domingo, março 30, 2014

Exercícios de Sociologia - Sociedade e Violência

1. Marque a alternativa que afirma corretamente sobre a Cultura de Violência que em muitos casos está bastante presente no cotidiano das pessoas:
a) Quando falamos de cultura de Violência, estamos nos referindo aos padrões tribais das antigas civilizações.
b) Cultura de violência é algo que já foi, em muitos casos superados, pelos novos padrões civilizatórios da pós-modernidade.
c) São padrões de comportamento que estão ligados a conflitos étnicos e religiosos.
d) Definimos uma cultura de Violência como hábitos que a sociedade cultiva, baseados em comportamentos agressivos e imposição de poder, de forma habitual.
e) Seria um conjunto de conhecimentos preventivos em relação aos hábitos violentos da sociedade.

2. O sistema carcerário serve para reeducar um individuo condenado por algum crime ao convívio social, no entanto essa situação não se concretiza isso se dá por quê:
a)Os projetos de reeducação do cidadão condenado por um crime são muito complexos para os seus usuários.
b)Existe uma falsa impressão que a penitenciária serve como um local de sofrimento e vingança para o criminoso e não como um local para reabilitar pessoas ao convívio social.
c)Existem muitos recursos para o melhoramento do sistema penitenciário brasileiro.
d)Todo o problema está no criminoso e não tem nenhuma relação com a sociedade.
e)Nenhuma das alternativas estão corretas.

3. Em nenhum momento na história do tráfico de drogas no Brasil, houve uma conduta correta do Estado para desmantelar as redes de traficantes, as ações da polícia sempre resultam em abuso de poder, chacina e grandes índices de violência. O texto acima se refere:
a) A Grande capacidade do sistema político brasileiro em acabar com o trafico de drogas.
b) A Habilidade pacifica da polícia brasileira com a problemática com o tráfico de drogas.
c) O poder que o Estado tem em acabar com o submundo das drogas no país.
d) A ineficiência do Estado, junto com seus organismos de manutenção da ordem social em lidar com o complexo problema das drogas no Brasil.

4. “O interrogatório é muito fácil de fazer,
Pega o favelado e dá porrada até doer.
O interrogatório é muito fácil de acabar,
Pega o bandido e dá porrada até matar".
(Refrão cantado por soldados do Batalhão de Operações Especiais – BOPE)

Com base no texto podemos analisar:
a) O preparo humanitário da polícia do Rio de Janeiro.
b) Como a violência policial se institucionalizou em alguns cantos do Brasil.
c) Que a polícia deve sempre trabalhar com o uso de práticas violentas para colher bons frutos.
d) A violência policial somente se manifesta na forma de canções.

5. Sobre as Políticas de Não-Violência é correto afirmar que:
a) Não há ligação alguma entre a Não-Violência e o Pacifismo.
b) É um processo de comportamento, voltado apenas para a redução de problemas individuais.
c) Nasce da necessidade de se promover umas reflexões e ações visando a redução dos índices de violência social.
d) Não promovem reflexões sobre problemas de exclusão social e econômica.

6. Um cidadão armado tem 57% de chances de ser assassinado do que os que andam desarmados. As armas de fogo provocam um custo ao SUS de mais de 200 milhões de reais. Fonte: UNESCO. Pois bem sobre o texto podemos afirmar que:
a) A violência é um elemento gerador de mais violência, podendo ser um elemento causador de aumento de impostos.
b) Não há relação entre política, economia e violência.
c) A violência somente é provocada a pessoas portadoras de armas de fogo.
d) O Índice de Violência reduziriam se o porte de arma fosse de fácil acesso a todos.
e) N.D.A

7. Ao analisar as causas da violência é preciso refletir sobre:
a) Somente as questões Econômicas que levam a acontecer acontecimentos marcados pela violência.
b) A intenção Política e Cultura que lavam a consolidação da violência.
c) Sobre toda a organização social, desde a suas estruturas econômicas e políticas, quanto os seus valores, pois a violência é uma problemática bastante complexa.
d) A importância de construirmos mais presídios em locais afastados dos centros urbanos.

8. O crescimento da população encarcerada e daqueles que obtêm sua subsistência da indústria carcerária, bem como dos excluídos da vida econômica, gerou, na sociedade, um sentimento de insegurança. Qual situação abaixo melhor expressa uma relação entre sociedade de consumo e este sentimento de insegurança?
A) A crise societária promoveu uma visão da violência social na qual os tribunais ocupam o centro de um complexo problema de controle social. Assim, o Judiciário é, hoje, o Poder que determina o caráter das políticas públicas de segurança.
B) A associação da insegurança e da criminalidade com o desemprego e a pobreza é intuitivamente simples e tem um forte apelo político, o que tem favorecido uma política de segurança cada vez mais rigorosa.
C) A compra de mercadorias revela como somos todos diferentes e desiguais. A produção dos objetos é seletivamente organizada de maneira a ser desigualmente distribuída para que todos possam consumir homogeneizando as desigualdades socais.
D) Os consumidores falhos são pessoas incapazes de responder aos atrativos do mercado, pois lhes faltam recursos. São os novos “impuros”, objetos fora do lugar. É preferível excluí-los e encarcerá-los, para evitar o mal, do que estabelecer seu status de consumidor.

9. Assinale a alternativa que melhor expressa as práticas de punição ou tecnologias do poder na sociedade moderna, segundo Foucault.
A) Constituem um poder não mais disciplinar, mas de mero controle dos indivíduos.
B) Constituem um poder disciplinar para o adestramento dos indivíduos para o qual competem a vigilância, a normalização e o exame.
C) Constituem um poder disciplinar e de controle dos indivíduos, através da normalização.
D) Constituem um poder de controle dos indivíduos, docilizando-os através das normas e da vigilância.

10. Gilberto Velho contribuiu significativamente para o estudo do “comportamento desviante”. Dentro da perspectiva do autor, o desviante:
A) é um inadaptado cultural.
B) é um indivíduo anômico.
C) faz uma leitura divergente de sua cultura. 
D) tem uma perspectiva cultural apartada da dimensão de poder. 

############################################################################################################
























Cinquenta anos de um golpe contra a democracia, os trabalhadores e o Brasil



O povo brasileiro nunca se conformou com a ditadura implantada em 1º de abril de 1964. Resistiu contra ela desde o primeiro momento, com variadas ações, desde denúncias dos arbítrios às músicas de protestos, dos cultos ecumênicos às manifestações de rua, da atividade clandestina às assembleias de estudantes e trabalhadores, das greves ao voto, da luta armada nas cidades à Guerrilha do Araguaia

O Golpe de 1964 – que depôs o presidente João Goulart – completa agora 50 anos. Foi a principal iniciativa política da direita e dos conservadores da história brasileira do século 20, e se insere na trajetória da luta de classes do país. Além disso, para ser compreendido em toda a sua complexidade, deve ser visto no contexto das tensões da guerra fria quando o imperialismo norte-americano fomentava golpes de Estado na América Latina e mundo afora.

A resistência da direita contra o desenvolvimento nacional e a democracia
Vêm de longe as contradições que levaram ao Golpe de 1964. O Brasil republicano tem sido cenário de luta renhida entre dois projetos excludentes de nação e sociedade: um projeto patriótico, democrático e desenvolvimentista; e outro, de subordinação ao imperialismo, antidemocrático e anti-industrialista. Essa luta se acentuou desde a Revolução de 1930, que modernizou o Estado e abriu novas perspectivas para a industrialização do país e a incorporação das massas populares e dos trabalhadores no processo democrático.

Todavia, as forças antinação (oligárquicas e aliadas do imperialismo norte-americano) não desapareceram; ao contrário, continuaram atuantes e se constituem, desde então, no principal fator de instabilidade política no Brasil, promovendo frequentes tentativas de interrupção do processo democrático como, por exemplo, a campanha que levou ao suicídio de Getúlio Vargas (1954); os levantes militares de Jacareacanga (1956) e Aragarças (1959) contra o presidente Juscelino Kubitschek; e a tentativa de impedir a posse do vice-presidente João Goulart depois da renúncia de Jânio Quadros (1961).

O golpe de Estado de 1964 foi o anticlímax do intenso processo de lutas democráticas iniciado com o fim do Estado Novo, em 1945, que exigia o desenvolvimento econômico e a ampliação da democracia.

Reação conservadora contra as reformas de base
Com altos e baixos, o período do final do Estado Novo ao Golpe militar de 1964 assistiu a avanços sociais, marcados por forte protagonismo democrático dos trabalhadores e das forças patrióticas e pelo declínio eleitoral dos partidos conservadores e de direita. O antigo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), identificado com Vargas e herdeiro das lutas pelo desenvolvimento nacional, foi o único partido que cresceu em todas as eleições de 1945 a 1962. Ele, ao lado do Partido Comunista, foi um dos esteios das lutas democráticas e populares.

No governo Goulart a luta democrática e popular cresceu. Foi criado o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), em 1962, e, no campo, se fortaleceram as Ligas Camponesas e o sindicalismo rural, tendo sido fundada a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), em 1963.

Em janeiro de 1963 ocorreu o plebiscito no qual o presidencialismo teve 82% dos votos. Foi uma autêntica eleição de Goulart, cujos poderes foram repostos – os mesmos que haviam sido suprimidos pelo arranjo “parlamentarista” de 1961, feito para garantir sua posse após a renúncia de Jânio Quadros. O plebiscito reforçou a linha das “reformas de base” capitaneada pelo presidente.

Em 13 de março de 1964 ocorreu o Comício da Central do Brasil, no Rio de Janeiro, que significou um passo importante de Goulart em direção ao compromisso com as reformas de base, que incluíam a reforma agrária; a renegociação da dívida externa; o controle da remessa de lucros das empresas estrangeiras; as reformas urbana, administrativa, bancária, da previdência social, da educação; a regulamentação do direito de greve; a nacionalização das concessionárias de serviços públicos etc.

O movimento comunista brasileiro à época estava saindo da crise de meados da década de 1950, que opunha a corrente revolucionária e a revisionista, esta última inspirada nas posições então defendidas pelo Partido Comunista da União Soviética. Assim é que duas posições distintas apareceram naquele momento.

O PCB confiava no chamado “dispositivo militar”, que supostamente defenderia o governo de qualquer ameaça golpista. O PCdoB, reorganizado em 1962 e ainda débil, por um lado, teve uma posição esquerdista com relação ao governo Goulart, e, por outro, avaliou o golpe corretamente, como um atentado duradouro à democracia. Ante a conspiração golpista, o PCdoB flexibilizou a oposição a Goulart em defesa da legalidade. Depois, já sob a ditadura, ainda em agosto de 1964, mostrou que o alvo da direita brasileira e do imperialismo americano era a luta democrática e popular e que aquele golpe viera para ficar por tempo prolongado. Fez também a autocrítica das posições esquerdistas em relação ao governo Goulart.

