O contexto histórico que serviu como cenário para a Independência do Brasil em relação a metrópole lusitana, estava ligado a uma série de fatos históricos bastante importante para a consolidação do mundo contemporâneo. O mundo coidental, agora guiado pela economia liberal, e a diplomacia política, de fato, torona-se um fator preponderante para a manutenção de um mercado econômico estável. Diante disso, o 7 de Setembro, representou indiretamente essa situação, haja vista que, a construção da independência do Brasil se deu mais por acordos políticos e econômicos entre nações, do que, por aclamação e luta ideológica.
E nesse contexto, o "Grito do Ipiranga" nos serve apenas como uma representação simbólica de uma independência "cartorial" e "maquiada", uma vez que, mesmo reconhecendo o grau de complexidade diplomática que os acordos antecendentes a Independência, e avaliando as condições históricas que subsidiaram a formação do Estado brasileiro, os avanços sociais foram insignificantes, se compararmos a outras nações americanas.
Mas, como não podemos ignorar a simbólica data do "7 de Setembro", e as possíveis reflexões que podemos obter com tal fato histórico, principalmente nesse ano eleitoral, irei socializar um texto de qualidade notável sobre a Independência Política do Brasil, retirado do site: http://www.consciência.org/, escrito por: Pedro Brasil Bandecchi.
Boa Leitura.
A INDEPENDÊNCIA DO BRASIL
Transmigração da Família Real e Regência do Príncipe D. João
As idéias dos enciclopedistas1 franceses espalhavam-se pelo mundo, pregando reformas que abalaram a estrutura político-social então vigente. A convocação dos Estados Gerais por Luís XVI era uma vitória do povo e sua repercussão foi grande o que não impediu a Revolução Francesa e a guilhotina que fêz rolar cabeças de soberanos, nobres e, por fim, dos próprios revolucionários.
Diante da ameaça francesa, o mundo arma-se contra a França e esta sente que terá que enfrentar o mundo. Cessado o período do terror, a velha terra gaulesa não teve o desejado sossego e, por isso, sentiu necessidade de um homem forte, capaz de lhe dar ordem interna e enfrentar a ameaça externa. Esse homem foi Napoleão Bonaparte.
Não tardou a Europa a sentir o peso dos seus exércitos. Só a Inglaterra, por ser uma ilha e possuir forte esquadra, pôde ficar livre das tropas do corso. As vitórias, conquistas e atitudes francesas assustam Portugal que deseja ficar neutro num mundo conturbado em que a neutralidade é impossível. E por ser impossível, D. João, príncipe-regente2, joga uma cartada que evidentemente não daria certo: queria ficar de ambos os lados, ludibriando a ambos. Procurava, através de entendimentos secretos, manter o fogo das batalhas fora do seu território. O pêndulo da sua política oscila entre Londres e Paris.
Face a tais atitudes dúbias, mesmo que por vezes bem disfarçadas, Napoleão não aceitou mais entendimentos com D. João e determinou a invasão de Portugal pelas tropas comandadas por Junot e decretou a destruição da família real lusa. A 23 de novembro de 1807, chega a Lisboa a notícia de que os franceses haviam transposto a fronteira portuguesa. Nesta altura dos acontecimentos, só cabia a D. João seguir o conselho de Lord Strangford, de refugiar-se na América.
A invasão napoleónica e a nova do embarque da Família Real para o Brasil, trouxeram desespero entre os habitantes de Lisboa. E em meio ao maior atropelo e confusão realizou-se a partida dos governantes e quantos desejaram livrar-se das conseqüências daquele momento duro e triste.
"A frota real, defendida por alguns vasos de guerra ingleses e composta de umas vinte naus, muitas outras mercantes, velejou o Tejo a 29 de novembro de 1807. Nela iam quinze mil pessoas, grande número de fidalgos, funcionários e famílias que emigravam, e também as riquezas dos palácios reais, que foi possível transportar; e ainda não tinha perdido de vista a terra, quando Junot penetrava em Lisboa, e tomando rapidamente conta da cidade e das fortalezas, aprisionava à bala alguns navios mercantes que iam atrasados, nas águas da esquadra.
