domingo, setembro 23, 2012

Peter Burke, o Historiador das Ideias.


Historiador dedica-se ao segundo volume da História do Conhecimento. Depois de abordar o período entre Gutemberg e Diderot, o inglês aborda a longa duração entre a Enciclopédia e a Wikipédia.

Apesar do alerta nas escolas desde cedo, corriqueiramente esquecemos que proveito se pode tirar do conhecimento da História. Em tempos de memória caduca e anacrônica, o historiador Peter Burke é voz ativa em nos chamar a atenção. “É freqüente encontrar em seus textos uma ponte entre nosso tumultuado presente e os modos e costumes do passado”, escreveu o sociólogo brasileiro José de Souza Martins na orelha de O historiador como colunista (Civilização Brasileira, 2009), último livro inédito de Burke a ser lançado no Brasil, composto pelos artigos quinzenais que o historiador publica no jornal Folha de S. Paulo há 12 anos. 

Entre 1993 e 1994, Martins foi colega de Burke na University of Cambridge, onde o historiador inglês é professor emérito de história cultural. Peter Burke é hoje referência viva da Nova História, terceira fase da iconoclasta Escola de Annales. Sua linha de estudo privilegia a vida cotidiana e o percurso das ideias, as chamadas mentalidades, em detrimento à mera enumeração de acontecimentos político-militares. Credita-se a essa escola historiográfica, e a suas sumidades, como Fernand Braudel e Jacques Le Goff, o valor que hoje se reconhece nos objetos, na iconografia, no audiovisual e no relato oral como documentos tão importantes e reveladores do passado quanto os registros escritos.

Casado com a brasileira Maria Lucia Pallares-Burke, também historiadora, Peter Burke possui um relação próxima com o Brasil desde 1986, quando foi convidado a dar aulas na Universidade de São Paulo. Prolífico escritor, é autor de 28 livros traduzidos em cerca de 30 línguas – alguns já bibliografia básica em cursos de graduação em História no país, como Uma história social da mídia (Jorge Zahar, 1994) e Cultura popular na idade moderna, recentemente republicado em edição de bolso pela Companhia das Letras. Ele esteve na última Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), entre os dias 4 e 8 de agosto desse ano. 

Junto com a esposa, Burke é responsável por divulgar a obra de Gilberto Freyre, homenageado da Flip desse ano, em meio ao mundo anglófono. Mas sua participação na Flip teve outra natureza. Ele integrou, ao lado de Robert Darnton, historiador do livro e diretor da biblioteca da Universidade de Harvard, a mesa sobre o assunto que mais agita o mercado editorial: o destino do livro na era digital. “As pessoas que ainda querem tocar o papel e cheirar o livro, e daí em diante, terão que estar preparadas para pagar mais. Será um tipo de sistema de dois níveis para os livros eu acho”, diz Burke na entrevista exclusiva ao SaraivaConteúdo que você confere abaixo. 

No final de Fabricação do rei (Jorge Zahar, 2009. 2. ed.), você fala sobre quando os agentes publicitários começaram a desenvolver a imagem dos políticos, como Ronald Reagan e Margaret Thatcher. Nos dias de hoje, na era digital, com a internet, e até no contexto brasileiro, com a Dilma pegando carona na imagem de Lula, como você vê esse processo de fabricação de políticos e líderes? 

Peter Burke. Não tenho certeza se isso está mudando com a digitalização. Eu acho que a partir da era da câmera de televisão os políticos já estão em cena quase o tempo todo. Até quando eles pensam que estão fora do palco, estão encenando, porque tem havido esses famosos incidentes nos últimos dez anos em que gravadores estão ligados e [George W.] Bush, ou algum outro, pensa que estão desligados e começam a falar o que realmente pensam e é tudo captado. Bem, com e-mails é o mesmo problema. Você escreve e-mails achando que são confidenciais e no dia seguinte os vê publicados num jornal. 

Já por muitos anos os políticos tiveram que conviver com essa ideia de que suas vidas privadas são públicas. Talvez as técnicas modernas estejam tornando ainda mais fácil invadir a vida privada do que antes, mas há uma longa tradição em invadir a privacidade. 