O Golpe militar teve, pode-se dizer, dois aspectos principais. Primeiro: sua natureza antidemocrática, manifestada já nos primeiros atos do governo, com cassações de mandatos parlamentares, prisões de lideranças sindicais, operárias e populares, aumento da repressão contra a luta democrática e patriótica, censura contra a imprensa e às artes. Segundo: a reordenação do desenvolvimento brasileiro com a imposição do arrocho salarial e de regras favoráveis ao imperialismo e ao grande capital, sobretudo estrangeiro, gerando falências de empresas nacionais, desemprego e perdas salariais para os trabalhadores.

A aliança direitista envolveu a parte conservadora da classe média no empenho de criar uma base de massa e de legitimar o golpe.
Houve clara intromissão do governo norte-americano na trama golpista e na preparação de sua logística. Uma poderosa força naval – inclusive com um porta-aviões de propulsão nuclear – foi deslocada para a costa brasileira, como parte da chamada operação Brother Sam; e revelações recentes, oriundas de arquivos norte-americanos, mostram a ultrajante posição do próprio presidente John Kennedy que admitiu claramente a possibilidade de intervenção militar no Brasil, para apoiar o golpe.

O regime nascido em 1964 eliminou a democracia, perseguiu, torturou e assassinou democratas, nacionalistas e progressistas. E aumentou a dependência externa ao ancorar o desenvolvimento nacional na busca de capitais estrangeiros e na atração de empresas estrangeiras.

Imposta a ditadura, levantou-se a resistência
Mas a implantação da ditadura não foi tranquila. Ela enfrentou obstinada resistência democrática e popular, contradições entre as classes dominantes e disputas, às vezes acirradas, entre os próprios chefes militares. Progressivamente, as forças democráticas, populares e patrióticas, entre elas o Partido Comunista do Brasil, organizaram, desencadearam e lideraram a resistência democrática. A ditadura durou 20 anos à custa de prisões, perseguições políticas, torturas e assassinatos de quem lhe fizesse oposição, encarados como “inimigos internos”. A longa jornada de enfrentamento ao arbítrio pode ser dividida em, pelo menos, quatro fases.

1ª Fase: Escalada autoritária
Entre 1º de abril de 1964 e dezembro de 1968, cresceu a escalada autoritária, que culminou na decretação do Ato Institucional nº 5 e na instauração de um Estado terrorista no país. A resistência democrática usou todas as brechas possíveis para se manifestar, como passeatas, denúncias no parlamento, voto, imprensa alternativa e uma rica produção cultural de protesto e contestação.

Desde o início, a repressão voltou-se contra os trabalhadores e os democratas. O CGT foi fechado e seus dirigentes presos e processados; centenas de sindicatos sofreram intervenção; a sede da União Nacional dos Estudantes (UNE) foi incendiada. No campo, as Ligas Camponesas foram desmanteladas, e seus dirigentes caçados pela polícia e por jagunços a mando dos fazendeiros – muitos daqueles lutadores foram assassinados.

Mesmo lideranças políticas, como Juscelino Kubistchek, que chegou a votar no marechal Castelo Branco para ocupar a presidência da República, foram vítimas do arbítrio. Em junho de 1964 a ditadura cassou os mandatos e suspendeu os direitos políticos de 50 deputados e senadores, entre eles o próprio JK. Ao mesmo tempo, eliminou – através dos Atos Institucionais nº 2 e nº 3 – as eleições diretas para presidente da República, governador e prefeito de capitais.

No campo da resistência popular, o movimento estudantil se refez rapidamente e, em 1965, as bandeiras da UNE voltaram às ruas. Esta retomada atingiu seu auge com grandes mobilizações em reação ao assassinato a tiros, pela polícia, no Rio de Janeiro, em 28 de março de 1968, do estudante secundarista Edson Luís, cujo funeral reuniu mais de 50 mil pessoas. Outras manifestações estouraram pelo país. Em 21 de junho, também no Rio de Janeiro, um confronto entre estudantes, populares e tropas da repressão deixou pelo menos quatro mortos na Sexta-Feira Sangrenta. A resposta foi a Passeata dos Cem Mil, pelo centro daquela cidade, em 26 de junho, o maior protesto contra a ditadura até aquele período.

Neste mesmo ano, os trabalhadores entraram em cena e realizaram as primeiras greves do período da ditadura: a de Contagem (MG), em abril, e a de Osasco (SP), em julho. Ambas foram duramente reprimidas. Houve também uma greve nacional dos bancários e, em Pernambuco, eclodiu uma greve dos canavieiros, na cidade do Cabo.

A ditadura reagiu como uma fera acossada. Em abril de 1968 fechou a Frente Ampla, que incluía um político que tinha participado no golpe, Carlos Lacerda, e ex-presidentes como Juscelino Kubitschek e João Goulart. Apesar de nela estarem presentes políticos conservadores, essa articulação foi apoiada pelo PCdoB, pois foi uma iniciativa que reuniu políticos hostilizados pela ditadura e que buscava “unir forças para modificar o sistema ditatorial vigente”.

No segundo semestre de 1968, apareceram novos sinais de endurecimento da ditadura, como a ocupação da Universidade de Brasília (UnB) e a invasão do Congresso da UNE em Ibiúna (SP), com a prisão de mais de 700 estudantes. Mesmo com o crescimento da repressão, a UNE continuou atuando na mais dura clandestinidade. Entre 1972 e 1973 ela foi destroçada e vários de seus dirigentes foram assassinados, entre eles seu presidente, Honestino Guimarães.

A ditadura enfrentou resistências no Supremo Tribunal Federal (STF) e na Câmara dos Deputados. O STF concedeu habeas corpus aos líderes presos em Ibiúna. E em 12 de dezembro de 1968 a Câmara dos Deputados não aceitou processar o deputado oposicionista Márcio Moreira Alves. No dia seguinte, o general Costa e Silva, que ocupava a presidência da República, baixou o Ato Institucional nº 5 – o mais truculento de todos. Fechou o Congresso, suspendeu direitos civis e políticos e aboliu garantias, como a do habeas corpus. Foram cassados os mandatos de 113 deputados federais e senadores, 190 deputados estaduais, 30 prefeitos e quatro ministros dos tribunais superiores.

Em 1968, a Nação tomou conhecimento, indignada, do chamado “caso Para-Sar”, um plano sinistro coordenado pelo brigadeiro João Paulo Burnier para explodir o antigo Gasômetro, no Rio de Janeiro, e que poderia ter provocado grande número de mortes. O ato criminoso não se realizou porque o capitão Sérgio Miranda de Carvalho recusou-se a praticar a ação terrorista cujo objetivo era desacreditar a oposição e lançar a responsabilidade sobre a esquerda.

Naqueles anos difíceis, o PCdoB fomentou a criação da União da Juventude Patriótica (UJP), cujo dirigente, Lincoln Bicalho Roque, foi assassinado pela repressão, em janeiro de 1973. Outro membro dessa organização, o líder secundarista negro Joel Vasconcelos, foi, em 1971, o primeiro membro do PCdoB assassinado, ainda hoje desaparecido.

Para calar vozes inconformadas a ditadura impôs a censura à rica produção artística, cultural e intelectual que resistia ao arbítrio, e mesmo jornais conservadores foram submetidos ao arbítrio da tesoura. Vários artistas e intelectuais foram presos e outros tiveram que se exilar.

2ª Fase: governo Médici: “uma ditadura militar de caráter terrorista”
Em janeiro de 1969, o PCdoB lançou um Manifesto aos brasileiros no qual destacou que a ditadura, impotente diante do impetuoso movimento de massas, recorria a novas violências. “Instaurou, com o Ato Institucional nº 5, um regime do mais completo arbítrio (…). A nação brasileira jamais conheceu governo tão despótico como o atual”.

Era uma nova fase na qual a ditadura montou, ampliou e utilizou a estrutura de terror de Estado para combater e eliminar seus opositores.

Contra o terror de Estado, ampliou-se a resistência armada. Diante daquele regime brutal elevou-se a determinação de um conjunto de organizações políticas e lideranças – no campo democrático e patriótico, comunista e de esquerda – de resistir de armas na mão. Assim, como disse Renato Rabelo, atual presidente do PCdoB, “a demanda por uma resistência mais ousada, armada, não era uma questão somente do PCdoB; essa consciência avançada batia à porta exigindo uma tomada de atitude para se enfrentar o banditismo de um regime truculento e sanguinário, fascistizante”.

O PCdoB iniciara os preparativos para a resistência armada com base em uma concepção de ação que divergia do “foquismo”, concepção então dominante. Buscava o enraizamento na luta do povo do interior, com a defesa de suas reivindicações mais sentidas, onde tinha melhores condições para o enfrentamento da ditadura. Nas cidades, com a perseguição implacável, isso era impossível.

Em setembro de 1969, ocorreu o sequestro do embaixador dos EUA, Charles Elbrick, pelo Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) e pela Ação Libertadora Nacional (ALN), que exigiram, e conquistaram, a libertação de 15 prisioneiros políticos e a leitura de um manifesto por rádio e TV. Nos anos seguintes, mais três diplomatas estrangeiros foram sequestrados e trocados por dezenas de presos políticos.

A resistência armada nas cidades crescia. Entre as jovens mulheres que nela se engajaram estava a então estudante Dilma Rousseff, atual presidenta da República do Brasil.

Mas, a virulência da repressão foi tão grande que, no início da década de 1970, quase todas as organizações da luta armada haviam sido desmanteladas ou seriamente golpeadas. Seus heroicos líderes foram mortos em perseguições e combates, executados ou assassinados na tortura. Entre eles figuram Carlos Marighella, Carlos Lamarca, Iara Iavelberg, Joaquim Câmara Ferreira, Mário Alves. Das organizações defensoras da luta armada apenas duas se mantiveram operando nacionalmente: o PCdoB e a Ação Popular (AP).

A resistência no Araguaia
Sem abandonar a luta nas cidades, o PCdoB, orientado pela teoria da Guerra Popular Prolongada, organizava a resistência no campo. Desde 1966 deslocou dezenas de militantes para a região do rio Araguaia, no sul do Pará, que conviviam com a população local. No início de 1972, havia 69 guerrilheiros e guerrilheiras naquela região, entre jovens e experimentados comunistas – que formaram três destacamentos guerrilheiros e uma Comissão Militar, da qual fizeram parte João Amazonas, Maurício Grabois e Ângelo Arroyo.