Batida pela tempestade, na altura das ilhas da Madeira, a frota dividiu-se em duas, e aquela parte numerosa em que vinha o rei tocou primeiro na Bahia, a 24 de janeiro de 1808. Era a primeira vez que um rei do antigo mundo pisava o solo da América. O povo da Bahia recebeu com grande júbilo os altíssimos hóspedes, e por um momento pensou que à primitiva capital da colônia caberia agora a primazia da sede no novo reino."3
Tendo desembarcado o Príncipe-Regente na Bahia, no dia 24 de janeiro nela ficou até o dia 26 de fevereiro, quando rumou para o Rio, já escolhido para capital do futuro império, apesar das solicitações dos baianos para que ficasse em Salvador. A chegada de D. João ao Brasil acelera o processo da nossa libertação política, pois que a instalação da Corte em terras da América Portuguesa lhe tirava, automaticamente, o caráter de colônia, embora ainda não fosse elevado a Reino. Dá-se, então, a "inversão brasileira" na ajustada definição de Sílvio Romero.
Abertura dos Portos e a Revogação do Alvará de 5 de janeiro de 1785
Ainda na Bahia, o Príncipe-Regente alertado por José da Silva Lisboa, depois visconde de Cairu, pela Carta Elegia de 28 de janeiro de 1808, ordenou "interina e provisoriamente" a abertura dos portos brasileiros às nações amigas. É evidente que se D. João mantivesse os portos fechados, decretaria um auto-bloqueio, estando a Metrópole, como se encontrava, dominada pelos franceses.
Eis o teor da Carta Régia dirigida ao conde da Ponte, governador e capitão-general da Capitania da Bahia:
"Atendendo à representação, que fizeste subir a minha Real Presença, sobre se achar interrompido e suspenso o comércio da Capitania, com grave prejuízo dos meus vassalos e da minha Real Fazenda, em razão das críticas e públicas circunstâncias da Europa; e querendo dar sobre este importante objeto alguma providência pronta e capaz de melhorar o progresso de tais danos, sou servido ordenar interina e provisoriamente, enquanto não consolido um sistema geral que efetivamente regule semelhantes matérias, o seguinte: que sejam admissíveis nas Alfândegas do Brasil todos e quaisquer gêneros, fazendas e mercadorias transportados em navios estrangeiros das Potências, que se conservam em paz e harmonia com minha Real Coroa, ou em navio dos meus vassalos, pagando por entrada vinte e quatro por cento a saber: vinte de direito grosso, e quatro de donativo já estabelecido, regulando-se a cobrança destes direitos pelas pautas, ou aforamento, porque até o presente se regulam cada uma das ditas Alfândegas, ficando os vinhos, águas ardentes e azeites doces, que se denominam molhados, pagando o dobro dos direitos, que até agora nelas satisfaziam. Segundo: que não só os meus vassalos, mas também os sobreditos estrangeiros possam exportar para os portos que bem lhes parecer a benefício do comércio e agricultura, que tanto desejo promover, todos e quaisquer gêneros e produções coloniais, a exceção do pau-brasil, ou outros notoriamente estancados, pagando por saída os mesmos direitos já estabelecidos nas respectivas capitanias, ficando entretanto com suspenso e sem vigor todas as leis, cartas régias, ou outras ordens que até aqui proíbam neste Estado do Brasil o recíproco comércio de navegação entre meus vassalos e estrangeiros. O que tudo assim fareis executar com zelo e atividade que de vós espero."
Deste documento se conclui:
1) que com a invasão da Metrópole interrompeu-se o comércio do Brasil — exportação — pois que só para Portugal podiam ir, até então, os produtos nacionais, normalmente;
2) que a abertura dos portos foi ordenada em caráter interino e provisório;
3) que não só os vassalos de S. M., como também os estrangeiros, poderiam exportar "todos e quaisquer gêneros e produções coloniais."