O que me interessou no caso de Luiz XIV foi que algumas dessas coisas já existiam no lado da propaganda. Já havia um comitê oficialmente estabelecido para cuidar da imagem do rei nas diferentes mídias daquele tempo, como tapeçarias, moedas e medalhas, gravuras. Enfim, eles olhavam para isso tudo e decidiam, isso vai dar ao rei uma boa imagem ou não? Devemos permitir que isso aconteça ou não? Bom, por outro lado, há todo um underground de imagens do rei, das quais o rei não se importava, que ele não podia impedir, as quais circulavam privadamente. Então, tudo isso já estava em cena no século XVII. 

Nessa época, essa fabricação da imagem se deu mais através da arte, certo? Através de esculturas, quadros etc.? 

Burke. Ah, sim. Do lado oficial havia essas estátuas de Luis XIV erguidas em todas as cidades principais do reino. Em contrapartida, às vezes, à noite, pessoas escreviam grafites desrespeitosos nos pedestais e então, em Paris, foram colocadas barreiras ao redor [das estátuas]. Isso mostra que havia tanta gente querendo escrever coisas desrespeitosas que eles tiveram de cercar as estátuas. 

Falando um pouco em relação ao conhecimento e às crianças que vão à escola hoje. Às vezes era necessário decorar muitas informações, mas agora se tem ferramentas como o Google, no qual se pode simplesmente buscar esses dados instantaneamente. Como você vê a educação combinando esses processos para as novas gerações? 

Burke. Bom, como a maioria das mudanças, há um lado positivo e um lado negativo disso. O lado positivo é o que você mencionou. Não é preciso mais fazer a criança saber a data de batalhas de cor. Se por alguma razão for realmente necessário saber a data de uma batalha, eles clicam na Wikipédia, ou algo assim, e acham instantaneamente. Mas eu ficaria bem desapontado se o ato de aprender coisas de cor desaparecesse por completo. Particularmente, a poesia. E isso ficou bem claro na Flip, porque lá estava Edson Nery da Fonseca que sabia de cor um poema de Gilberto Freire e sem nenhum pedaço de papel ele o recitou com grande paixão. Eu ainda posso recitar poemas de memória, não porque fui feito para aprendê-los, mas os li com tanta frequência para mim mesmo que acabei decorando-os. É um grande prazer poder recitar um poema e não precisar olhar em um livro ou na internet ou algo assim. Tenho um pouco de medo pelas crianças de hoje, que nasceram em um mundo onde a internet já estava lá. Será que elas vão perder essa arte? Não há razão para que elas tenham que perder. Nós podemos dispor as escolas para que aprendam esse tipo de coisa. E, de fato, há mais tempo para isso, porque elas já não estão aprendendo mais as datas. Mas elas ainda tem que decorar a tabuada. [risos] Eu não acho que todas as vezes que você queira saber quanto é 14 vezes sete se tenha que ir ao Google para descobrir. Ainda há um papel para o bom aprendizado oral à moda antiga, mesmo que um espaço menor, agora, graças a esses novos meios de comunicação. 

Sobre o copyright. Nós vimos uma grande mudança na indústria da música e a indústria do livro tem muito a aprender com o exemplo. Agora temos os e-books ganhando espaço. Diante das mudanças na indústria cultural e baseado na experiência da música, em que as grandes gravadoras perdem espaço e as pessoas estão parando de comprar CDs e DVDs, você acha que os livros também deixarão de ser vendidos? As pessoas poderão não comprar mais livros?

Burke. Isso é difícil de dizer. É mais fácil perceber o que tem acontecido com os jornais, pois está ocorrendo mais rápido e porque eu acho que ler um jornal on-line é uma atividade bem mais fácil do que ler um livro on-line. Porque nós já aprendemos a ler jornais pulando rapidamente de uma manchete para a outra, quer dizer, é o que eu chamaria escanear em vez de ler. E então isso quer dizer que as vendas de jornais em papel caem e, ainda pior, os anunciantes não se interessam mais em anunciar num jornal que não vende cópias o bastante. Mas algo interessante aconteceu na Inglaterra quando esse russo bilionário, [Alexander] Lebedev, comprou o jornal Evening Standard, que perdia dinheiro, e decidiu torná-lo gratuito. Assim que isso aconteceu, o número de leitores, é claro, subiu, o que significa que os anunciantes voltaram. Então agora ele lucra. Quer dizer, dar de graça traz lucro e vender traz prejuízo [risos]. 