No dia 12 de abril de 1972 a ditadura atacou o Araguaia. A ação repressiva durou mais de dois anos e envolveu, no total, cerca de 10 mil soldados, na maior mobilização militar brasileira desde a Segunda Guerra Mundial.

A eclosão da guerrilha acelerou o processo de incorporação da Ação Popular Marxista-Leninista (AP-ML) ao PCdoB. A partir de 1973, um grande número de quadros dessa organização revolucionária, pelo exemplo de bravura política do Araguaia, incorporou-se ao PCdoB, revitalizando o Partido com aportes de abnegação e talentos, preenchendo com novos dirigentes e militantes os graves desfalques provocados pela repressão que se havia abatido sobre suas fileiras.

Poucos guerrilheiros sobreviveram. Uma parte morreu em combate, outros foram presos, torturados e executados. Até hoje os corpos de quase todos eles continuam desaparecidos. Para derrotar a Guerrilha, a repressão cometeu inúmeras atrocidades, como torturas, roubos e assassinatos contra pessoas do povo da região que apoiavam o movimento ou eram suspeitas de fazê-lo.

Enfurecida com a Guerrilha, a ditadura exacerbou a perseguição ao PCdoB. Entre 1972 e 1973 foram presos e assassinados na tortura dirigentes como Lincoln Cordeiro Oest, Carlos Danielli, Luiz Guilhardini e Lincoln Bicalho Roque. Os três primeiros eram membros da Comissão Nacional de Organização do Comitê Central, responsável pelos contatos da Guerrilha com a cidade. Nos anos seguintes ainda foram assassinados Armando Frutuoso e Ruy Frazão. E importantes comitês estaduais sofreram graves baixas, com centenas de presos.

Mesmo derrotada militarmente, a Guerrilha do Araguaia cumpriu um papel relevante. Apesar da forte censura à imprensa, ela chegou ao conhecimento de muitas pessoas, de boca em boca, pelos jornais clandestinos, por notícias de emissoras de rádio do exterior, alimentando o ânimo e a esperança dos setores mais avançados da oposição, inclusive, no campo revolucionário.

Hoje, o exemplo do Araguaia, a coragem dos guerrilheiros e a disposição de pagar com a própria vida a ousadia de enfrentar a ditadura impulsionam setores do povo – em especial da juventude – a se engajarem na luta democrática, popular e revolucionária. Os nomes de Osvaldo Orlando Costa, (Osvaldão), Dinalva Oliveira Teixeira (Dina), João Carlos Haas Sobrinho (Juca), Helenira Resende (Fátima), Antônio Guilherme Ribeiro Ribas (Ferreira) e dos demais guerrilheiros, e guerrilheiras, encontram-se na galeria de heróis do povo brasileiro.

3ª Fase: A resistência se alarga e ganha força
Quando o general Ernesto Geisel assumiu o posto de Garrastazu Médici, em março de 1974, o chamado “Milagre Brasileiro” começava a se esgotar. O país, que importava 80% do petróleo que consumia, foi alvejado pelo “choque do petróleo”, e o preço do barril do óleo quadriplicou!

Naquela época, a resistência retomava a iniciativa política e obteve uma vitória eleitoral expressiva naquele ano. Aquela conjuntura impôs à ditadura uma manobra tática. Geisel anunciou então uma “abertura lenta, gradual e segura”.

Para os estrategistas da ditadura, essa “abertura” incluía uma condição cruel: a eliminação dos comunistas. O alvo inicial foi a direção do Partido Comunista Brasileiro (PCB), que teve vários de seus dirigentes sequestrados, torturados, assassinados, muitos dos quais ficaram como desaparecidos. Wladimir Herzog foi assassinado em 25 de outubro de 1975, sob tortura, no Destacamento de Operações de Informações/ Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) paulista. O culto ecumênico em tributo a ele, ocorrido na Catedral da Sé, em São Paulo, se transformou num grande ato público contra a ditadura e a tortura.

A ação criminosa voltou a repetir-se em janeiro de 1976, quando foi morto sob tortura, também no DOI-CODI paulista, o operário Manoel Fiel Filho. A crise iniciada nos próprios quadros da ditadura levou ao afastamento do general Ednardo D’Ávilla Melo, comandante do II Exército.

Acentuou-se a repressão contra o Comitê Central do Partido Comunista do Brasil, que havia dirigido a Guerrilha do Araguaia e continuava organizado e atuando em todo o país. A ditadura considerava isso uma afronta e um perigo; por isso, destruir a direção do PCdoB passou a ser um de seus objetivos centrais. Em 16 de dezembro de 1976 ocorreu a Chacina da Lapa, em São Paulo. A casa onde se realizavam as reuniões do Comitê Central do Partido foi atacada; Pedro Pomar e Ângelo Arroyo foram assassinados na ocasião; João Batista Drummond foi morto na tortura. E os dirigentes Haroldo Lima, Aldo Arantes, Elza Monnerat e Wladimir Pomar, além do motorista Joaquim Celso de Lima e da caseira Maria Trindade, foram presos e torturados. Era a vingança da ditadura contra aqueles que ousaram dirigir a resistência armada no Araguaia.

Um dos objetivos da repressão (conforme declarou o general Dilermando Gomes Monteiro, então comandante do II Exército) era o assassinato de João Amazonas. Seria ampliar enormemente a tragédia da Lapa, o que não ocorreu pois o dirigente comunista encontrava-se em missão partidária no exterior.

O golpe contra o PCdoB foi profundo, mas o Partido manteve-se unido e atuante, e reorganizou sua direção no exterior tendo à frente João Amazonas, Diógenes de Arruda Câmara, Renato Rabelo e Dynéas Aguiar.

Apesar da sanha assassina da repressão, as dificuldades políticas da ditadura cresciam. As consecutivas eleições que se seguiram mostraram a repulsa crescente do eleitorado. Na eleição de 1966, a primeira realizada sob a ditadura, a Arena (partido do regime discricionário) teve 50% dos votos, e o MDB (partido da oposição legal) ficou com 28%. Na eleição de 1970, no auge da ditadura, a Arena conseguiu 41%, o MDB 17%, refletindo a campanha de setores da oposição, entre eles o PCdoB, que pregaram a não participação naquela eleição; a soma dos votos brancos e nulos naquele pleito foi de 30,3%.

Mas, já na eleição seguinte, a de 1974, o espectro do declínio assombrou os conservadores. A Arena estagnou. O MDB recebeu 38% dos votos, elegeu 16 dos 22 senadores e 44% dos deputados federais. Foi uma grande derrota da ditadura. Na eleição de 1978 essa tendência se manteve. E em 1982, a oposição (formada agora pelo PMDB, PT e PDT) ultrapassou em número de votos e em percentual o partido da ditadura (23,4 milhões contra 17,7 milhões).

a) PCdoB defende bandeiras para unificar a oposição
Naqueles anos, a oposição cresceu e radicalizou seu pleito central por transformações profundas, como a anistia ampla e a Constituinte livre e soberana.

A ditadura se isolava. Em janeiro de 1975, o PCdoB insistiu em bandeiras para unificar, na luta contra a ditadura, amplos setores da sociedade: 1ª) Anistia ampla, geral e irrestrita; 2ª) abolição de todos os atos e leis de exceção; 3ª) convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte livremente eleita. E pregava a unidade do povo: “O êxito nesta tarefa exige a criação de uma ampla e combativa frente de oposição à ditadura (…). A unidade para a luta é a arma da vitória”.

4ª Fase: Declínio e fim da ditadura
A última fase da ditadura vai de 1979 – ano da Anistia, marco germinador de massivas lutas e de campanhas com grande participação do povo – a 1985, quando a jornada antiditatorial foi vitoriosa e abriu o processo de redemocratização.

Na década de 1970, as lutas populares ganharam expressão e força. Inicialmente, foi a batalha pela anistia ampla, geral e irrestrita. Em 1975 surgiu o Movimento Feminino pela Anistia, liderado por Therezinha Zerbini. Depois, o Comitê Brasileiro Pela Anistia (CBA) unificou o campo progressista e democrático. Surgiu também o Movimento do Custo de Vida, transformado em 1978 no Movimento Contra a Carestia, impulsionado pelos comunistas e por católicos progressistas. Ele mobilizou trabalhadores e o povo num grande movimento que coletou 1,3 milhão de assinaturas no abaixo-assinado encaminhado ao ocupante da presidência da República, o general Ernesto Geisel.

O regime ditatorial procurou levantar diques para tentar conter a correnteza que se avolumava. Em abril de 1977, baixou o Pacote de Abril que – entre outras medidas casuísticas para frear os êxitos do MDB nas eleições que iriam se realizar no ano seguinte – criou a figura abjeta do senador biônico, isto é, senador sem voto popular. Não adiantou. Em 1978, o MDB conquistou uma nova e importante vitória, e saiu reforçado com um elenco de combativos democratas e lideranças do movimento sindical e popular, entre eles o líder operário e comunista de São Paulo, Aurélio Peres.

Em 1978, os trabalhadores voltaram à cena com a greve dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo, marco inicial das grandes paralisações de 1979 e 1980 que contribuíram para minar os alicerces do regime militar. Elas foram lideradas por Luiz Inácio Lula da Silva e, apesar de duramente reprimidas – houve intervenções nos sindicatos e o enquadramento na Lei de Segurança Nacional dos líderes grevistas –, elas foram politicamente vitoriosas e derrotaram – principalmente com a greve de 1980 – a política de “abertura” controlada da ditadura.

O movimento estudantil retomou suas lutas em 1977. Em 1979, a UNE foi reorganizada no Congresso em Salvador, e sua atuação foi decisiva para engajar fortemente a juventude nesta fase da luta contra a ditadura, sendo frequentes os confrontos com as forças da repressão. A militância do PCdoB teve papel destacado na reconstrução das entidades e na busca da unidade e combatividade do movimento. Praticamente todos os presidentes da UNE e da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), desse período, eram lideranças do PCdoB, entre as quais Aldo Rebelo, ex-presidente da UNE, hoje ministro do Esporte.

O desgaste da ditadura levou o general Geisel a revogar o Ato Institucional nº 5 (AI-5) em outubro de 1978, e suspender a censura à imprensa. Ele foi substituído na presidência da República, em 1979, pelo general João Batista Figueiredo, ex-chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI). Foi um momento em que a ditadura apresentava fortes sinais de declínio e buscava uma sobrevida.

Depois de anos de luta, a lei de anistia foi aprovada, em agosto de 1979. Apesar de limitada, seu efeito foi reforçar a oposição com a volta dos exilados, a libertação dos presos e o retorno à luz do dia dos militantes clandestinos. Mesmo rejeitando seu conteúdo que beneficia os torturadores e assassinos da ditadura, o PCdoB a avaliou como uma grande vitória do povo.