Outro ato de grande importância para o Brasil foi o de lº de abril do mesmo ano, que revogou o Alvará de 5 de janeiro de 1785, que proibia a instalação de fábricas e indústrias no Brasil, constituindo sério entrave ao nosso desenvolvimento econômico. Entretanto o desastrado Tratado de 1810, assinado com a Inglaterra, "haveria de sustar por muitas décadas o florescimento das atividades industriais do Brasil."4 Este Tratado de 1810 prejudicaria também, e muito, os benefícios da Carta Régia de 1808, que ordenou a abertura dos portos brasileiros às nações amigas.
Administração de D. João VI
A instalação de uma Corte exigia uma longa série de iniciativas e realizações que mareiam bem ato dessa natureza. Fazia-se necessário criar condições para a sede da monarquia e também para colocação dos milhares de vassalos que acompanharam a família real.
A administração de D. João, no Brasil, pode ser dividida em três períodos, correspondentes aos seus ministros:
1) o do conde de Linhares (1808-1812);
2) o do conde da Barca (1812-1817)
3) o do ministro Tomás Antônio (1817-1821).
Como é fácil de se ver, o de maiores realizações foi o primeiro, pois que tudo estava por fazer no sentido de instalar-se a sede do governo no Rio de Janeiro. O Rio não estava, evidentemente, preparado para receber a Corte, nem sequer como cidade, levando-se em consideração o respeitável número de acompanhantes vindos na esteira do Príncipe.
"Pela estatística de um negociante inglês, Luccok, pululavam, então, no Rio de Janeiro, um milhar de funcionários públicos e outro milhar de válidos da Corte. Sofreram, com isso, os cariocas de 1808, verdadeiros vexames para hospedar tão numerosa comitiva, tendo de entregar suas moradas por imposição da polícia do vice-rei, conde dos Arcos, que foi o primeiro a ceder seu palácio ao príncipe — à aluvião de fidalgos, clérigos, militares e burocratas imigrados da Metrópole e de se irem refugiar, à ufa, nos arrabaldes, em casas rústicas e acanhadíssimas. Aos recalcitrantes dava-se oficialmente ordem de despejo por meio das iniciais P. R. (Príncipe-Regente), escritas às portas das casas, letras que o povo do Rio Irónicamente interpretava pelo convite de Ponha-se na Rua."
Com tais dificuldades, devia o Príncipe-Regente lançar-se, imediatamente, à obra realizadora que daria tamanho destaque à sua regência.
Os quatro primeiros anos de 1808 a 1812 pertencem decididamente a Linhares e à sua febril atividade reformadora. Os dois imediatos, que são de descanso após a azáfama das mudanças administrativas, judiciárias e sociais, cabem ao marquês de Aguiar e ao conde das Galveas, fidalgo de costumes desregrados, a quem D. Carlota apelidara o dr. Pastorinha.
Em 1810 acumulou Aguiar o exercício da pasta da Marinha, que, no ano imediato, foi assumida pelo conde das Galveas. Em 1812 recolheu este último a herança de Linhares, passando a gerir, desde então, os três ministérios, até falecer em 1814.
De 1814 a 1817, volta ao poder o conde da Barca, tendo-lhe sido confiadas, sucessivamente, as pastas de Galveas, a que soube imprimir, na fase de Oliveira Lima, o cunho da sua superioridade um tanto negligente e do seu talento não tão ativo quanto versátil.
Os três últimos anos do reinado americano de D. João VI são dominados pela figura simpática, de elevado cunho moral e político intransigente, do desembargador Tomás Antônio de Vila Nova Portugal, que assumiu o governo desde a morte do conde da Barca, em junho de 1817."8
Em 1816, com o falecimento de D. Maria I, D. João ascendeu ao trono com o nome de D. João VI.
Brasil Reino
Em 16 de dezembro de 1815, o Brasil daria mais um passo decisivo no caminho de sua Independência, ao ser elevado à dignidade de Reino Unido.
