domingo, agosto 10, 2014

O brasileiro tem alma de feriado, por Nelson Rodrigues


Amigo, o brasileiro tem alma de feriado. Imagino a irritação dos idiotas da objetividade. Dirão eles: “isso não existe, nunca existiu”. O leitor, mesmo sem ser um idiota da objetividade, pode querer uma explicação. Vamos a ela.

Há uns dois ou três anos, houve uma sequência de feriados. A coisa começou numa sexta-feira, continuou no sábado, no domingo e terminou na segunda-feira. Ora, tal saraivada de feriados é a grande utopia do nosso irmão, o brasileiro. Nunca a alma encantadora das esquinas e dos botecos teve tal alegria de viver. Nas ruas, como diz o poeta, os homens eram humanos e divinos e as mulheres, frescas como rosas. Segundo, porém, a minha vizinha gorda e patusca, “não há bem que sempre dure, nem mal que nunca acabe”. Na terça-feira, recomeçou a aprovação dos chamados dias úteis. A volta ao batente é, para o brasileiro, uma dessas melancolias, só comparáveis às de Jó.

Mas eu próprio pensava: “tivemos quatro feriados”. Às dez da manhã, estou na calçada. Coisa interessante. De repente, baixou em mim remorso ou vergonha de, por quatro longos e dilatados dias, ter esquecido o Brasil. Mas como ia dizendo: tomei o táxi e toquei para a cidade. E já esperava ver a praia transformada num deserto. Sim, num deserto de umbigos. Pois bem. Quando o táxi dobrou para a praia, sofri na carne e na alma o maior espanto da vida.

A praia estava inundada de brasileiros. Nunca vi tantos umbigos vadios. Depois de quatro feriados, o banho de mar tinha mais gente do que nunca. Fiz, de mim para mim, a pergunta alarmada: “se o brasileiro não sai da praia, quem faz o Brasil?”. Antes de dobrar na Princesa Isabel, eu descobri esta verdade inapelável e eterna: — O BRASILEIRO TEM ALMA DE FERIADO. Ou por outra: — de domingo. Nós somos dominicais por excelência.

Nelson Rodrigues
O Globo, 5/2/1975

Fonte: Blog de Flavio Campana
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Amigo, o brasileiro tem alma de feriado. Imagino a irritação dos idiotas da objetividade. Dirão eles: “isso não existe, nunca existiu”. O leitor, mesmo sem ser um idiota da objetividade, pode querer uma explicação. Vamos a ela.

Há uns dois ou três anos, houve uma sequência de feriados. A coisa começou numa sexta-feira, continuou no sábado, no domingo e terminou na segunda-feira. Ora, tal saraivada de feriados é a grande utopia do nosso irmão, o brasileiro. Nunca a alma encantadora das esquinas e dos botecos teve tal alegria de viver. Nas ruas, como diz o poeta, os homens eram humanos e divinos e as mulheres, frescas como rosas. Segundo, porém, a minha vizinha gorda e patusca, “não há bem que sempre dure, nem mal que nunca acabe”. Na terça-feira, recomeçou a aprovação dos chamados dias úteis. A volta ao batente é, para o brasileiro, uma dessas melancolias, só comparáveis às de Jó.

Mas eu próprio pensava: “tivemos quatro feriados”. Às dez da manhã, estou na calçada. Coisa interessante. De repente, baixou em mim remorso ou vergonha de, por quatro longos e dilatados dias, ter esquecido o Brasil. Mas como ia dizendo: tomei o táxi e toquei para a cidade. E já esperava ver a praia transformada num deserto. Sim, num deserto de umbigos. Pois bem. Quando o táxi dobrou para a praia, sofri na carne e na alma o maior espanto da vida.

A praia estava inundada de brasileiros. Nunca vi tantos umbigos vadios. Depois de quatro feriados, o banho de mar tinha mais gente do que nunca. Fiz, de mim para mim, a pergunta alarmada: “se o brasileiro não sai da praia, quem faz o Brasil?”. Antes de dobrar na Princesa Isabel, eu descobri esta verdade inapelável e eterna: — O BRASILEIRO TEM ALMA DE FERIADO. Ou por outra: — de domingo. Nós somos dominicais por excelência.

Nelson Rodrigues
O Globo, 5/2/1975

Fonte: Blog de Flavio Campana
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