quarta-feira, julho 07, 2010

Coluna: Manuel Correia de Andrade:

De Bangüê a Usina
Publicado em 14.01.2007

Como o ciclo de expansão das usinas na região da Mata Norte realizou-se de forma mais lenta do que na Mata Sul, o processo de produção comandado pelos engenhos bangüês perdurou até meados do século 20. Numerosos deles permaneceram funcionando até a década de 50, quando as usinas de área, implantadas nas primeiras décadas do século 20, começaram a se expandir, e transformar bangüês em fazendas fornecedoras de cana.

O clima da região, em parte subúmido, permitiu que a cultura do algodão também tivesse importância no Vale do Siriji, e que, nas pequenas cidades e vilas, fossem implantados motores de beneficiamento da semente de algodão. No Vale do Siriji, nos primeiros tempos, o fornecimento de energia elétrica foi feito por estes motores. Nos períodos de baixa no preço do açúcar, alguns engenhos desmontaram as suas máquinas e se dedicaram a outras atividades, como a produção de café, de banana e à pecuária bovina e suína.

Esta lenta evolução permitiu que eu vivesse em minha infância e juventude um período feliz, na “bagaceira” do Jundiá, onde meu pai, face à disponibilidade de terras, desenvolvia, ao lado da cultura da cana, a criação do gado zebu, de origem indiana, atividade muito estimulada no governo Manoel Borba.

A vida no engenho tinha os seus encantos. E que encantos. Assim, no período de setembro a março, ocorria a moagem da cana, com uma festa na “botada” da safra e outra no encerramento, a “pejada”, e um período de grande movimento com os carros-de-boi e burros transportando a cana do canavial para a “moita”, onde era esmagada em moendas de três cilindros, cozinhada em assentamento, em geral, de cinco tachas, e botada para secar em fôrmas de madeira ou de metal. Produzia-se o “pão de açúcar” que era vendido aos “matutos” ou a comerciantes donos de armazéns nas cidades maiores, como Nazaré da Mata e Timbaúba. Lembro-me de compradores de açúcar famosos, como Antônio Galvão, em Timbaúba, e Alfredo Coutinho e seu neto Hélio Coutinho, em Nazaré.

Neste período, ocorriam festas freqüentes, como a de Vicência, consagrada à Santana, a da Conceição, sobretudo em Jundiá, a de São Sebastião, em Aliança. A festa da Conceição, em Jundiá, destacava-se porque, possuindo o engenho, em suas terras, o Pico do Jundiá, com mais de 450 metros de altitude, ali foi construída, em 1904, uma capela sob a invocação a N. Sra. da Conceição, pelo padre Luna, vigário de Vicência. Todos os anos, em dezembro, realizava-se a festa em frente à igreja, com uma procissão em que a imagem de Nossa Senhora descia a serra e era levada até Vicência, para que passasse ali a semana inteira. A procissão era feita por caminhões e outros carros, tendo sido uma preocupação constante da família de dar continuidade à tradição.

Outro período de festas nos engenhos era o junino, quando os proprietários e o povo festejavam os santos Antônio, João (sobretudo este) e Pedro, queimando fogos, fazendo fogueiras em frente às casas, e comendo comidas de milho – pamonha, canjica, angu, bolo e, sobretudo, milho cozido e assado. Também era ocasião em que os amigos desenvolviam o hábito do compadrio e do afilhadismo, admitindo-se que um compadre de São João ou um padrinho de “fogueira” tornava-se um verdadeiro parente.

No Carnaval, havia os maracatus e caboclinhos, os primeiros externando a influência negra na nossa cultura e os segundos, a influência indígena. No Carnaval, o povo mais humilde andava léguas dançando, cantando e tomando cachaça.

Vivi, em Jundiá, todo o meu tempo de estudante, de vez que passava no Recife os períodos de aula, e no engenho, os de férias e, mesmo após a formatura, trabalhando no Recife, freqüentei o engenho e convivi com meu pai, que lutou até o fim para não deixar a sua condição de bangüezeiro para a de fornecedor de cana. Coisa que só ocorreria quando a idade e as condições de saúde o forçaram a isso. No início dos anos 50, ele foi paulatinamente se transformando em fornecedor da Usina Cruanji, do seu parente e amigo Julio Queiroz, quando Jundiá se transformou em engenho de “fogo morto”.