"Devemos a criação do Reino do Brasil, ou a organização do nosso território em um corpo político senão à vaidade do Monarca, por certo ao despeito dos seus representantes no Congresso de Viena, onde não podiam ter assento, como não tiveram, porque Portugal não era, e nem podia considerar-se grande potência figurando somente o território europeu organizado em Reino. Por isso antes que aqui fosse promulgado o documento que citamos (a Lei de 16 de dezembro de 1815), já o Brasil fora como Reino contemplado naquele Congresso, como se vê dos artigos 105, 106 e 107 do respectivo tratado de 9 de junho de 1815 e do de Aliança, de 8 de abril do mesmo ano; o que se conseguiu depois de prévios ajustes particulares, em que oficiosamente interveio a Grã-Bretanha."7
Mesmo sendo fato consumado naquele Congresso, D. João para assinar o decreto ouviu o Conselho de Estado, sendo esta a manifestação de Tomás Antônio:
"Senhor, a situação é esta, sem a menor dúvida: ou Vossa Majestade proclama a Independência do Brasil elevando-o a Reino, e neste caso contraria os portugueses; ou Vossa Majestade conserva o Brasil na posição subalterna de vice-reino e neste caso terá o descontentamento dos brasileiros. É claro que Vossa Majestade terá maior amor ao berço dos seus avós; mas é justo que ame este povo que o recebeu entre festas e alegrias em 1808, quando Vossa Majestade foi coagido a deixar a pátria que o viu nascer. Da consciência e do coração de Vossa Majestade está dependendo a formação de um grande império na América, cuja coroa seria sua. O Império do Brasil unido ao Reino de Portugal faria de ambos uma grande potência que, como sabe, seria reconhecida pelo Congresso de Viena."
É bastante clara a manifestação do inteligente conselheiro: o Brasil da posição subalterna de vice-reino e ficaria em pé de igualdade com Portugal e Algarves.
Além dos destacados atos de D. João, que mencionaremos no sentido da nossa Independência, é de se citar outros de caráter político-administrativo que marcam de forma indelével sua passagem pela América, dentre os quais assinalamos:
1) Criação do Supremo Conselho Militar e de Justiça no Rio de Janeiro, cuja competência era aplicar leis originárias de Portugal;
2) Criação do Conselho de Estado (órgão de consulta);
3) Elevação da Relação do Rio de Janeiro à Casa de Suplicação, isto é, dando-lhe competência para julgar as causas em última instância (Supremo, enquanto a Relação correspondia aos Tribunais de Apelação de hoje).
4) Criação da Imprensa Régia;
5) Criação da Fábrica de Pólvora;
6) Criação da Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação do Brasil;
7) Fundação do Banco do Brasil no Rio de Janeiro;
8) Criação no Real Hospital Militar do Rio de Janeiro de uma escola anatômica, cirúrgica e médica;
9) Decreto para que no Brasil possam ceder-se sesmarias a estrangeiros;
10) Alvará concedendo aos habitantes do Brasil o privilégio de não serem executados na propriedade dos seus engenhos, fábricas e lavouras, e sim em uma parte dos seus rendimentos;
11) Criação, na Bahia, de um curso de agricultura;
12) Fundação da escola de ciências, artes e ofícios, e autorização para serem contratados professores franceses;
13) Resolução mandando isentar dos direitos de importação os livros impressos;
14) Decreto sobre a liberdade de imprensa e suspensão da censura prévia a que estavam sujeitos os escritos e impressos.
No dia 24 de abril de 1821, D. João VI, por força de um movimento revolucionário desencadeado em Portugal no ano anterior, teve que, constrangido, voltar para a Europa, deixando seu filho D. Pedro como Príncipe-Regente no Brasil.