Ao lado da imprensa alternativa já existente, foram criados, no final dos anos 1970, jornais ligados às organizações de esquerda clandestinas, como Tribuna da Luta Operária (PCdoB), Voz da Unidade (PCB), Hora do Povo (MR-8) e Convergência Socialista (CS). Esses periódicos foram importantes na luta política e de ideias contra a ditadura. Os jornais da imprensa alternativa foram muitas vezes alvo da repressão e da ação de terroristas vinculados ao aparelho repressivo. Inúmeras de suas edições foram apreendidas e seus editores e jornalistas processados pela Lei de Segurança Nacional (LSN).

Sedes de entidades democráticas, de jornais e bancas de revistas foram agredidas com bombas e depredações. Um atentado terrorista matou, na sede da OAB do Rio de Janeiro, em agosto de 1980, a secretária Lyda Monteiro da Silva. O último capítulo da ação terrorista ocorreu contra o show em comemoração ao 1º de Maio no Riocentro, no Rio de Janeiro. Na ocasião, explodiu uma bomba manipulada por dois militares, matando um deles. O artefato seria detonado durante o espetáculo, podendo provocar uma tragédia cuja culpa seria atribuída às organizações de esquerda.

Diante da ameaça de derrota da ditadura nas eleições marcadas para 1982 – que poderiam se transformar num plebiscito contra o regime militar –, foi imposta uma reforma partidária que colocou um fim ao bipartidarismo, endureceu as regras eleitorais com a adoção do chamado voto vinculado – pelo qual o eleitor deveria votar no mesmo partido de vereador a governador – e proibiu as coligações partidárias. Impunha também às agremiações o uso da palavra “partido” em suas denominações, uma forma de forçar o MDB a mudar de nome. Mas esse partido acrescentou a palavra exigida a seu nome histórico e se transformou no PMDB.

Naqueles anos, a oposição à ditadura cresceu com a adesão de novos setores sociais, e radicalizou-se o pleito por transformações profundas, como a anistia ampla e a Constituinte livre e soberana, bandeiras que postulavam o fim da ditadura. Em 1966, o PCdoB já sustentara esse objetivo, mas, em 1979, entidades nacionais prestigiadas também o defendiam, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a UNE, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), as Comunidades Eclesiais de Base e várias outras.

A campanha das diretas e a ofensiva final pelo fim da ditadura
Em 1984, foi apresentada ao Congresso Nacional a Emenda Dante de Oliveira, que instituía a eleição direta para presidente da República. As forças democráticas e populares realizaram, entre novembro de 1983 e abril de 1984, provavelmente as maiores mobilizações de massas já vistas no país. Foi a chamada campanha das Diretas Já, que envolveu 41 grandes comícios, entre eles aquele que é considerado o maior já ocorrido no Brasil, com 1,5 milhão de pessoas, em 16 de abril de 1984, em São Paulo.

Sob ameaça da ditadura, a emenda foi votada pelo Congresso Nacional em 25 de abril de 1984, sem alcançar o número de votos suficientes para sua aprovação, causando perplexidade e decepção à Nação.

Desde então, o foco da agenda nacional passou a ser a eleição presidencial indireta, marcada para o Colégio Eleitoral, em 15 de janeiro de 1985.

Para as forças oposicionistas havia um problema crucial: ir ou não ao Colégio e com que objetivo. Formou-se no Congresso Nacional o Grupo Só-Diretas, contrário à participação no Colégio Eleitoral, e que pretendia manter a campanha pelas Diretas. O PT também assumiu essa posição e outras forças se inclinavam pelo nome do governador de Minas Gerais, Tancredo Neves, como candidato oposicionista no Colégio Eleitoral. Em suma, havia dúvidas e indefinições, sobretudo nos setores políticos à esquerda.

Naquele contexto, sobressaiu-se o presidente nacional do PCdoB, João Amazonas, que se empenhou na busca do caminho para resolver o impasse. Para ele, a oposição antiditatorial, com a força acumulada no processo, poderia crescer ainda mais e derrotar o regime no seu próprio terreno, o Colégio Eleitoral. Para tanto, seria necessário que a oposição apresentasse um candidato comprometido com a ideia de ir ao Colégio Eleitoral para destruí-lo e, depois de eleito, convocar uma Constituinte livremente eleita, para pôr fim à ditadura. O fundamental – argumentava Amazonas – não era a forma pela qual o regime de força seria extinto, mas sim a sua extinção.

Amazonas participou do esforço de persuadir Tancredo a aceitar o desafio de enfrentar e derrotar o candidato da ditadura no Colégio Eleitoral. Para isso, conversou pessoalmente com o líder mineiro no Palácio da Liberdade, em Belo Horizonte. O presidente do PCdoB defendeu que a chance de derrotar a ditadura no Colégio Eleitoral não podia ser perdida, sendo importante promover novos grandes comícios pelo Brasil para explicar ao povo as novas perspectivas e os compromissos assumidos pelo candidato da oposição. E garantiu que o PCdoB iria às ruas defender esta opção.

O fim da ditadura e a Constituinte
A eleição de Tancredo Neves em 15 de janeiro de 1985, pelo Colégio Eleitoral, assinalou o fim da ditadura. Mas ele não chegou a tomar posse; adoeceu, falecendo em 21 de abril daquele ano, e o cargo de presidente da República coube a seu vice, José Sarney.

O Brasil redemocratizado começou a nascer então, embora de forma contraditória. Os chefes militares mantiveram forte poder sob a presidência de José Sarney e os setores civis que haviam patrocinado a ditadura continuavam influentes.

Mesmo assim, os partidos políticos que estavam na clandestinidade foram legalizados, entre eles o PCdoB; a censura à imprensa foi extinta; a liberdade sindical foi reconhecida; e, sobretudo, o compromisso de convocação de uma Assembleia Constituinte foi cumprido, sendo esta eleita em 1986.

A Constituinte tomou posse em 1° de fevereiro de 1987 e a elaboração constitucional durou quase dois anos até que, em 5 de outubro de 1988, a nova Carta Magna foi promulgada. A bancada de parlamentares do PCdoB deu reconhecida contribuição para que fossem aprovadas conquistas patrióticas, democráticas e sociais.

A nova Constituição, chamada de “cidadã” pelo deputado Ulysses Guimarães –presidente da Constituinte –, significou, depois do fim politico da ditadura, a institucionalização de uma nova, promissora e contraditória era democrática no Brasil.

Quase trinta anos depois, há exigências democráticas por realizar
Desde o fim da ditadura, em 1985, as forças progressistas lutam para construir, ampliar e consolidar a democracia. A Constituição de 1988 e as realizações dos governos Lula e Dilma deram contribuições relevantes para isto. Contudo, importantes tarefas e exigências democráticas ainda não foram realizadas, mesmo 29 anos depois da redemocratização.

O direito à memória e à verdade e a punição de agentes do Estado que praticaram torturas e outras violações dos direitos humanos sob a ditadura fazem parte dessas exigências. Impõem-se o esclarecimento do paradeiro dos desaparecidos políticos e dos restos mortais de oposicionistas assassinados, e também o livre acesso aos arquivos oficiais que contenham informações sobre os crimes da repressão.

Esta bandeira foi posta em pé desde o início da luta pela Anistia. A correlação de forças à época do fim da ditadura obstruiu a sua realização. Mas o PCdoB se engajou nesta luta desde a primeira hora. Já em 1980, integrou a primeira caravana de familiares dos mortos e desaparecidos que foi à região do Araguaia em busca de informações sobre o paradeiro dos guerrilheiros.

No Congresso Nacional e demais casas legislativas, os comunistas se empenham pelo êxito desta bandeira em comissões de direitos humanos, e nas comissões da verdade, de âmbito federal, estadual e municipal, que foram constituídas. A consciência democrática nacional não aceita que até hoje se negue às famílias dos mortos e desaparecidos o direito humanitário de enterrarem os restos mortais de seus entes. Esclarecer o que ocorreu sob a ditadura e responsabilizar os agentes que cometeram crimes durante a repressão é parte da continuidade da luta da erradicação dos efeitos do arbítrio que perduram na vida nacional.

Os governos Lula e Dilma têm feito um grande esforço para fazer cumprir o dever do Estado de reconhecer os crimes cometidos no período ditatorial, estender os direitos da Lei da Anistia a todos os perseguidos políticos e familiares, e o esforço político, pedagógico de se disseminar – sobretudo para as novas gerações – a memória e a verdade sobre os crimes cometidos pela repressão.

A Comissão Nacional da Verdade, antiga aspiração democrática, foi criada pelo governo da presidenta Dilma com a expectativa de que, ao final de seus trabalhos, contribua para que o Estado cumpra seu dever de proporcionar ao povo a verdade sobre os crimes e lance luzes sobre a memória daqueles que foram vítimas das atrocidades e de ressaltar a dignidade e o destemor de quem foi à luta.

Foram inumeráveis as vítimas da ditadura. Calcula-se que 500 mil cidadãos foram investigados; 200 mil presos; 11 mil processados nas auditorias militares; cinco mil condenados; e a grande maioria sofreu torturas. Houve também 10 mil exilados; 4.862 mandatos cassados; 1.202 sindicatos sob intervenção; 245 estudantes expulsos das universidades apenas através do Decreto 477; 49 juízes expurgados; três ministros do Supremo afastados, o Congresso Nacional fechado por três vezes; censura prévia à imprensa e às artes. Cerca de 400 foram mortos e 144 desaparecidos até hoje. São heróis do povo e da democracia. O culto à sua memória, o destaque ao que fizeram e à forma como foram mortos devem ser feitos “Para que não se esqueça. Para que nunca mais aconteça”.

Ampliar as conquistas, impedir o retrocesso
O Golpe militar de 1964 completa 50 anos. Neste momento, é necessário resgatar o papel do campo democrático e progressista na luta em defesa da democracia. Ao mesmo tempo, denunciar a recorrente intervenção golpista das forças reacionárias contra os ciclos progressistas do país. Foi o mesmo golpismo que veio à tona, em 2005, quando essas forças, alegando o chamado “mensalão”, atacaram o governo do presidente Lula e chegaram inclusive a tentar, com o apoio da mídia conservadora, cassar seu mandato. Este espírito de revanche moveu a ação da direita e dos conservadores brasileiros nos últimos 11 anos de governo. É uma ação contra os avanços da democracia política e social, sempre ceifados ou sufocados pela direita na história da República – ação desestabilizadora que também ocorre contra outros governos progressistas e anti-imperialistas na América Latina.

