sexta-feira, janeiro 07, 2011

As Malvinas estão de Volta.

Descobertas petrolíferas no arquipélago britânico a 700 km da costa argentina reanimam uma velha disputa que no passado chegou a provocar uma estranha guerra entre Reino Unido e Argentina

Recentes descobertas de petróleo nas águas próximas das Ilhas Malvinas (Falklands Islands para os britânicos) estão requentando uma antiga disputa entre Buenos Aires e Londres pelo controle deste contestado arquipélago pertencente ao Reino Unido, situado no atlântico sul, a uma distância de 700 km da costa argentina. Em maio de 2010, a empresa britânica Rockhopper anunciou a descoberta do valioso hidrocarboneto no poço Sea Lion - a sul de Rachel, uma das muitas ilhas que compõem a região. Na época, a presidente argentina, Cristina Kirchner, havia solicitado ao primeiro-ministro britânico, David Cameron, que pusesse fim à exploração petrolífera no local, não obtendo, porém, nenhum sucesso.

Nos meses seguintes, a disputa entrou em uma espécie de “Banho-maria”. Isso só terminou em 4 de dezembro, quando outra empresa britânica dedicada à exploração de petróleo nas Malvinas, a Desire Petroleu, comunicou à Bolsa de Londres uma nova descoberta. O efeito foi imediato no âmbito da política externa da Argentina. No mesmo dia, o Ministério de Relações Exteriores do país sul-americano emitiu um comunicado a imprensa no qual reafirmava a necessidade de os governos argentinos e britânicos retomarem negociações acerca da soberania daquele território. Três semanas depois, no último dia 27, David Cameron negou formalmente qualquer tipo de diálogo. A negativa foi muito mal recebida pela chancelaria argentina, que, em novo comunicado, rechaçou a posição de Cameron e exigiu que os britânicos reconhecessem a violação de inúmeros aspectos do direito internacional envolvidos na disputa.

A animosidade em torno das Ilhas Malvinas não representa nenhuma novidade para britânicos ou argentinos. Desde 1833, quando o arquipélago passou a ser administrado pelo Reino Unido, o governo da Argentina reivindica a reintegração de seu antigo território. Para estes, as Ilhas Malvinas lhe pertencem por direito desde a independência porque se trata de um território de antigo controle espanhol. Já para os britânicos, prevalece o descobrimento, a ocupação e a vontade dos kelpers, os habitantes locais.

Em 1982, a disputa entre os dois países ganhou o seu capítulo mais conhecido. Com o intuito de insuflar o nacionalismo na população e desviar o foco das arbitrariedades cometidas pela ditadura argentina, o presidente ditador Leopoldo Galtieri, ordenou em primeiro de abril daquele ano a invasão e tomada das Ilhas Malvinas. O começo da operação foi bem sucedido, com êxito inicial para os militares argentinos, que conseguiram retomar as ilhas atlânticas. Mas isso só foi possível graças ao inesperado. Na época, poucas autoridades britânicas ou mesmo na comunidade internacional esperavam que o impasse fosse resolvido por outras vias que não a diplomática. De uma forma ou de outra, o ato de hostilidade foi prontamente respondido pelos britânicos, com o aval da primeira-ministra Margareth Tatcher e também do Parlamento britânico. Foram enviados porta-aviões, destroiers, fragatas, submarinos e mais de uma centena de unidades com milhares de soldados. Enquanto os jornais de Buenos Aires clamavam pela unidade nacional, a comunidade internacional rechaçava o belicismo argentino. Isolada, com problemas de infra-estrutura e abastecimento, sobretudo quando comparada com o poderia britânico, o governo Argentino recuou e se rendeu em junho do mesmo ano. No conflito, foram 649 mortos do lado argentino e 250 do inglês. As Ilhas voltaram para o domínio britânico e a derrota custou caro aos ocupantes da Casa Rosada. Um ano depois, o regime militar sucumbira e o país retornaria, a partir da eleição de Raúl Alfonsín, em outubro de 1983, ao regime democrático.

Novos tempos, velhas disputas:

No período após a "Guerra das Malvinas", como ficou conhecido o enfrentamento travado entre os dois países em 1982, a Argentina nunca deixou de reivindicar perante a ONU e outros organismos internacionais a soberania das ilhas. No entanto, é curioso notar que o assunto sempre volta à tona com mais ênfase quando ocorre algum cataclisma político no país. É o caso das recentes descobertas petrolíferas na região da Malvinas. Mesmo que especialistas não tenham conseguido ainda determinar se os poços encontrados são lucrativos ou mesmo comercializáveis, Buenos Aires reforçou em dezembro de 2010 a sua postura contra a exploração britânica. Coincidência ou não, o país perdera em outubro passado Néstor Kirchener, ex-presidente do país (2003-2007) e marido da atual presente Cristina Kirchener. Muitos analistas políticos apontavam que Néstor fosse o verdadeiro nome por trás do atual governo. Sua saída, desta forma, seria uma espécie de provação para Cristina, vista com bastante desconfiança, especialmente nos últimos meses, quando o Partido Peronista começou a perder respaldo popular.