A Regência do Príncipe D. Pedro e a Independência
Tal foi a consciência de autonomia que o Brasil de há muito vinha adquirindo, reforçada, agora, com o governo de D. João VI, que este não tinha dúvida quanto ao destino da terra que o abrigava em 1808. E da recomendação que fêz a seu filho no momento da partida, para que, se fosse preciso, colocasse a coroa sobre sua cabeça e não a deixasse passar à mão de algum aventureiro, podemos concluir, sem receio, que sabia, perfeitamente, que o Brasil em breve se separaria de Portugal.
Pelo Decreto de 22 de abril de 1821 foi conferido a D. Pedro o título de Príncipe-Regente e lugar-tenente do rei de Portugal no Governo Provisório do Reino do Brasil" e as seguintes atribuições:
Resoluções de todas as consultas referentes à administração pública, com o auxílio de quatro ministérios — do Reino e Estrangeiros, da Fazenda, da Guerra e da Marinha; comutação de penas judiciais; provimento de cargos; declaração de guerra, estabelecimento de tréguas ou tratados provisórios; concessão de títulos honoríficos e de medalhas militares (…).
D. Pedro assumiu esses encargos com o Brasil, em situação verdadeiramente difícil: a retirada de quatro mil pessoas — fidalgos, comerciantes, capitalistas — prejudicou o comércio, desfalcou o Tesouro e deixou sem encaixe o Banco do Brasil, forçado logo depois a suspender seus pagamentos; as dívidas públicas ultrapassavam em dobro a receita, a autoridade do Príncipe não era acatada em muitas províncias, que preferiam tratar diretamente com Lisboa.
O governo regencial determinou a aplicação de um regime de severas economias e procurou, ao mesmo tempo, reforçar sua autoridade sobre as províncias mais recalcitrantes, que apoiavam a Corte, onde o pensamento dominante era a recolonização do Brasil."8
Mais incisivo, outro historiador escreve:
"O rei deixou o Tesouro vazio e o Banco do Brasil falido; e carregou consigo soma elevadíssima em espécie metálica, bens, dinheiro de contado, jóias de alto preço; tudo o que representasse valor drenado, num ápice, para Portugal.
Ressentiu-se forçosamente a praça deste súbito e imenso desfalque de numerário. O ouro desapareceu, como por encanto, da circulação; a prata subiu a 7 e 8% de ágio. Paralisaram-se as transações comerciais e multiplicaram-se as falências. O preço mesmo dos gêneros e artigos de primeira necessidade subiu desmarcadamente."9
D. Pedro, diante da difícil situação que enfrentava, resolveu entrar em regime da mais rigorosa economia. Em carta enviada a D. João VI, datada de 17 de julho de 1821, dizia:
"Mudei a minha casa para a quinta de São Cristóvão, a fim de irem para o paço da cidade todos os tribunais, secretarias, e tudo quanto estava em casa paga por conta do Estado. Todas estas mudanças se fizeram quase de graça, porque os escravos de Santa Cruz e desta quinta, que têm os seus ofícios, são os trabalhadores. O bolsinho deu contas no erário, e eu fiquei só com uma mesada da quantia da princesa, que é de 1:600$000. Pela ucharia hão de poupar-se reis 400:000$000. Pela cavalariça não se gasta senão milho, porque o capim é da quinta: de 1 280 bestas fiquei só com 156; em uma palavra, a minha roupa, a da mantearía e tesouro é lavada pelas escravas, e eu não faço de despesa quase nada em produção do que dantes era, mas se ainda puder economizar mais, o hei de fazer a bem da nação."
Estas medidas tomadas por D. Pedro valiam mais como um exemplo do que como medida que pudesse trazer remédios para solucionar o mal. E é êle mesmo que em nova carta (21 de setembro de 1821) confirma:
"Quem tem dinheiro em prata ou ouro, guarda-o; o ouro e a prata converteram-se em cobre, e este mesmo é muito pouco, e por isso amado e comprado já com o prémio de 3 por cento; de parte nenhuma vem nada; todos os estabelecimentos e repartições ficaram; os que comem da nação sao sem número; o numerário do tesouro é só o das rendas da província, e essas mesmas são pagas em papel; é necessário pagar tudo quanto ficou estabelecido, como são os estudo maior, tribunais, etc.; não há dinheiro, como já fica exposto, não sei o que hei de fazer."10
A mudança da Corte trouxera todos estes problemas. Os serviços e obrigações continuavam, mas o dinheiro saído, assim de um momento para outro, a partida de elementos do comércio e das finanças, a redução das rendas apenas ; da Província onde se encontrava a sede do governo, causaram as enormes dificuldades que o Príncipe-Regente vinha enfrentando.