Manuel Correia de Andrade, historiador e geógrafo, é da APL.


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De Bangüê a Usina
Publicado em 14.01.2007

Como o ciclo de expansão das usinas na região da Mata Norte realizou-se de forma mais lenta do que na Mata Sul, o processo de produção comandado pelos engenhos bangüês perdurou até meados do século 20. Numerosos deles permaneceram funcionando até a década de 50, quando as usinas de área, implantadas nas primeiras décadas do século 20, começaram a se expandir, e transformar bangüês em fazendas fornecedoras de cana.

O clima da região, em parte subúmido, permitiu que a cultura do algodão também tivesse importância no Vale do Siriji, e que, nas pequenas cidades e vilas, fossem implantados motores de beneficiamento da semente de algodão. No Vale do Siriji, nos primeiros tempos, o fornecimento de energia elétrica foi feito por estes motores. Nos períodos de baixa no preço do açúcar, alguns engenhos desmontaram as suas máquinas e se dedicaram a outras atividades, como a produção de café, de banana e à pecuária bovina e suína.

Esta lenta evolução permitiu que eu vivesse em minha infância e juventude um período feliz, na “bagaceira” do Jundiá, onde meu pai, face à disponibilidade de terras, desenvolvia, ao lado da cultura da cana, a criação do gado zebu, de origem indiana, atividade muito estimulada no governo Manoel Borba.

A vida no engenho tinha os seus encantos. E que encantos. Assim, no período de setembro a março, ocorria a moagem da cana, com uma festa na “botada” da safra e outra no encerramento, a “pejada”, e um período de grande movimento com os carros-de-boi e burros transportando a cana do canavial para a “moita”, onde era esmagada em moendas de três cilindros, cozinhada em assentamento, em geral, de cinco tachas, e botada para secar em fôrmas de madeira ou de metal. Produzia-se o “pão de açúcar” que era vendido aos “matutos” ou a comerciantes donos de armazéns nas cidades maiores, como Nazaré da Mata e Timbaúba. Lembro-me de compradores de açúcar famosos, como Antônio Galvão, em Timbaúba, e Alfredo Coutinho e seu neto Hélio Coutinho, em Nazaré.

Neste período, ocorriam festas freqüentes, como a de Vicência, consagrada à Santana, a da Conceição, sobretudo em Jundiá, a de São Sebastião, em Aliança. A festa da Conceição, em Jundiá, destacava-se porque, possuindo o engenho, em suas terras, o Pico do Jundiá, com mais de 450 metros de altitude, ali foi construída, em 1904, uma capela sob a invocação a N. Sra. da Conceição, pelo padre Luna, vigário de Vicência. Todos os anos, em dezembro, realizava-se a festa em frente à igreja, com uma procissão em que a imagem de Nossa Senhora descia a serra e era levada até Vicência, para que passasse ali a semana inteira. A procissão era feita por caminhões e outros carros, tendo sido uma preocupação constante da família de dar continuidade à tradição.

Outro período de festas nos engenhos era o junino, quando os proprietários e o povo festejavam os santos Antônio, João (sobretudo este) e Pedro, queimando fogos, fazendo fogueiras em frente às casas, e comendo comidas de milho – pamonha, canjica, angu, bolo e, sobretudo, milho cozido e assado. Também era ocasião em que os amigos desenvolviam o hábito do compadrio e do afilhadismo, admitindo-se que um compadre de São João ou um padrinho de “fogueira” tornava-se um verdadeiro parente.

No Carnaval, havia os maracatus e caboclinhos, os primeiros externando a influência negra na nossa cultura e os segundos, a influência indígena. No Carnaval, o povo mais humilde andava léguas dançando, cantando e tomando cachaça.

Vivi, em Jundiá, todo o meu tempo de estudante, de vez que passava no Recife os períodos de aula, e no engenho, os de férias e, mesmo após a formatura, trabalhando no Recife, freqüentei o engenho e convivi com meu pai, que lutou até o fim para não deixar a sua condição de bangüezeiro para a de fornecedor de cana. Coisa que só ocorreria quando a idade e as condições de saúde o forçaram a isso. No início dos anos 50, ele foi paulatinamente se transformando em fornecedor da Usina Cruanji, do seu parente e amigo Julio Queiroz, quando Jundiá se transformou em engenho de “fogo morto”.

Manuel Correia de Andrade, historiador e geógrafo, é da APL.


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