A velha rixa com os britânicos também coincide com um importante momento nos tribunais da justiça argentina. É que em 22 de dezembro de 2010, um tribunal federal de Córdoba condenou à prisão perpétua e inibição absoluta perpétua os ex-generais Jorge Rafael Videla e Luciano Benjamin Menéndez, que foram julgados com dezenas de outros militares. Eles foram julgados e condenados por crimes de tortura e assassinatos cometidos na Unidade Penitenciária N°1 na jurisdição do III Corpo do Exército, entre abril e setembro de 1976. Menéndez fora um dos principais generais que participou da invasão às Ilhas Malvinas.

Entre idas e vindas, parece que os argentinos estão o tempo inteiro voltando às lembranças e atores envolvidos na questão das Malvinas.

Na Argentina, atualmente, há várias instituições que lidam com a memória da Guerra de 1982. Na internet, uma das mais atuantes é o site "El Malvinense", uma espécie de diário eletrônico que publica notícias sobre a temática das Malvinas, veteranos de guerra e outros assuntos relacionados à geopolítica da região. No site, há inclusive aquilo que os editores chamam de "Cronologia da Nova Invasão Britânica". Fora da internet, a "Fundación Veteranos de Guerra de Las Islas Malvinas" é uma referência, com presença em boa parte do território argentino.
Para os argentinos, as Ilhas Malvinas ainda parecem ser pautas recorrentes de jornais e fóruns de discussão. Uma memória ainda cinzenta, mas que nunca foi equacionada. Teriam as novas descobertas britânicas de petróleo o poder de motivar novas incursões militares da região? A possibilidade que isso ocorra é a menor possível. No entanto, é significativo para o historiador a maneira como essa antiga memória ainda possui um papel estratégico para o governo argentino.

Fonte: Café História.


Matéria da Rede Globo Feita em Virtude dos 10 Anos da Guerra das Malvinas. (1992)

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Descobertas petrolíferas no arquipélago britânico a 700 km da costa argentina reanimam uma velha disputa que no passado chegou a provocar uma estranha guerra entre Reino Unido e Argentina

Recentes descobertas de petróleo nas águas próximas das Ilhas Malvinas (Falklands Islands para os britânicos) estão requentando uma antiga disputa entre Buenos Aires e Londres pelo controle deste contestado arquipélago pertencente ao Reino Unido, situado no atlântico sul, a uma distância de 700 km da costa argentina. Em maio de 2010, a empresa britânica Rockhopper anunciou a descoberta do valioso hidrocarboneto no poço Sea Lion - a sul de Rachel, uma das muitas ilhas que compõem a região. Na época, a presidente argentina, Cristina Kirchner, havia solicitado ao primeiro-ministro britânico, David Cameron, que pusesse fim à exploração petrolífera no local, não obtendo, porém, nenhum sucesso.

Nos meses seguintes, a disputa entrou em uma espécie de “Banho-maria”. Isso só terminou em 4 de dezembro, quando outra empresa britânica dedicada à exploração de petróleo nas Malvinas, a Desire Petroleu, comunicou à Bolsa de Londres uma nova descoberta. O efeito foi imediato no âmbito da política externa da Argentina. No mesmo dia, o Ministério de Relações Exteriores do país sul-americano emitiu um comunicado a imprensa no qual reafirmava a necessidade de os governos argentinos e britânicos retomarem negociações acerca da soberania daquele território. Três semanas depois, no último dia 27, David Cameron negou formalmente qualquer tipo de diálogo. A negativa foi muito mal recebida pela chancelaria argentina, que, em novo comunicado, rechaçou a posição de Cameron e exigiu que os britânicos reconhecessem a violação de inúmeros aspectos do direito internacional envolvidos na disputa.

A animosidade em torno das Ilhas Malvinas não representa nenhuma novidade para britânicos ou argentinos. Desde 1833, quando o arquipélago passou a ser administrado pelo Reino Unido, o governo da Argentina reivindica a reintegração de seu antigo território. Para estes, as Ilhas Malvinas lhe pertencem por direito desde a independência porque se trata de um território de antigo controle espanhol. Já para os britânicos, prevalece o descobrimento, a ocupação e a vontade dos kelpers, os habitantes locais.