Eu não acho que isso acontecerá, na mesma escala, com o livro. Suponho que haverá dois preços para os livros agora. O mais barato on-line, mas as pessoas que ainda querem tocar o papel e cheirar o livro, e daí em diante, terão que estar preparadas para pagar mais. Será um tipo de sistema de dois níveis para os livros eu acho. 

E o quanto mais longo o livro, o menos confortável é, claro, lê-lo no Kindle ou algo assim. Eu estava falando ontem a noite: como você vai ler Guerra e paz [de Tolstói]? É não só um esforço para os olhos, é um esforço para os braços e eu não acho que a nova tecnologia é boa para livros longos. Assim eu temo que talvez no futuro as pessoas possam não escrever mais livros longos, que elas decidam escrever somente livros curtos, ou que tenham a diminuição do livro. Ok, eu não tenho nada contra o livro curto. Eu escrevo livros curtos, leio livros curtos. Mas eu ficaria muito triste se livros antigos fossem curtos e se as crianças de hoje fossem privadas de alguns livros longos do passado que são maravilhosos, como Tolstói. Mais uma vez, e isso é um lugar comum em história, há um lado bom e um lado ruim eu acho que em qualquer tipo de mudança que se possa imaginar. O que é bom para uns, é ruim para outros. O que é bom de alguma maneira, é ruim de outra. Nós temos apenas que conviver com isso. 

Há algum livro que você tenha escrito e possa dizer que é seu preferido, ou isso é muito difícil?

Burke. Para mim é muito difícil. O que apanho no mundo externo é que as pessoas acham que meu melhor livro é Cultura popular na idade moderna (Companhia das Letras), que em alguns aspectos é bom, mas o escrevi quando tinha 39 anos e eu gostaria de pensar que melhorei desde então, mas ninguém concorda, talvez porque aquele foi o livro certo na hora certa sobre o assunto certo. Eu gosto de pensar agora que eu tenho explorado alguns tópicos que o público, até outros historiadores, ainda não apanharam. Eu estou esperando que o que escrevi sobre a história da linguagem será um tema de maior interesse em dez ou 15 anos do que é agora. Eu gostaria de pensar que isso é porque eu sou um pioneiro. Mas é claro que as pessoas podem ter opiniões bem erradas sobre si mesmas. Estou estudando Gilberto Freyre, alguém com todos esses talentos, mas nem sempre ele avaliou bem qual o seu pior ou melhor trabalho. Então, se ele não pode fazê-lo, eu certamente não posso. 

 Qual o tema que hoje em dia o fascina mais? O que tem te motivado? 

Burke. O que estou escrevendo agora, e portanto tem puxado todo o resto para segundo plano, é o segundo volume da História do Conhecimento. Escrevi o primeiro que vai de Gutemberg a Diderot e agora eu achei um bom título para o período entre a Enciclopédia e a Wikipédia. Talvez eu não tivesse ousado fazer isso há dez anos. De qualquer forma, quando estava ensinando em tempo integral, era suposto ensinar os séculos XVI e XVII. Mas agora que me aposentei, não tenho período, posso escrever sobre absolutamente o que quiser. Eu comecei a pensar: como chegamos até onde estamos hoje desde os tempos de Diderot? Bem, a única maneira de descobrir é fazer a pesquisa, porque não há livro que conta essa história. Às vezes você quer ler um livro e esse livro não existe, então você acaba escrevendo o livro que gostaria de ler e esperava que alguém tivesse escrito. É bem excitante. Quer dizer, é perigoso para mim, porque eu nunca trabalhei nos séculos XIX e XX dessa maneira. Quando você vem trabalhando 14 anos em um período, começa a temer ficar banal e acabar repetindo a si mesmo. Bem, se eu não tiver nenhuma nova ideia, pelo menos vou escrever sobre um século totalmente novo e esperar que isso me renove.




Por Marcio Debellian e Felipe Pontes.