A par de tudo isso, e se isso somente nao bastasse, Lisboa exigia a volta de D.Pedro para Portugal, num esforço de recolonizar o Brasil e evitar sua Independência política.
Além dessa exigência, decretaram que as províncias passavam a se subordinar diretamente a Lisboa, nada mais tendo com o Rio de Janeiro, a extinção de tribunais, sujeitando, novamente, as causas que deviam ser julgadas com última instância aos juízes da capital peninsular.
O poder de D. Pedro ia se restringindo de maneira humilhante. Sendo o Brasil reino, teve que enviar deputados às côrtes de Lisboa e pelo artigo 21 das bases da Constituição a sua aprovação no que dissesse respeito ao Reino da América só teria validade se os representantes das suas províncias com ela anuíssem.
O Manifesto de 6 de agosto
O Manifesto de 6 de agosto de 1882 assinado por D. Pedro, mas de autoria de José Bonifácio, é um dos mais importantes documentos da nossa história e nele se encontra exposta, numa síntese, toda a situação que o Brasil atravessava.
Referindo-se a aplicação do artigo 21 das bases:
"Mas qual foi o espanto desses mesmos povos quando viram em contradição àquele artigo, e com desprezo de seus inalienáveis direitos, uma fração do Congresso geral decidir dos seus mais caros interesses. Quando viram legislar o partido dominanle do Congresso incompleto e imperfeito sobre objetos de transcendente importância do Brasil, sem audiência sequer de dois terços dos seus representantes."
E revela, com firmeza os objetivos do Congresso: "O Brasil não devia ser mais Reino: devia descer do trono de sua categoria, despojar-se do manto real da sua majestade, depor a coroa e o cetro, e retroceder na ordem política do universo para receber novos ferros e humilhar-se como escravo perante Portugal. Não paremos aqui; examinemos a marcha progressiva do Congresso. Autorizam e estabelecem governos provinciais e independentes uns dos outros, mas sujeitos a Portugal. Rompem a responsabilidade de harmonia mútua entre os poderes civil, militar e financeiro, sem deixarem aos povos outro recurso a seus males inevitáveis senão através do vasto oceano, recurso inútil e ludibrioso."
E D. Pedro afirma:
"Nenhum governo justo, nenhuma nação civilizada, deixará de compreender que, privado o Brasil de um Poder Executivo, que extintos os tribunais necessários, e obrigado a ir mendigar a Portugal, através de delongas e perigos as graças da justiça; que chamadas a Lisboa as sobras das rendas de suas províncias, que aniquilada a sua categoria de Reino, e que dominado este pelas baionetas que de Portugal mandassem, só restava ao Brasil ser riscado para sempre do número das nações e povos livres, ficando outra vez reduzido ao antigo estado colonial e de comércio exclusivo."
Nesta altura já se encontrava manobrando o leme dos destinos nacionais a figura hercúlea de José Bonifácio de Andrada e Silva.
O Fico
Quando mais forte era a pressão das Cortes, tivemos o célebre "Fico" de D. Pedro, a 9 de janeiro de 1822.
O Príncipe devia partir. As câmaras do Rio e de São Paulo fazem representação para que desatendesse Lisboa. A representação do Rio terminava com esta sentença:
"O navio que conduzir o Príncipe Real, aparecerá no Tejo com o Pavilhão da Independência do Brasil."
A representação da Câmara Fluminense foi apresentada a D. Pedro pelo seu presidente José Clemente
Pereira e, após ouvir outras manifestações, o Príncipe respondeu:
"Como é para o bem de todos e felicidade geral da nação, estou pronto, diga ao povo que fico."
