitimidade em exigir desregulamentação de outras. Agora, podemos conversar sobre desregulamentação geral das profissões no Brasil. Quem se habilita?

Por Marcos Silva - Professor Titular de Metodologia da História, FFLCH/USP.
FONTE: ANPUH


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O Senado brasileiro vem de aprovar lei regulamentando a profissão de Historiador. A partir de agora, algumas tarefas específicas passarão a ser privilégio profissional de quem tiver formação acadêmica na área. Não é a primeira carreira de nível superior que merece essa regulamentação. Mesmo no campo das Ciências Humanas, Sociólogos e Geógrafos já desfrutam há alguns anos de condição similar. 


Participo do debate sobre a questão, na área de História, ao menos desde os anos 80 do século XX. Lembro de colegas que sustentavam a falta de necessidade de regulamentação em nosso espaço profissional, considerando que importantes historiadores brasileiros do século XX (Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Hollanda e Caio Prado Jr.) não tinham formação em curso superior de História. Esse argumento apresentava duas graves fragilidades: 1) quando os três fizeram cursos superiores, não havia bacharelado em História no Brasil; 2) Freyre, Buarque de Hollanda e Prado Jr. tiveram condições pessoais ou familiares para requintadas formações humanísticas fora do Brasil - respectivamente, Estados Unidos, Alemanha e Grã-Bretanha.

A situação é muito diferente para um jovem brasileiro de classe média ou menos que, nos dias de hoje, estuda História e se lança num mercado de trabalho fortemente regulamentado noutras áreas. Permanecer nesse mercado fora de suas regras dominantes é assistir à consolidação dos direitos alheios sem garantia de direitos próprios.

Regulamentar uma profissão é definir exclusividades de exercício, sim. Isso não se confunde com impedir o direito ao pensamento. A História, como tema, sempre será objeto de livre acesso para jornalistas, ficcionistas, advogados, médicos, cidadãos em geral... O desempenho profissional na área, diferentemente, dependerá de uma comprovada capacidade técnica e teórica, obtida em formação acadêmica - como ocorre em relação a médicos, engenheiros, dentistas...

Há quem legitime a regulamentação de algumas carreiras (Medicina e Direito, particularmente) e reivindique a liberdade de prática profissional para as demais: Medicina lida com vidas humanas, Direito zela pelas garantias individuais e coletivas diante da Lei. Quer dizer que falar sobre o tempo humano (fazer, memória) não possui igual magnitude? Quer dizer que pesquisar e ensinar o Holocausto Nazista ou a Ditadura brasileira de 1964/1984 não é tão minucioso quanto interpretar uma lei ou fazer uma cirurgia? Não vejo hierarquia entre essas práticas. Respeito muito os colegas profissionais de outras áreas regulamentadas. Tenho muito respeito por mim mesmo e pelos demais colegas de minha área profissional.

Enquanto houver regulamentação de algumas profissões, não vejo legitimidade em exigir desregulamentação de outras. Agora, podemos conversar sobre desregulamentação geral das profissões no Brasil. Quem se habilita?

Por Marcos Silva - Professor Titular de Metodologia da História, FFLCH/USP.
FONTE: ANPUH


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