Em 1982, a disputa entre os dois países ganhou o seu capítulo mais conhecido. Com o intuito de insuflar o nacionalismo na população e desviar o foco das arbitrariedades cometidas pela ditadura argentina, o presidente ditador Leopoldo Galtieri, ordenou em primeiro de abril daquele ano a invasão e tomada das Ilhas Malvinas. O começo da operação foi bem sucedido, com êxito inicial para os militares argentinos, que conseguiram retomar as ilhas atlânticas. Mas isso só foi possível graças ao inesperado. Na época, poucas autoridades britânicas ou mesmo na comunidade internacional esperavam que o impasse fosse resolvido por outras vias que não a diplomática. De uma forma ou de outra, o ato de hostilidade foi prontamente respondido pelos britânicos, com o aval da primeira-ministra Margareth Tatcher e também do Parlamento britânico. Foram enviados porta-aviões, destroiers, fragatas, submarinos e mais de uma centena de unidades com milhares de soldados. Enquanto os jornais de Buenos Aires clamavam pela unidade nacional, a comunidade internacional rechaçava o belicismo argentino. Isolada, com problemas de infra-estrutura e abastecimento, sobretudo quando comparada com o poderia britânico, o governo Argentino recuou e se rendeu em junho do mesmo ano. No conflito, foram 649 mortos do lado argentino e 250 do inglês. As Ilhas voltaram para o domínio britânico e a derrota custou caro aos ocupantes da Casa Rosada. Um ano depois, o regime militar sucumbira e o país retornaria, a partir da eleição de Raúl Alfonsín, em outubro de 1983, ao regime democrático.

Novos tempos, velhas disputas:

No período após a "Guerra das Malvinas", como ficou conhecido o enfrentamento travado entre os dois países em 1982, a Argentina nunca deixou de reivindicar perante a ONU e outros organismos internacionais a soberania das ilhas. No entanto, é curioso notar que o assunto sempre volta à tona com mais ênfase quando ocorre algum cataclisma político no país. É o caso das recentes descobertas petrolíferas na região da Malvinas. Mesmo que especialistas não tenham conseguido ainda determinar se os poços encontrados são lucrativos ou mesmo comercializáveis, Buenos Aires reforçou em dezembro de 2010 a sua postura contra a exploração britânica. Coincidência ou não, o país perdera em outubro passado Néstor Kirchener, ex-presidente do país (2003-2007) e marido da atual presente Cristina Kirchener. Muitos analistas políticos apontavam que Néstor fosse o verdadeiro nome por trás do atual governo. Sua saída, desta forma, seria uma espécie de provação para Cristina, vista com bastante desconfiança, especialmente nos últimos meses, quando o Partido Peronista começou a perder respaldo popular.

A velha rixa com os britânicos também coincide com um importante momento nos tribunais da justiça argentina. É que em 22 de dezembro de 2010, um tribunal federal de Córdoba condenou à prisão perpétua e inibição absoluta perpétua os ex-generais Jorge Rafael Videla e Luciano Benjamin Menéndez, que foram julgados com dezenas de outros militares. Eles foram julgados e condenados por crimes de tortura e assassinatos cometidos na Unidade Penitenciária N°1 na jurisdição do III Corpo do Exército, entre abril e setembro de 1976. Menéndez fora um dos principais generais que participou da invasão às Ilhas Malvinas.

Entre idas e vindas, parece que os argentinos estão o tempo inteiro voltando às lembranças e atores envolvidos na questão das Malvinas.

Na Argentina, atualmente, há várias instituições que lidam com a memória da Guerra de 1982. Na internet, uma das mais atuantes é o site "El Malvinense", uma espécie de diário eletrônico que publica notícias sobre a temática das Malvinas, veteranos de guerra e outros assuntos relacionados à geopolítica da região. No site, há inclusive aquilo que os editores chamam de "Cronologia da Nova Invasão Britânica". Fora da internet, a "Fundación Veteranos de Guerra de Las Islas Malvinas" é uma referência, com presença em boa parte do território argentino.
Para os argentinos, as Ilhas Malvinas ainda parecem ser pautas recorrentes de jornais e fóruns de discussão. Uma memória ainda cinzenta, mas que nunca foi equacionada. Teriam as novas descobertas britânicas de petróleo o poder de motivar novas incursões militares da região? A possibilidade que isso ocorra é a menor possível. No entanto, é significativo para o historiador a maneira como essa antiga memória ainda possui um papel estratégico para o governo argentino.

Fonte: Café História.


Matéria da Rede Globo Feita em Virtude dos 10 Anos da Guerra das Malvinas. (1992)

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