Na data simbólica do cinquentenário do golpe de 1964, o PCdoB – que comemora 92 anos na defesa permanente da democracia – defende a união de amplas forças políticas e sociais, democráticas e progressistas, em defesa do Brasil, do desenvolvimento, da democracia e do progresso social, barrando qualquer tentativa de retrocesso.

Comissão Política Nacional do Partido Comunista do Brasil
São Paulo, 28 de março de 2014

FONTE: Blog do Renato Rabelo
############################################################################################################
























terça-feira, março 25, 2014

As Campanhas Reivindicatórias e a Conjuntura Política.


As conjunturas nos remete a luta. E enquanto categoria profissional, não há como conceber nossas conquistas fora do âmbito da mobilização e organização classista. O sindicato, por sua vez, torna-se um elemento de singular importância para a obtenção e avanços no que tange os direitos coletivos. No entanto, nenhum processo de reivindicação pode ser vitorioso se os seus agentes não se apoderam das conjunturas que os cercam. Qualquer movimentação política torna-se irresponsável quando se estabelece desprovida de uma mínima leitura e reflexão sobre os fatos que norteiam a contemporaneidade. Nesse contexto, apresento esse breve debate sobre alguns aspectos que estão inseridos na conjuntura política nacional, e que vão influenciar direta e indiretamente, a campanha reivindicatória dos professores da educação privada em Pernambuco.

Como é bem compreendido, a sociedade em meio a uma série de fatos ocorridos principalmente a partir da última década tornou-se um cenário marcado por grandes transformações sociais. A democracia brasileira, nesses últimos anos, se estabelece em um processo marcante de amadurecimento, implicando em maiores questionamento sobre as formas tradicionais de administração do poder público. A exemplo disso, podemos destacar o ano de 2013 em que a reforma política tornou-se uma das pautas do povo brasileiro, principalmente após as jornadas populares de junho, quando a juventude e a classe trabalhadora foram as ruas e juntos às centrais sindicais e demais entidades representativas, reivindicaram formas mais progressistas de se pensar sobre a organização do Estado, a participação cidadã e a oferta dos direitos fundamentais.

E nesse horizonte pautado pelo crescente interesse por parte de uma significativa parcela da população em torno do debate político, mais uma vez é colocada ao futuro do país uma nova encruzilhada. Observa-se a emergência e disputa de dois projetos distintos de Estado. De um lado, os interesses populares, democráticos e classistas; capitaneados principalmente pelos partidos políticos, movimentos sociais, entidades sindicais e setores da intelectualidade ligados à esquerda. Do outro, as elites conservadoras patrocinada pela grande mídia burguesa, partidos de direita e representações dos interesses empresariais e latifundiários. É válido pontuar que esses últimos, vem se aproveitando dos movimentos espontâneos das ruas, para disputar as consciências populares no intuito de retomar as concepções neoliberais enquanto elemento norteador das políticas e instituições públicas, como também reforçar os interesses feudais predominantes da estrutura do Estado e dessa maneira, travar qualquer forma de desenvolvimento social e econômico no Brasil.

Dentro dessa quadra, soma-se ao ano de 2014 importantes fatos, que direta e indiretamente vão influenciar o panorama político e institucional do país, principalmente no contexto das próximas eleições gerais. Os 50 anos do golpe militar de 1964 e a Copa do Mundo são alguns desses elementos, que a luz de um debate mais amplo, detém a capacidade de trazer maior nitidez para o entendimento a cerca dos objetivos que estão alinhados a esses projetos de sociedade que estão postos para os brasileiros. Neste ponto, é preciso garantir a quarta vitória do povo, essa por sua vez, mesmo diante de tamanhas contradições no âmbito da política e da macroeconomia, está diretamente relacionada a mobilização pela reeleição da presidenta Dilma Rousseff à chefia do executivo federal e ampliação do número de parlamentares que representem a luta dos trabalhadores nas assembleias legislativas estaduais e no congresso nacional.

Frente a esta breve contextualização, os professores da rede privada iniciam mais uma campanha reivindicatória, restabelecendo, enquanto trabalhadores organizados, um importante momento para a categoria, no que tange a reflexão sobre as conquistas de direitos e a necessidade de se avançar para o estabelecimento de um panorama laboral decente nas instituições particulares de ensino. É válido relembrar que esta campanha ainda se aflora dentro de um contexto marcado por novas investidas da OIT em oficializar a flexibilização da CLT, colocando em risco a utilização dos contratos por tempo indeterminado, além das tentativas de retrocesso imposto pelo Senado Federal na aprovação do projeto do Plano Nacional de Educação, e diga-se de passagem, orientado pelo MEC, na própria figura do ministro Mercadante.

E em virtude dessas leituras, é fundamental que pontuemos questões como: excessiva jornada de trabalho docente, a unificação do piso e reajuste salarial, pagamento das aulas-atividades, instituição do vale cultura, pagamento do ticket alimentação e questões relacionadas a saúde dos(as) professores(as), à luz de uma visão crítica sobre o conjunto de fatos que permeiam a contemporaneidade, a fim de se perceber o quanto esses fatores influenciam não apenas a nossa realidade no ponto de vista docente, mas também ao cotidiano dos demais trabalhadores brasileiros. E dessa maneira, a política classista torna-se uma necessidade para avançarmos na construção de um mundo do trabalho que tenha como alicerce um projeto nacional de desenvolvimento capaz de lançar as bases para uma transição indispensável ao socialismo.

############################################################################################################




















domingo, março 23, 2014

‘Donos de propriedade pagam pouco imposto’, diz Marcio Pochmann.


Presidente de organização do PT diz que é preciso buscar novas formas de financiamento do Estado

De forma discreta, mas atuante, o economista Marcio Pochmann está no centro do debate político-econômico dos petistas. Desde dezembro de 2012, preside a Fundação Perseu Abramo, instituição do PT dedicada à reflexão e à formulação de propostas para o partido. Uma de suas tarefas é acompanhar um grupo de 30 economistas, cientistas políticos, acadêmicos e sindicalistas que se dedicam a observar a conjuntura e a formular propostas que podem ou não ser apresentadas - e talvez adotadas - pelo governo. Pochmann também participa de encontros no Instituto Lula. Diferentemente da maioria dos economistas desta série, ele não acredita que o Brasil está numa armadilha de baixo crescimento.

"Grande parte dos países no mundo precisa optar entre entrar em declínio ou em decadência. Nós discutimos se vamos crescer mais ou menos." Entre suas preocupações está aperfeiçoar o que chama de "composição do financiamento do Estado" - em outras palavras, mudar a estrutura tributária.

"Há folga para reduzir impostos em vários segmentos e a possibilidade de aumentar em outros que contribuem pouco", diz, na entrevista que segue.