No dia 16, D. Pedro nomeia o chamado Ministério da Independência, chefiado por José Bonifácio, que ocupou a pasta do Reino, Justiça e Estrangeiros. Constituiam-no também: Caetano Pinto de Miranda Montenegro, na pasta da Fazenda; Joaquim de Oliveira Álvares, na da Guerra, e Manuel Antônio Farinha, na da Marinha.
José Bonifácio só aceitou fazer parte do governo, depois que D. Pedro lhe assegurou que o "Fico" era definitivo.
A Independência
A presença de José Bonifácio no ministério firmou o rumo da Independência. Os atos que daí em diante foram praticados pelo governo, são firmes, decisivos, resolutos. Entre eles, o que obrigou as tropas portuguesas comandadas por Jorge de Avilez a se retirarem para a Europa, mostrava que não estávamos mais dispostos a tolerar intromissões.
No dia 3 de junho, D. Pedro, atendendo requerimento que José Clemente Pereira lhe apresentou em nome da Câmara, convocou, então, uma Assembléia Geral Constituinte, composta de deputados das províncias e que tinha por objetivo principal, deliberar as condições cm que deviam continuar as relações entre Brasil e Portugal, e no dia 1.° de agosto desligou o Reino Americano da Assembléia Lusa. Baixou decretos determinando que nenhuma lei promulgada em Portugal teria validade, no Brasil, sem o seu "cumpra-se" declarando inimigas as tropas que desembarcassem aqui sem seu consentimento; e, por fim, assinou o famoso Manifesto de 6 de agosto, um mês antes do feito do Ipiranga (São Paulo).
No dia 7 de setembro, estava D. Pedro de volta de uma viagem que fizera à cidade de Santos, quando, no Ipiranga, recebeu correspondência que vinha de Portugal. O mensageiro chegava do Rio de Janeiro e trazia, também, carias de José Bonifácio e da princesa Leopoldina. De Lisboa lhe vinham ordens para depor o ministério e processar os ministros que haviam convocado a constituinte. E mais: os novos ministros seriam indicados por Lisboa. Foi então que, D. Pedro certo que nada havia a fazer senão proclamar definitivamente a Independência, Libertou o Brasil dos fracos laços que ainda o ligavam a Portugal.
Notas
1São chamados enciclopedistas os escritores que precederam à Revolução Francesa e colaboraram na Enciclopédia então escrita e publicada na França.
2D. Maria I sofria das faculdades mentais e, por isso, seu filho D. João, depois D. João VI, assumiu a regência.
3João Ribeiro, História do Brasil, revista e completada por Joaquim Ribeiro, 17ª edição, Rio de Janeiro, 1960.
4Pinto de Aguiar, A Abertura dos Portos do Brasil, Bahia.
5Max Fleiuss, História Administrativa do Brasil, São Paulo, 1922.
6Idem.
7Cândido Mendes de Almeida, Código Filipino, 14[ edição, Rio
8Alfredo d’Escragnolle Taunay, História Administrativa e Econômica do Brasil, Rio de Janeiro, 1962.
9Max Fleiuss, ob. cit.
10Transcrita do livro Cartas de D. Pedro a D. João VI Relativas à Independência do Brasil, Augusto de Lima Júnior.
BIBLIOGRAFIA SUBSIDIÁRIA
José Bonifácio de Andrada e Silva, Obras Cientificas (3 volumes), coligidas por Edgard de Cerqueira Falcão, Santos, 1963.
José Bonifácio, Escritos Políticos, seleção, introdução e notas de Brasil Bandecchi, São Paulo, 1964.
Oliveira Lima, O Movimento da Independência, 1821-1822, São Paulo, 1922.
Otávio Tarquinio de Sousa — Os Fundadores do Império, São Paulo, 1966.
Tobias Monteiro — Elaboração da Independência, Rio de Janeiro, 1927.
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