Fonte: Saraiva Conteúdo.
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Historiador dedica-se ao segundo volume da História do Conhecimento. Depois de abordar o período entre Gutemberg e Diderot, o inglês aborda a longa duração entre a Enciclopédia e a Wikipédia.

Apesar do alerta nas escolas desde cedo, corriqueiramente esquecemos que proveito se pode tirar do conhecimento da História. Em tempos de memória caduca e anacrônica, o historiador Peter Burke é voz ativa em nos chamar a atenção. “É freqüente encontrar em seus textos uma ponte entre nosso tumultuado presente e os modos e costumes do passado”, escreveu o sociólogo brasileiro José de Souza Martins na orelha de O historiador como colunista (Civilização Brasileira, 2009), último livro inédito de Burke a ser lançado no Brasil, composto pelos artigos quinzenais que o historiador publica no jornal Folha de S. Paulo há 12 anos. 

Entre 1993 e 1994, Martins foi colega de Burke na University of Cambridge, onde o historiador inglês é professor emérito de história cultural. Peter Burke é hoje referência viva da Nova História, terceira fase da iconoclasta Escola de Annales. Sua linha de estudo privilegia a vida cotidiana e o percurso das ideias, as chamadas mentalidades, em detrimento à mera enumeração de acontecimentos político-militares. Credita-se a essa escola historiográfica, e a suas sumidades, como Fernand Braudel e Jacques Le Goff, o valor que hoje se reconhece nos objetos, na iconografia, no audiovisual e no relato oral como documentos tão importantes e reveladores do passado quanto os registros escritos.

Casado com a brasileira Maria Lucia Pallares-Burke, também historiadora, Peter Burke possui um relação próxima com o Brasil desde 1986, quando foi convidado a dar aulas na Universidade de São Paulo. Prolífico escritor, é autor de 28 livros traduzidos em cerca de 30 línguas – alguns já bibliografia básica em cursos de graduação em História no país, como Uma história social da mídia (Jorge Zahar, 1994) e Cultura popular na idade moderna, recentemente republicado em edição de bolso pela Companhia das Letras. Ele esteve na última Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), entre os dias 4 e 8 de agosto desse ano. 

Junto com a esposa, Burke é responsável por divulgar a obra de Gilberto Freyre, homenageado da Flip desse ano, em meio ao mundo anglófono. Mas sua participação na Flip teve outra natureza. Ele integrou, ao lado de Robert Darnton, historiador do livro e diretor da biblioteca da Universidade de Harvard, a mesa sobre o assunto que mais agita o mercado editorial: o destino do livro na era digital. “As pessoas que ainda querem tocar o papel e cheirar o livro, e daí em diante, terão que estar preparadas para pagar mais. Será um tipo de sistema de dois níveis para os livros eu acho”, diz Burke na entrevista exclusiva ao SaraivaConteúdo que você confere abaixo. 

No final de Fabricação do rei (Jorge Zahar, 2009. 2. ed.), você fala sobre quando os agentes publicitários começaram a desenvolver a imagem dos políticos, como Ronald Reagan e Margaret Thatcher. Nos dias de hoje, na era digital, com a internet, e até no contexto brasileiro, com a Dilma pegando carona na imagem de Lula, como você vê esse processo de fabricação de políticos e líderes? 

Peter Burke. Não tenho certeza se isso está mudando com a digitalização. Eu acho que a partir da era da câmera de televisão os políticos já estão em cena quase o tempo todo. Até quando eles pensam que estão fora do palco, estão encenando, porque tem havido esses famosos incidentes nos últimos dez anos em que gravadores estão ligados e [George W.] Bush, ou algum outro, pensa que estão desligados e começam a falar o que realmente pensam e é tudo captado. Bem, com e-mails é o mesmo problema. Você escreve e-mails achando que são confidenciais e no dia seguinte os vê publicados num jornal. 

Já por muitos anos os políticos tiveram que conviver com essa ideia de que suas vidas privadas são públicas. Talvez as técnicas modernas estejam tornando ainda mais fácil invadir a vida privada do que antes, mas há uma longa tradição em invadir a privacidade. 