Como o senhor está vendo a economia brasileira hoje?
Quero partir de uma crítica. Estamos diante de uma grande desintonia. De longa data, a economia política do Brasil segue sustentada em dois eixos de análises com argumentos para duas visões do Brasil. Um lado está vinculado a um pensamento liberal que remonta ao século 19 e foi representado no século 20 por Eugênio Gudin (economista Eugênio Gudin Filho, ex-ministro da Fazenda). Esse liberalismo foi sendo sofisticado e que temos hoje são seus representantes, que alguns chamam de neoliberais. Como Eugenio Gudin, eles acreditam que parte da nossa força produtiva de base industrial era artificial e só sub existia porque o Brasil era uma economia fechada. Ao ser aberta, não resistiria. Também acreditavam que o nosso leito natural era a economia agrária, sustentada por alguns nichos de competitividade, um deles o financeiro. O outro eixo, temos a perspectivas dos herdeiros da visão desenvolvimentista, num debate que nos anos 40 e 50 contava com Roberto Simonsen (Roberto Cochrane Simonsen, engenheiro e economista), um industrialista e intelectual engajado. Hoje, ainda estamos ensanduichados por essas duas perspectivas de interpretação do Brasil. Sou crítico aos dois eixos. Não podemos voltar ao liberalismo puro e simples, a uma economia muito aberta, tão pouco dá para repetir o projeto nacional-desenvolvimentista de uma economia fechada. Ao meu modo de ver, estamos vivendo um momento singular da história do Brasil. Ele não perceptível porque as lentes que leem a economia brasileira se voltam muito para o passado. Vou usar uma analogia. O sistema econômico mundial é como se fosse um rio que dá um sentido geral das coisas, mas está espremidos por margens. Em alguns momentos, porém, ocorrem cheias. Quando a água transborda das margens, formam novas vias e atalhos. É nesses momentos - e eu identificamos que estamos em um deles - que o Brasil se coloca de maneira mais ampla. Olhando a história, vamos identificar que houve dois outros momentos com essa sintonia. Entre 1873 e 1896, um período de depressão, mas, simultaneamente, de inovações, o Brasil fez uma série de mudanças que não foram bem entendias pelas visões tradicionais da época. São desse período a reforma política de 1881, a mudança de regime de governo de Império para República, a reforma laboral, que foi o fim da escravidão em 1888, a nova constituição em 1989. Enfim, foram criadas as bases institucionais e materiais para que o País desse um salto e se colocasse no mundo como um grande produtor de café depois de um longo período de baixo dinamismo econômico. A partir daí, criou-se também a base para a industrialização, uma vez que ela ocorreu a partir do ciclo econômico da cafeicultura. O segundo momento, ocorreu a partir da crise de 1929 e entra pela década de 30. O projeto urbano e social desse período propiciou que o Brasil montasse uma base industrial. Uma leitura dos jornais da época mostra os analistas achavam um absurdo muitas das decisões de Getúlio Vargas. O que se dizia era que Getúlio gastava demais, que errou ao desvalorizar câmbio. Passado o tempo, as pessoas reconheceram que aquele foi um ponto de ruptura. Estou dizendo tudo isso para exemplificar que, do meu ponto de vista, estamos diante dessa perspectiva. O Brasil tem hoje problemas de ordem conjuntural, mas novos elementos estruturais foram lançados que vão permitir que o País chegue ao final da segunda década do século 20 como o maior produtor mundial de alimentos, o quinto maior produtor de manufaturas, com uma democracia consolidada, com regularidade eleitora, liderando um novo conjunto de avanços sustentáveis. Estou dizendo isso com base em três elementos. O primeiro foi o reposicionamento do Brasil em relação ao mundo. O Brasil se afastou do guarda-chuva americano. Avançou numa articulação econômica com a Ásia, em particular com a China. É também um momento especial em termos de deslocamento do centro de dinâmico mundo - dos Estados Unidos para Ásia. Ainda vai ser preciso esperar que muita água passe debaixo dessa ponte, mas esse deslocamento é inegável. Ao mesmo tempo, o Brasil mudou o seu centro comercial. Antes ele era concentrado nos países ricos agora tem uma perspectiva de incorporação para países mais fortes na América Latina e na Ásia. Abriu um novo horizonte. Não é nada simples, mas quero destacar que é um movimento novo no Brasil, graças a ação da diplomacia brasileira. Para uma série de países, o Brasil se coloca como uma nova postura - perdoa dívidas externas, oferece cooperação técnica, com a Embrapa, a Fiocruz e até com o Ipea que está lá na Venezuela. O Brasil tem uma postura de colaboração. Contribui com o desenvolvimento de outros países naquilo que ele sabe fazer. O País ainda criou um conjunto de corporações capazes de competir globalmente. Hoje 500 grandes corporações transnacionais respondem por 50% do PIB do mundo. Dois terços do comércio mundial é praticado intraempresas. Alguma coisa como 57% dos investimentos em novas tecnologias dependem dessas empresas. Ou seja: se você não tem grandes empresas, está fora do jogo. O Brasil tem um projeto de organização de corporações - e isso está provado na prática com capacidade para competir globalmente. O projeto chinês é ter 150 dessas 500 maiores empresas . O Brasil não pode ficar de fora. O outro elemento importante desse reposicionamento do Brasil no mundo é nova articulação geo-político militar que está sendo construída. O Brasil tem uma das maiores fronteiras marítimas do mundo e não possui um sistema de defesa a altura. É um segundo País do em fronteira seca, com problemas seríssimos de segurança. Mas agora estão remontando as bases do Brasil também no que se refere a essa segurança. Precisamos ter aviões supersônicos e a compra de aviões depois de muito tempo vai nos possibilitar o domínio tecnológica para a produção numa área estratégica. A mesma coisa ocorre em relação a submarinos nucleares. A articulação com a China também vai nos propiciar uma aproximação com a produção de satélites. Esse é o primeiro item: como o Brasil se posicionou em relação ao mundo. O segundo item é a mudança da estrutura social brasileira. O que está ocorrendo no Brasil é uma nova estratificação social. Tínhamos uma estrutura piramidal - seja qual for o critério utilizado, renda, educação, por exemplo. Isso está se alterando de uma maneira rápida. Essa estratificação social cria uma outra perspectiva em relação a população brasileira. É uma mudança de estratificação também do ponto de vista regional. Regiões que antes eram vistas como mais atrasadas, hoje tem um grau de dinamismo muito importante, que está estabelecendo um novo federalismo no Brasil. Essa estratificação social também traz pressões e está mudando a agenda política. No entanto, muitas instituições ainda não conseguiram a conectar a essa nova realidade. Tivemos 22 milhões de novos empregos gerados que os sindicatos não conseguiram captar do ponto de vista da sindicalização. Mais de um milhão de jovens entraram no ensino superior pelo Pró Uni e cerca de 1,2 milhão passaram a ter acesso pelo Fies, mas essa gente não se ligou a instituições estudantis. Quase 1,5 milhão de famílias humildes tem acesso a habitação, mas não se vinculou as associações de bairros. É uma nova estrutura e acredito que esses segmentos que estão ascendendo vão liderar o Brasil daqui a alguns anos. O terceiro movimento diz respeito a reinvenção do mercado. Éramos uma das economias mais fechadas do mundo, com um grau de abertura de 3% do PIB. A partir da crise da dívida, nos anos 80, partimos para a liberalização generalizada, talvez sem critérios, que desestruturou um pouco nossa capacidade de produzir de forma mais adequada ao mercado interno. A lição que temos é: o Brasil pode crescer distribuindo. É importante destacar isso, porque ficou a ideia de que era preciso crescer para distribuir - houve uma inversão de prioridades. A ideia de distribuir para crescer nos abriu um outra oportunidade do ponto de vista do mercado. Há quase uma revolução na reestruturação empresarial com micro e pequenas empresas. O Simples, um novo regime de tributação, alavancou esse mercado. Dos 22 milhões de empregos gerados nesses 12 anos, 72% vieram de micro e pequenas empresas. De cada 10 empregos gerados, nove são com carteira assinada. É verdade que, no grosso, são salários de até dois salários mínimos. Porém, se estivéssemos gerando empregos de 10 ou 15 salários mínimos para cima, esse segmento que emergiu não teria possibilidade de disputá-los por causa da baixa escolaridade. Há também 3 a 4 milhões de novo microempreendedores individuais que se formalizaram e passaram a ter novas oportunidades, seja por meio de compras governamentais, seja pelas licitações que incorporaram grande parte desse segmento. O Brasil que se coloca de outra maneira no mundo, alterou a sua estrutura social e remonta a sua economia em novas bases, com a participação das micro e pequenas empresas - sem que isso signifique que não tenhamos grandes empresas.

O senhor falou que o País se acostumou a ver a economia por duas óticas que não estão valendo, o neoliberalismo e o desenvolvimentismo. Mas o que se diz é que o governo Dilma se voltou para o desenvolvimento e que, de seis meses para cá, deu uma guinada mais ortodoxa do ponto de vista econômico - privatizou, está preocupado com o rebaixamento da nota de risco. Houve uma mudança na sua opinião?
Acredito que o governo da presidenta Dilma deu respostas ao movimento que ocorreu no mundo a partir de 2008. Foi criada uma perspectiva nos anos 90, sobretudo nos anos 2000, que o Estados Unidos era uma nação já meio decadente, que já não tinha muito a oferece, e agora o dinamismo do capitalismo viria da relação o Sul-Sul, principalmente dos Brics. O que vimos foi algo diferente. Após 2008, o Estados Unidos buscou uma reestruturação em novas bases e voltou a exercer a sua hegemonia. Os americanos fizeram agora algo muito parecido com a que fizeram anos 80, quando se dizia que ele seria sucedido pelo Japão. Após 2008, o governo Obama que buscou reindustrializalção. O programa para tirar o país da crise é muito agressivo em relação a questão do comércio, no realinhamento com a União Europeia, na tentativa de mudar o eixo da matriz energética com o xisto, que irá reduzir enormemente os custos de produção. O Estados Unidos está se recolocando no mundo. Os Brics, por sua vez, tiveram uma redução no ritmo de expansão. A China crescia 10%, 11%, mas agora cresce bem menos. Todos os Brics crescem menos. Não é um problema exclusivo do Brasil. Em parte, isso foi provocado pela reação da União Europeia e dos Estados Unidos que, para sair da crise, fizeram um acirramento comercial que afetou a todos e nos colocou questões novas. Para gerar crescimento, o capitalismo brasileiro, a meu modo de ver, deve combinar grandes blocos de investimentos com ciclos de consumos. Tivermos um grande bloco de investimento nos anos 40 e 50 com a Companhia Siderúrgica Nacional, a Companhia Alcalis. Houve um esforço de investimento que permitiu um avanço para um ciclo de consumo. Depois tivemos um segundo bloco com o Plano de Metas de Juscelino Kubitschek. O terceiro grande bloco de investimentos, que altera a relação investimento PIB, se deu com o segundo PNB (II Plano Nacional de Desenvolvimento). De lá para cá, nunca mais tivemos um grande bloco de investimentos. A presidente, ao olhar a reação americana, viu que era preciso realinhar as bases internas para que o Brasil pudesse reagir. Viu que era preciso realinhar a estrutura comercial e produtiva. Foram feitas modificações que até dão a ideia de ruptura, mas que, na verdade, estão dando uma resposta à mudanças no contexto externo. O que se fez em 2011 e em 2012, foi uma reacomodação do crescimento e dos investimentos - apesar de o investimento ter crescido. Estamos começando agora a dar um novo horizonte, que será demarcado por um importante bloco de investimentos, inexoravelmente com a participação do setor privado. De 2003 para 2013, o investimento público aumentou muito. Mas ele por si só não sustenta um grande bloco de investimentos. A questão que se coloca para nós é: como envolver os setor privado para gerar esse grande bloco de investimentos que permita um novo ciclo de consumo?

Qual o papel do setor privado e do setor publico?
Como já disse, temos de parar de oscilar entre as duas ideia que, de um lado, o setor privado é algo bem melhor e que, por outro, o setor público é um problema. Precisamos de um modelo híbrido, uma combinação. O que for estratégico para o Brasil, mas que o setor privado não faz, fica para o Estado. A série de outras coisas que o setor privado faz - e faz melhor - devemos deixar para o setor privado. Infelizmente, as discussões sobre o papel do Estado ficaram muito contaminadas nos anos 90. Guardada das devidas proporções, o que vemos hoje é algum muito parecido com o que ocorreu durante o governo de Juscelino nos anos 50. Nós tínhamos a Fábrica Nacional de Motores. Era a única montadora brasileira de veículos. Uma estatal. Também tínhamos um setor energético, mas ele estava na mão no setor privado. Colocava energia para quem tinha dinheiro e quem não tinha ficava sem luz. Naquele momento pararam e pensaram qual era a estratégia para o Brasil: montar veículos ou ter energia? A resposta foi privatizar a CNM e estatizaram o setor elétrico. Estamos num momento parecido. Houve um mal entendimento sobre os aeroportos, por exemplo. Houve quem reclamasse: 'mas vamos dar os aeroportos para o setor privado?'E a gente respondia: 'mas é concessão, podem devolver em algum momento no futuro.' O que importa é apenas saber: mas se justifica, no inicio do seculo 21, um país se meter a fazer coisas que o setor privado faz bem? Não é melhor que o estado priorize outras coisas? O primeiro mandato do governo Dilma foi um enunciado da mudança que define como o Brasil se reconecta nos desafios que estão colocados agora.

O que se pode esperar do segundo mandato de Dilma?
Entendo que, assim como foi o segundo mandato de Lula, será muito mais exitoso do ponto da ousadia das decisões. Nós fizemos uma reforma administrativa que é pouco analisada - a invenção do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Hoje temos o chamado presidencialismo de coalização. Ele exige composições entre os partidos. Muitas vezes, essa coalizão - não apenas no governo federal, mas também nos governos estaduais - é mais pragmática. A capacidade de absorver recursos para investimentos é relativamente pequena frente aos recursos de custeio. Dentro disso, o PAC e uma inovação proporcional a feita por Juscelino nos anos 50. Juscelino introduzir a administração direta, pois a administração indireta criada por Getúlio já estava saturada. Mais tarde, o modelo foi consolidado nos governos militares. Depois de 1967, não tivemos nenhuma grande mudança administrativa para valer. O PAC estabeleceu uma outra forma de definir o que e prioridade, independentemente de quem seja o ministro ou o partido. Ali está definido o que e preciso fazer. O PAC define regras essenciais para estabelecer prioridades e recursos para a execução dessas prioridades. No inicio tivemos dificuldades porque o Estado sofre intervenções dos ministérios públicos, por exemplo, e por qualquer problema tem uma obra paralisada. Agora, porém, as concessões estão dando uma vitalidade. Como houve um aprendizado, nos segundo mandato teremos muito mais agilidade na execução de grandes obras. É preciso lembrar: obras não eram feitas no Brasil há décadas. Depois do segundo PND, que grandes obras foram feitas no Brasil? Não havia mais a cultura das grandes obras dentro do governo. Só coisas menores eram feitas. Em seu segundo governo, FHC (Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente) propôs o Avança Brasil, mas não conseguiu implementá-lo. Teve problemas com a execução e a falta de recursos. Mexer com a administração publica e uma coisa complexa - e é isso que estamos fazendo.

Qual seria a agenda de medidas do governo Dilma e um eventual segundo mandato?
É difícil dizer porque eu não participo do governo. Uma coisa é o governo. Outra coisa é o PT. Embora o PT tenha uma certa hegemonia, ele é a liderança de um conjunto de partidos e o governo expressa a correlação de forcas desse conjunto. Nem sempre o PT gosta das medidas adotadas pelo governo, mas o partido entende que foi necessário tomá-las no contexto da correlação de forças do conjunto. Posso falar do ponto de vista partidário. Posso falar em meu nome. Mas não posso falar pelo governo. Eu pessoalmente entendo que é preciso avançar na realização de reformas que possam modernizar o País para consolidar os avanços feitos nos últimos 10 anos. Depois de muito tempo, o Brasil conseguiu coadunar três elementos importantes: democracia, crescimento e distribuição de renda. De 1960 para cá, não havíamos conseguido isso. Nos anos 60, tínhamos crescimento econômico, não tínhamos democracia e a distribuição de renda piorou. Éramos a 8ª economia do mundo, mas 50% da população vivia na pobreza. Nos anos 80 e 90, voltamos a ter democracia, mas não havia crescimento econômico e o que distribui. No ano 2000, passamos a 13ª economia, tínhamos desemprego e a pobreza persistia. Na ultima década, porém, tivemos crescimento econômico, regime democrático e distribuição de renda. Para consolidar esse processo, precisamos de reformas em áreas como a tributação, por exemplo. O Estado se mostrou um ávido arrecadador de impostos principalmente da parcela mais pobre. Isso precisa mudar a meu modo de ver. Melhoramos muito o gasto publico - ele é mais progressivo. No entanto, ainda há muito o que fazer. Em relação a cultura, por exemplo. Onde estão os equipamentos públicos para a cultura? De cada 10 cidades, apenas uma tem cinema. Precisamos de museus. A população não quer só emprego e renda. As manifestações pediram um conjunto de novas reformas, principalmente na área de serviços. Somos hoje uma sociedade de serviços, mas temos uma enorme deficiência na prestação desses serviços - sejam públicos ou privados. Quem aqui está feliz com os serviços de telefonia, com os serviços bancários ou com os de saúde privada? Mas também temos problemas sérios na saúde e na educação publicas. É necessário fazer uma reestruturação nessa sociedade de serviços e uma reconfiguração do papel do Estado nisso. Não podemos mais olhar o problema de forma individualizada - a educação cuida da ignorância do individuo, a saúde, do doente. É preciso uma ação mais articulada em toda a sociedade de serviços e também repensar como fica a indústria. Vamos continuar com a política de defesa dos setores industriais ou vamos ter uma política mais agressiva em determinados setores, olhando o mundo das cadeias globais de valor? Nós já estamos em todos os setores. Mas como queremos estar nesses setores? Como produtores de matérias-primas? Como mão-de-obra barata? Como produtor de tecnologia? Como distribuidores? Como montadores? São definições que precisam constar da política produtiva.

O senhor repetiu várias vezes que o Brasil agora tem crescimento econômico e que houve uma queda momentânea desse crescimento em função de uma queda no patamar global de crescimento. Mas é isso mesmo? A maior queixa em relação ao governo Dilma é que ele é marcado pelo baixo crescimento. Não há nada a melhorar internamente para fazer o País crescer?
Sim. Não há dúvida. O que verificamos de 2011 a 2012 foi a tentativa de criação de uma nova matriz que pudesse sustentar um novo ciclo de crescimento com a criação de um novo bloco de investimentos. Sem esse bloco de investimentos não vamos sustentar o ciclo de consumo - a não ser que houvesse uma expansão externa, que esta longe de ocorrer dado o quadro internacional. O investimento é o elemento chave para dar continuidade aos avanços alcançados até agora. O problema é que você não faz isso da noite para o dia. Leva um, dois anos para se reorganizar um País em que a indústria tem um peso menor. Como reconectar a ação do Estado ao setor privado? Como você atrai os grandes jogadores internacionais, que estão olhando o mundo todo e não só o Brasil? E como você atrai investidores dos setores que você acha mais importantes? Afinal, não é para atrair qualquer investimento. Vamos ser apenas um grande produtor de matérias primas? Mas isso não vai produzir um país desenvolvido. Como industrializar parte importante das cadeias produtivas para ter outra inserção nas cadeias globais de valor? Como manter aqui o setor automobilístico, que cresceu muito, e fazer dele uma experiência exitosa para outras áreas? São questões relevantes que precisam ser definidas.

Só para esclarecer: a nova matriz que o senhor mencionou é esta que inclui redução de juros e câmbio mais desvalorizado? O que é a nova matriz?
Tivemos uma grande mudança no País. Houve o reconhecimento de que gastávamos de 9% a 10% do PIB com juros. Agora gastamos 6%, 5% e até 4% dependendo do ano. Economizamos 5 pontos porcentuais. Uma parte desses 5 pontos porcentuais foi para o investimento e outra parte, para as transferências e os ganhos salariais. A renda do trabalho em 2002 representava 39% do PIB. Hoje representa 48% do PIB. É um aumento importante. Poucos países do mundo fizeram algo assim. Um trabalho da ONG Oxfam mostra que o mundo hoje vive um quadro de enorme desigualdades. Grande parte dos países no mundo precisa optar entre entrar em declínio ou em decadência mesmo. O Brasil não está nessa situação. Estamos discutindo se vamos crescer mais ou menos. O País precisa crescer mais, sim, mas o nosso horizonte não é igual ao da maioria dos países. A OIT (Organização Internacional do Trabalho) divulgou um estudo mostrando que de 2008 para cá os países ricos destruíram 62 milhões de empregos. Nesse período, o Brasil aumentou o número de vagas em 11,5 milhões. O Brasil está em outra perspectiva. A redução do juros é uma opção do governo. Foi preciso subir um pouco no contexto de 2013, mas a trajetória é de queda. Em 1980, o Brasil gastava 1,8% do PIB com juros. Os países ricos gastam hoje cerca de 1%. Por que a gente precisa gastar mais de 5%? Alguma coisa está errada nisso e é preciso corrigir - até para que possamos ter mais folga para fazer os investimentos. Esse é um exemplo de que gastamos mal o dinheiro. Não é preciso gastar tanto com o sistema financeiro.

Só para esclarecer. Muita gente fala que o governo estabeleceu uma nova matriz econômica e que depois, quando viu as dificuldades ao longo desse caminho, voltou atrás. Na sua opinião, estamos em um período de transição e devemos dobrar a aposta nessa matriz. É isso?
Sim. Mas veja bem: uma coisa é o horizonte, a linha estrutural que se tem pela frente, a outra coisa é a conjuntura. Dependendo da situação é preciso fazer concessões. Nós estávamos reduzindo o juros desde o presidente Lula. A Dilma acelerou esse processo em 2012 porque havia espaço. Depois, viu que foi em certa demasia e retraiu-se. Voltamos a aumentar os juros. Em parte, isso ocorreu por causa da inflação, mas muito mais porque houve o reconhecimento que não há autonomia para fazer política monetária. Depois do que ocorreu com o Fed (Federal Reserve, banco central americano) nos Estados Unidos em 1978, 1979, nenhum país no mundo faz política monetária de forma autônoma - talvez a China. Os sinais dados pelo Federal Reserve desde o ano passado fez com que praticamente todos os países elevassem a taxa de juros - e nós tivemos que elevar também.

Além do juros o que mais faz parte da nova matriz?
A composição do financiamento do Estado.

Você pode detalhar melhor?
Há uma série de estudos que mostram que a base tributária do Brasil é assentada sobre o consumo, e em determinados setores produtivos. O Brasil precisa rever esse elemento de competitividade e, ao mesmo tempo, a discrepância que representa alguns setores pagarem muito mais impostos que outros. Não é justificável.

Mas quem teria de pagar menos e quem teria de pagar mais imposto daqui para frente?
A experiência internacional mostra que a uma estrutura tributária pode ser progressiva, proporcional ou regressiva. Regressiva é quando os pobres pagam mais que os ricos. Proporcional e quando ela é imune às forças de mercado. Na progressiva, quem tem mais renda paga mais impostos. A impressão que eu tenho no Brasil, olhando os dados, é que a cobrança sobre as rendas da propriedade é relativamente pequena. Temos que olhar para isso. Há folga para reduzir impostos para vários segmentos e a possibilidade de aumentar para outros segmentos que contribuem pouco. Olhando em termos internacionais, não há nenhuma radicalidade em considerar isso.

O Senhor pode detalhar mais? Esse é um ponto novo. Não ouvimos isso em outras entrevistas.
Só estou falando...

....falando em seu nome e das instituições que representa aqui. Está claro?
Isso. No Brasil hoje, estamos em uma economia que cada vez mais se desmaterializa. Cerca de 72% dos empregos no Brasil hoje estão vinculados ao setor de serviços. Trata-se de um trabalho imaterial, intangível. Avançamos cada vez mais numa economia baseada no simbólico. Mas essa parte quase não é tributada no Brasil - e no mundo, diga-se passagem. Mas é necessário olhar isso melhor. Se olharmos a estrutura tributária brasileira vamos ver IPI, o ICMS uma enorme quantidade fiscais para acompanhar as cobranças. Há um peso enorme para se fazer a cobrança dos impostos. Qual o custo de cada imposto cobrado? Qual é o sistema tributário contemporâneo a nova realidade do Brasil? Qual o sistema vai reduzir o custo da tributação e também permitir uma redução na tributação?

O senhor podia dar mais detalhes?
Vamos pegar esse telefone. De 85% a 95% do preço é trabalho imaterial. É logística, design, marketing. A parte material é uma parcela menor do custo. No entanto, estamos concentrados em tributar o tangível. Nós mesmos estamos trabalhando aqui (na Fundação Perseu Abramo) no que seria o financiamento - um fundo público - a partir dessa economia desmaterializada.