O que me interessou no caso de Luiz XIV foi que algumas dessas coisas já existiam no lado da propaganda. Já havia um comitê oficialmente estabelecido para cuidar da imagem do rei nas diferentes mídias daquele tempo, como tapeçarias, moedas e medalhas, gravuras. Enfim, eles olhavam para isso tudo e decidiam, isso vai dar ao rei uma boa imagem ou não? Devemos permitir que isso aconteça ou não? Bom, por outro lado, há todo um underground de imagens do rei, das quais o rei não se importava, que ele não podia impedir, as quais circulavam privadamente. Então, tudo isso já estava em cena no século XVII. 

Nessa época, essa fabricação da imagem se deu mais através da arte, certo? Através de esculturas, quadros etc.? 

Burke. Ah, sim. Do lado oficial havia essas estátuas de Luis XIV erguidas em todas as cidades principais do reino. Em contrapartida, às vezes, à noite, pessoas escreviam grafites desrespeitosos nos pedestais e então, em Paris, foram colocadas barreiras ao redor [das estátuas]. Isso mostra que havia tanta gente querendo escrever coisas desrespeitosas que eles tiveram de cercar as estátuas. 

Falando um pouco em relação ao conhecimento e às crianças que vão à escola hoje. Às vezes era necessário decorar muitas informações, mas agora se tem ferramentas como o Google, no qual se pode simplesmente buscar esses dados instantaneamente. Como você vê a educação combinando esses processos para as novas gerações? 

Burke. Bom, como a maioria das mudanças, há um lado positivo e um lado negativo disso. O lado positivo é o que você mencionou. Não é preciso mais fazer a criança saber a data de batalhas de cor. Se por alguma razão for realmente necessário saber a data de uma batalha, eles clicam na Wikipédia, ou algo assim, e acham instantaneamente. Mas eu ficaria bem desapontado se o ato de aprender coisas de cor desaparecesse por completo. Particularmente, a poesia. E isso ficou bem claro na Flip, porque lá estava Edson Nery da Fonseca que sabia de cor um poema de Gilberto Freire e sem nenhum pedaço de papel ele o recitou com grande paixão. Eu ainda posso recitar poemas de memória, não porque fui feito para aprendê-los, mas os li com tanta frequência para mim mesmo que acabei decorando-os. É um grande prazer poder recitar um poema e não precisar olhar em um livro ou na internet ou algo assim. Tenho um pouco de medo pelas crianças de hoje, que nasceram em um mundo onde a internet já estava lá. Será que elas vão perder essa arte? Não há razão para que elas tenham que perder. Nós podemos dispor as escolas para que aprendam esse tipo de coisa. E, de fato, há mais tempo para isso, porque elas já não estão aprendendo mais as datas. Mas elas ainda tem que decorar a tabuada. [risos] Eu não acho que todas as vezes que você queira saber quanto é 14 vezes sete se tenha que ir ao Google para descobrir. Ainda há um papel para o bom aprendizado oral à moda antiga, mesmo que um espaço menor, agora, graças a esses novos meios de comunicação. 

Sobre o copyright. Nós vimos uma grande mudança na indústria da música e a indústria do livro tem muito a aprender com o exemplo. Agora temos os e-books ganhando espaço. Diante das mudanças na indústria cultural e baseado na experiência da música, em que as grandes gravadoras perdem espaço e as pessoas estão parando de comprar CDs e DVDs, você acha que os livros também deixarão de ser vendidos? As pessoas poderão não comprar mais livros?

Burke. Isso é difícil de dizer. É mais fácil perceber o que tem acontecido com os jornais, pois está ocorrendo mais rápido e porque eu acho que ler um jornal on-line é uma atividade bem mais fácil do que ler um livro on-line. Porque nós já aprendemos a ler jornais pulando rapidamente de uma manchete para a outra, quer dizer, é o que eu chamaria escanear em vez de ler. E então isso quer dizer que as vendas de jornais em papel caem e, ainda pior, os anunciantes não se interessam mais em anunciar num jornal que não vende cópias o bastante. Mas algo interessante aconteceu na Inglaterra quando esse russo bilionário, [Alexander] Lebedev, comprou o jornal Evening Standard, que perdia dinheiro, e decidiu torná-lo gratuito. Assim que isso aconteceu, o número de leitores, é claro, subiu, o que significa que os anunciantes voltaram. Então agora ele lucra. Quer dizer, dar de graça traz lucro e vender traz prejuízo [risos]. 