O senhor poderia pontuar alguns setores?
De maneira geral, os proprietários, que têm propriedade e pagam pouco tributo no Brasil, seja qual for a tributação que se olhe. Em relação aos setores, há um problema. Nós ainda não temos muita clareza em como apresentar o setor em si porque viemos do método Colin-Clark (economista australiano Colin Grant Clark), lá dos anos 30, que dividiu a economia em setores primário, secundário e terciário. O primário é a agricultura e a pecuária. É fácil de medir. O secundário e a indústria e a construção civil. O terciário é tudo que não couber nesses dois. É uma coisa pouco conhecida e pouco trabalhada. E até vou te adiantar: acredito que o nosso PIB está subdimensionado. O crescimento deve ser muito maior. Há vários sinais. Basta olhar o emprego, a arrecadação, os valores agregados, a dinâmica econômica das contas nacionais. Toda vez que há uma inovação nas contas nacionais, que você tenta medir o peso dos serviços, você vê que a economia e a riqueza são maiores. Qual é o peso, por exemplo, da cultura? Então, tenho dificuldades de dar como exemplo esse ou aquele setor.

Banco é um exemplo?
O banco é intermediário. Pega e distribui. Evidentemente, tem a questão do patrimônio, mas não dá para simbolizar em um segmento. Precisamos olhar melhor a questão dos serviços. Quando eu estava no Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) começamos a fazer um esforço com a Receita Federal, inclusive, para poder entender as novas formas de riquezas.

E vai mesmo aumentar de um lado e reduzir do outro? Porque na história recente do Brasil, o peso da tributação só aumenta.
E é claro que reduzimos os impostos. No regime militar o imposto de renda era maior. Em 1980, o imposto de renda era de 50% e caiu para 27%. Tivemos uma desoneração de R$ 70 bilhões.

Mas carga tributária só aumentou...
A carga bruta aumentou, mas a carga líquida está praticamente congelada. A carga tributária líquida é praticamente a mesma desde 1980. Uma coisa é a carga tributária, em que você pega tudo quanto foi arrecadado e compara com o PIB. É uma maneira de ver. A outra coisa é a carga tributária líquida em que você olha tudo que entra e que sai imediatamente - como os subsídios, as subvenções. Os que declaram imposto de renda, por exemplo, deixam de pagar de R$ 12 bilhões a R$ 14 bilhões descontando as prestações da saúde privada. O Brasil é um dos poucos países do mundo que financia a saúde pública e a saúde privada. Que financia a educação pública e a educação privada. Sim. Nós fazemos isso. Ninguém gosta de pagar imposto. Estou dando um exemplo concreto. Uma coisa é você calcular a carga tributária bruta - que está em 35% ou 37% dependendo da contabilidade. Ela não é baixa. Mas quando você tira o que sai - o que paga de juros, a previdência - vê que o Estado tem efetivamente para gastar algo em torno de 18% a 19% do PIB.

Qual o objetivo de aumentar a carga tributária bruta? Para que o Estado tenha mais margem para gastar? Para distribuir renda?
O Brasil ainda é brutalmente desigual. Nos anos 80, éramos o terceiro em desigualdade. Hoje estamos entre os 15 e ainda temos que reduzir mais. A gente fala hoje com uma certa normalidade sobre o tema, mas não é fácil reduzir desigualdade numa sociedade que se construiu sobre a desigualdade. As tensões estão ai. Há um certo desconformo no ar. Muita gente não aceita compartilhar determinados espaços com outras pessoas - seja no ensino superior, dentro de um avião, num restaurante. É uma mudança cultural que estamos fazemos com tensões. À medida que formos quebrando preconceitos de um herança vamos ter espaço para crescer. O fundo público é importante neste sentido. Mas não acredito que vamos aumentar a carga tributária. É desnecessária na medida em que seja possível trabalhar melhor com as isenções, as desonerações e os gastos inapropriados - como mostrou a questão financeira. Não é preciso gastar com juros. Mas é preciso criar as condições para isso ocorra. Aqui dentro do PT tinha muita gente que discutia: "ahhhh, mas tem que reduzir a taxa de juros". O PT amadureceu muito. Aprendeu com as derrotas nos movimentos de reforma. Vamos lembrar que a há 50 anos havia o plano das reformas de base - e ele foi derrotado. Há 30 anos houve o movimento Esperança e Mudança do antigo MDB, hoje PMDB, um dos melhores documentos já escritos sobre o Brasil, com uma série de reformas, como a reforma política e a reforma tributária - e ele foi derrotado. As reformas vão saindo, com o diálogo natural da democracia. As vezes são mal entendidas, as vezes bem entendidas. É da natureza da discussão. O fato é que o Brasil está maduro para fazer mudanças do ponto de vista democrático. Não é simples fazer isso, mas o País está maduro. O PT tem demonstrado isso. Nem sempre somos bem entendidos. Mas estamos aprendendo - o que é um sinal de dinamismo partidário.

Os senhor mesmo falou que o crescimento pelo consumo perdeu força e que seria preciso fomentar os investimentos. Mas como fazer isso levando em conta que um dos pontos criticados no governo Dilma é a relação conflituosa com o empresariado ou com a sensação que o empresariado tem de ter uma relação conflituosa? De onde viria o crescimento em eventual segundo mandato de Dilma?
Essa desintonia - vamos dizer assim - depende a bagagem de cada um. Se eu sou empresário, quero que o meu mercado seja protegido e o governo não protege, eu reclamo. Outro quer o mercado totalmente aberto. Outro quer uma taxa de câmbio de R$ 3,05. O governo é maduro para tomar decisões graduais. A receita é muito clara. O governo federal - nos dois mandatos do governo Lula e no primeiro mandato de Dilma - deu sinais claros de que não vai abandonar o sentido de distribuir para crescer. O distributivismo está presente. Poderíamos crescer de outra maneira. Poderíamos cortar mais rapidamente a inflação promovendo o desemprego. Mas essa não é a opção deste governo. Isto não será feita e isso gera desconfortos, o que é natural. Mas também está claro que as bases da distribuição para crescer passam pelo investimento. Se você conversar com qualquer empresário, ele vai reclamar. Mas se perguntar se ele ainda vai investir, ele responde que vai investir. Os investidores sabem que este País - a quarta democracia do mundo, com 210 milhões de habitantes, com um nível de renda cada vez maior - representa lucros. As pessoas falam mal, mas não abandonaram o País.

Mas o investimento está por volta de 18% (em relação ao PIB)?
Sim e é muito baixo. Mas há quanto tempo é assim? Tem uns 30 anos. Para melhor isso, não vou falar de nada de novo. Tem a questão da infraestrutura. Ela é muito ruim. Nós tivemos a ideia das concessões de aeroportos, portos, usinas hidrelétricas. Elas demandam investimentos pesados, que demoram para dar resultado. A outra infraestrutura que demanda investimentos é a infraestrutura das cidades. As cidades têm problemas seríssimos de mobilidade, de convivência, de falta de espaços públicos. As cidades vão demandar recursos públicos, mas um volume muito maior de recursos privados. O outro eixo está vinculado ao petróleo e ao gás. É gigantesco. A Petrobras é quarta ou quinta empresa do mundo. Se concretizarem todos os investimentos previstos, o petróleo, que hoje representa algo entre 10% e 11% do PIB, vai para 21%, 22% do PIB, gerando um efeito de arrasto enorme. Temos ainda o investimento que criado pelo combate à desigualdade. Quantas casas devem ser construídas para garantir a comodidade social e familiar? Quantas novas cidades são necessárias para atender a demanda do País, uma vez que centros urbanos estão saturados e estamos vivendo uma transição demográfica da maior importância? O processo de envelhecimento, o aumento da longevidade, a mudança na estrutura das famílias - tudo isso influencia.

Qual será o papel do BNDES? Quando se fala em investimento privado, o que se espera é que o dinheiro também seja privado. No entanto, o grande financiador hoje no Brasil é o BNDES. Vocês imaginam uma diversificação das fontes de financiamento ou a preservação o papel do BNDES?
A atual gestão do BNDES é mais um elemento que comprava a mudança substancial em relação ao que vinha sendo feito. O BNDES era o grande banco de financiamento da privatização. Tornou-se o grande banco de financiamento da produção e da estrutura empresarial brasileira. É um sucesso em determinados setores e vem fazendo um esforço grande para envolver pequenas empresas. Eu entendo que o BNDES não pode abandonar o movimento que fez. No entanto, particularmente, eu acho que seria importante o Brasil ter um banco voltado às pequenas empresas, como há no Japão. É preciso considerar a pequena e a média empresa de maneira mais estratégica. Mas tenho minhas dúvidas se o BNDES, uma grande instituição, consegue assumir esse papel, uma vez que a concessão de crédito para micro e pequenas empresas segue outra dinâmica de funcionamento. Também vejo a necessidade de se estruturar um banco para as exportações. É uma lacuna que não foi preenchida. O país também deveria ter um banco para a agricultura.

Qual o papel da fundação? Como são as discussões de economia aqui? A fundação formula proposta para o PT?
Temos um grupo com cerca de 30 pessoas - economistas, cientistas políticos, acadêmicos de universidades, gente de sindicatos - para debater conjuntura. Geralmente a economia, a política e a questão social são as que puxam as discussões. É um grupo fixo. Fazemos debates amplos. Com parlamentares, com a direção do PT, com diretórios. Temos uma boa capilaridade. No ano passado, o PT foi o único partido que fez a eleição direta para a escolha de seus dirigentes. Cerca de meio milhão de pessoas votaram e elegeram 88 mil dirigentes partidários. Há uma grande sinergia com a estrutura do partido e é importante a discussão de temas além do debate eleitoral. Aqui não trabalhamos a coisa eleitoral, porque a estrutura da fundação vai além disso. É claro que num ano eleitoral a gente até faz acompanhamento de pesquisas, mas a nossa discussão é mais estrutural, acompanhando a conjuntura.

Como o senhor está vendo o cenário eleitoral?
Serão 29 anos de regime democrático. Temos que comemorar. Mas vejo com preocupação o fato de não termos feito uma reforma político-eleitoral. Nossa eleição é permeada de vários vícios que precisam ser combatidos - a estrutura de financiamento, a forma de representação, a estrutura dos partidos. Em 2014 teremos melhores possibilidades que tivermos em 2010, tanto no plano federal, quanto no estadual. Vai ser uma eleição bem mais competitiva. Mas o PT terá candidaturas em estados que não teve em 2010 - pelo menos essa é a perspectiva. A ver.

FONTE: Estadão
############################################################################################################