Eu não acho que isso acontecerá, na mesma escala, com o livro. Suponho que haverá dois preços para os livros agora. O mais barato on-line, mas as pessoas que ainda querem tocar o papel e cheirar o livro, e daí em diante, terão que estar preparadas para pagar mais. Será um tipo de sistema de dois níveis para os livros eu acho. 

E o quanto mais longo o livro, o menos confortável é, claro, lê-lo no Kindle ou algo assim. Eu estava falando ontem a noite: como você vai ler Guerra e paz [de Tolstói]? É não só um esforço para os olhos, é um esforço para os braços e eu não acho que a nova tecnologia é boa para livros longos. Assim eu temo que talvez no futuro as pessoas possam não escrever mais livros longos, que elas decidam escrever somente livros curtos, ou que tenham a diminuição do livro. Ok, eu não tenho nada contra o livro curto. Eu escrevo livros curtos, leio livros curtos. Mas eu ficaria muito triste se livros antigos fossem curtos e se as crianças de hoje fossem privadas de alguns livros longos do passado que são maravilhosos, como Tolstói. Mais uma vez, e isso é um lugar comum em história, há um lado bom e um lado ruim eu acho que em qualquer tipo de mudança que se possa imaginar. O que é bom para uns, é ruim para outros. O que é bom de alguma maneira, é ruim de outra. Nós temos apenas que conviver com isso. 

Há algum livro que você tenha escrito e possa dizer que é seu preferido, ou isso é muito difícil?

Burke. Para mim é muito difícil. O que apanho no mundo externo é que as pessoas acham que meu melhor livro é Cultura popular na idade moderna (Companhia das Letras), que em alguns aspectos é bom, mas o escrevi quando tinha 39 anos e eu gostaria de pensar que melhorei desde então, mas ninguém concorda, talvez porque aquele foi o livro certo na hora certa sobre o assunto certo. Eu gosto de pensar agora que eu tenho explorado alguns tópicos que o público, até outros historiadores, ainda não apanharam. Eu estou esperando que o que escrevi sobre a história da linguagem será um tema de maior interesse em dez ou 15 anos do que é agora. Eu gostaria de pensar que isso é porque eu sou um pioneiro. Mas é claro que as pessoas podem ter opiniões bem erradas sobre si mesmas. Estou estudando Gilberto Freyre, alguém com todos esses talentos, mas nem sempre ele avaliou bem qual o seu pior ou melhor trabalho. Então, se ele não pode fazê-lo, eu certamente não posso. 

 Qual o tema que hoje em dia o fascina mais? O que tem te motivado? 

Burke. O que estou escrevendo agora, e portanto tem puxado todo o resto para segundo plano, é o segundo volume da História do Conhecimento. Escrevi o primeiro que vai de Gutemberg a Diderot e agora eu achei um bom título para o período entre a Enciclopédia e a Wikipédia. Talvez eu não tivesse ousado fazer isso há dez anos. De qualquer forma, quando estava ensinando em tempo integral, era suposto ensinar os séculos XVI e XVII. Mas agora que me aposentei, não tenho período, posso escrever sobre absolutamente o que quiser. Eu comecei a pensar: como chegamos até onde estamos hoje desde os tempos de Diderot? Bem, a única maneira de descobrir é fazer a pesquisa, porque não há livro que conta essa história. Às vezes você quer ler um livro e esse livro não existe, então você acaba escrevendo o livro que gostaria de ler e esperava que alguém tivesse escrito. É bem excitante. Quer dizer, é perigoso para mim, porque eu nunca trabalhei nos séculos XIX e XX dessa maneira. Quando você vem trabalhando 14 anos em um período, começa a temer ficar banal e acabar repetindo a si mesmo. Bem, se eu não tiver nenhuma nova ideia, pelo menos vou escrever sobre um século totalmente novo e esperar que isso me renove.




Por Marcio Debellian e Felipe Pontes.

Fonte: Saraiva Conteúdo.
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